Não fazem mais liberais como antes

Uma coisa que eu sempre gostei dos antigos liberais alemães e americanos foi o radicalismo das suas idéias e a criatividade. Ficava impressionado com a coragem deles em cruzar as linhas que claramente demarcavam o solo santo da fé histórica da Igreja. Nunca entendi direito como alguém que não cria que a Bíblia era a Palavra de Deus, que não cria na Encarnação, que não cria na Ressurreição física e literal de Jesus, ainda podia ter algum interesse em estudar a Bíblia. Mas, eles não somente negavam tudo isto e muito mais, como também demonstravam uma criatividade extraordinária em explicar o que acreditavam que realmente havia acontecido na Igreja e em Israel. O bom da coisa é que eu sabia desde cedo com quem estava lidando. As linhas demarcatórias eram claras. Como disse John Gresham Machen, o liberalismo não é cristianismo, mas uma outra religião. E isto ficava claro nos próprios livros dos liberais.

Mas hoje é diferente. Todo mundo nega que ainda existam liberais. Num sentido, é verdade. Pois o liberalismo teológico, como movimento e metodologia, já foi desacreditado. Os neo-liberais, sucessores dos próprios, são de outra estirpe, todavia. Prefiro os antigos liberais. Os neo-liberais não são radicais e nem criativos. Não tomam posição. Não falam claro. E nem escrevem claro. Preferem o caminho da ambiguidade, da incerteza, da mornidão, do crepúsculo. Você nunca sabe em que realmente um neo-liberal acredita. Nem quando ele fala e nem quando ele escreve. Uma vez um neo-liberal veio conversar comigo sobre a existência de um Adão histórico. Teria existido realmente? Durante a conversa toda fiquei sem saber se ele acreditava ou não que Adão havia existido realmente, se ele estava perguntando porque tinha dúvidas ou porque desejava ouvir os argumentos da minha parte. Os alunos de professores neo-liberais geralmente saem divididos da aula: “O professor acredita na Bíblia!” diz um. “Como?”, responde o outro, “ele chamou tudo de mito!”.

E a queda que os neo-liberais têm para o pentecostalismo? Aí é que confunde tudo! Acho que os pentecostais não reconheceriam os neo-liberais como filhos legítimos. Ninguém nem sabe se eles acreditam na personalidade do Espírito Santo e se acreditam que milagres aconteceram (e acontecem). Os antigos liberais, contudo, permaneciam geralmente na tradição de suas igrejas. Rudolf Bultmann foi, até morrer, diácono da Igreja Luterana.

Seminários onde não se ensina nem o liberalismo e nem o cristianismo histórico (não usei “fundamentalismo” de propósito), e onde não existe uma linha definida, são fábricas de neo-liberais. Eles saem de lá desacreditando da teologia, pois tantas dúvidas foram semeadas que não sabem mais como acreditar firmemente em alguma coisa. Daí, no ministério e na vida pessoal as opções são o pragmatismo e/ou o pentecostalismo. E em vez de teologia, passam a gostar de poesia.

Os antigos liberais eram impressionantes pela firmeza, pela clareza e pela coragem. Vários perderam seus empregos e ministérios por tomarem posição clara, como Strauss, que publicou suas idéias acerca do Jesus histórico. Seus herdeiros, os neo-liberais, nem mesmo eles sabem em que acreditam, pois acreditam em tudo. Não se fazem mais liberais como antigamente.