Celebrando o Natal com Santo Agostinho

Devido a criação que recebi em casa, nunca fui afeiçoado a ter uma festa de aniversário. Se não me falha a memória, ganhei uma grande festa aos cinco anos de idade e mais uma ou duas, no máximo, nos anos seguintes. Lá em casa eu aprendi com a minha mãe que festa não precisa ter hora marcada; é todo dia ou sempre que a gente quisesse celebrar alguma coisa, seja o nosso aniversário ou demais episódios felizes da vida.

Essa filosofia tinha suas vantagens e desvantagens. Era bom, por um lado, porque eu não precisava esperar meu aniversário, natal ou qualquer outro dia especial para ganhar presentes. A desvantagem era que nossas celebrações não tinham preparação; era tudo muito instantâneo e feito quase que no improviso – embora também não desse muito trabalho!

As coisas mudaram drasticamente, entretanto, depois que casei. Minha esposa, diferente da minha digníssima mãe, é obcecada por festas de aniversário e coisas do tipo. Desde então, e meio que por compulsão, nunca tivemos um aniversário sem festa, bolo, presentes, decorações e nem mesmo uma páscoa, natal e celebrações dessa magnitude sem alguma preparação, enfeites, casa cheia, muita comida – e obviamente, muito trabalho e louça para lavar depois!

Como você deve ter cogitado, eu convivo bem entre esses dois mundos: aquele da espontaneidade improvisada e outro da preparação meticulosa. Mas, afinal, o que isso tem a ver com Natal e – você pode estar se perguntando – com Santo Agostinho no título do artigo?

Deixe-me explicar. Viver nessa encruzilhada cultural de ser filho e marido de mulheres diferentes me trouxe à luz que o natal é justamente o encontro do improviso com a preparação, da glória com o banal. Por um lado, o Filho de Deus se encarnou e decidiu nascer junto aos animais num lugar sem prestígio nenhum, por outro, é o advento mais esperado por toda a humanidade de tal forma que sábios do oriente (magos, se preferir) deixaram tudo numa jornada longa extenuante para encontrar o rei dos reis. Se quiser mais um contraste, o natal é o paradoxo perfeito de um Deus glorioso que usa fraldas. O salvador do mundo é o “Deus menino”, nosso Senhor Jesus. É o rei deitado na manjedoura, a eternidade invadindo o tempo, a glória se revestindo do pó da terra.

Para minha surpresa, lendo os Sermões natalinos de Santo Agostinho, como disciplina de preparação para o advento, me deparei com o mesmo paradoxo. Na verdade, Agostinho dá uma aula de como reagirmos em deslumbramento diante da humildade-gloriosa da encarnação do Filho de Deus. O bispo de Hipona escreve:

“Aquele por quem todas as coisas foram feitas foi feito uma de todas essas as coisas. O Filho de Deus pelo Pai sem mãe tornou-se o Filho do homem por uma mãe sem pai. A Palavra que é Deus antes de todos os tempos se tornou carne no tempo determinado. O criador do sol foi feito sob o sol. Aquele que enche o mundo jaz em uma manjedoura, grande na forma de Deus, mas minúsculo na forma de servo; isto foi de tal forma que nem Sua grandeza foi diminuída por Sua pequenez, nem Sua pequenez foi superada por Sua grandeza.” (St. Agostinho, Sermão 187)[1]

A citação acima é só um exemplo dos inúmeros paradoxos que constituem o significado do natal na visão de Agostinho. Outro paradoxo difícil de compreender é o de que, devido à pandemia, não celebrarei o nascimento do Senhor com a minha congregação pela primeira vez desde a minha conversão. Provavelmente você também não poderá estar na sua igreja local e celebrar o aniversário do Senhor Jesus como de costume. O que fazer, então? Que tal viajarmos no tempo, para o quarto século da era cristã, e sermos guiados pela instrumentalidade agostiniana a respeito da mensagem do natal? Seria uma experiência interessante.

Eu fiz essa viagem e deixo aqui algumas de minhas impressões do que aprendi sobre o natal com Agostinho. Em primeiro lugar, o natal é um convite para o deslumbramento. Como Agostinho registra em outro de seus sermões, “Natal é o aniversário do Senhor. É quando a sabedoria de Deus se apresentou a nós como uma criança, e a Palavra de Deus sem palavras expressou a carne como sua voz.” (St. Agostinho, Sermão 185). Se corretamente compreendido, o natal deve provocar em nós um deslumbramento diante do amor de Deus. Ele veio não por sua própria causa, nem porque devia e muito menos coagido; o que “moveu” Deus foi sua própria liberdade e graça:

“Regozijemo-nos, então, nesta graça… pois que maior graça poderia Deus ter feito nascer sobre nós do que fazer seu Filho unigênito se tornar o filho do homem, para que um filho do homem pudesse por sua vez se tornar um filho de Deus? Pergunte se isso foi merecido; pergunte por sua razão, por sua justificativa, e veja se você encontrará alguma outra resposta além da pura graça.” (St. Agostinho, Sermão 185).

É tempo, então, de pausar a nossa correria e refletir que o Grande se tornou pequeno e o atemporal nasceu no tempo e espaço. Isso nos leva a refletir que a vida não é uma causa perdida ou uma multidão de histórias sem um propósito unificador. Não, a vida debaixo do sol é sobre o Criador descendo até nós e nos encontrando debaixo do sol. A vida é sobre um encontro de Deus com os homens. Natal é isso: é Jesus nos ensinando que nosso fim supremo na existência é glorificarmos e nos alegrarmos em Deus por toda a eternidade.

Em segundo lugar, tenho aprendido com Agostinho que natal é um tempo de acordar do nosso sono espiritual. O bispo escreve: “Para o benefício de quem tal sublimidade veio com tanta humildade? Certamente não para ele mesmo, mas totalmente para nós. Acorde, humanidade, pois o seu Deus se fez homem!” Ele continua:

“Desperta, humanidade! Para o seu bem, Deus se tornou homem. Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Repito: por você, Deus se fez homem. Você teria sofrido a morte eterna, se ele não tivesse nascido a tempo. Você nunca teria sido libertado da carne pecaminosa, se ele não tivesse assumido a semelhança da carne pecaminosa. Você teria sofrido infelicidade eterna, não fosse por essa misericórdia. Você nunca teria voltado à vida, se ele não tivesse compartilhado sua morte. Você teria se perdido se ele não tivesse se apressado em ajudá-lo. Você teria morrido, se ele não tivesse vindo.” (St. Agostinho, Sermão 185).

Que mensagem poderosa! Natal é tempo de acordamos de um sono que, a menos que despertemos em fé, nos mata lentamente. Somente Cristo tem o poder de abrir as janelas do nosso quarto e invadir nossas trevas com sua luz. É a luz que ofusca e machuca os olhos, mas a única que nos permite abrir os olhos e ver pela primeira vez. Natal é isso: Jesus vindo ao nosso encontro para nos despertar de um sono mortal.

Em terceiro lugar, os sermões natalinos de Agostinho têm me ajudado a entender a pedagogia divina, isto é, como Deus faz questão de se revelar a nós da forma mais visível e tangível possível. Podemos chamar isso de “pedagogia da encarnação”, o “vem e vê” de Filipe a Natanael (João 1.46), ou como diz o apóstolo João: “o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam a respeito da Palavra da Vida.” (1 João 1.1). O natal é a mensagem da encarnação, do toque, da visão, do Deus conosco. Por isso, é a mensagem mais poderosa do mundo. É o testemunho de que Deus venceu a nossa resistência contra ele não apenas por palavras ou feitos extraordinários – por meio destes também – mas especificamente por meio de sua presença entre nós. Agostinho troveja: “Deus se tornou um ser humano, para que em uma pessoa você pudesse ter algo para ver e algo em que acreditar”. (St. Agostinho, Sermão 126). Em outro sermão ele diz:

“Ele nos amou tanto que, por nossa causa, foi feito homem no tempo, por meio de Quem todos os tempos foram feitos; estava no mundo há menos anos do que Seus servos, embora mais velho do que o próprio mundo em Sua eternidade; foi feito homem Quem fez o homem; foi criado de uma mãe, a quem Ele criou; foi carregado pelas mãos que Ele formou; amamentou nos seios que Ele havia enchido; gritou na manjedoura na infância sem palavras, Ele, a Palavra sem a qual toda eloquência humana é muda. (St. Agostinho, Sermão 188).

E em outro lugar,

“Ele está em uma manjedoura, mas contém o mundo. Ele mama no peito, mas também alimenta os anjos. Ele está envolto em panos, mas nos veste com a imortalidade. Ele não encontrou lugar na pousada, mas fez para si um templo no coração dos crentes.” (St. Agostinho, Sermão 190).

É por meio dessa pedagogia do encontro que o natal deve ser encarado por nós como um momento para revigorar outros encontros: de Deus com os homens, entre os próprios homens e deles com a criação. Jesus nos chama para tocarmos as feridas deste mundo doente e nos identificarmos com suas carências assim como ele fez conosco. É um desafio para redescobrimos nossa real humanidade. Ele nos chama para continuarmos aquilo que ele mesmo começou. Deus deseja que mundo veja sinalizado em nós o que o mesmo mundo viu há dois mil e vinte anos atrás em Jesus.

Não sei se você é daqueles que se preparam para datas festivas como minha esposa ou gosta de improvisar uma celebração sem data marcada como minha mãe. Seja lá como for, o natal é o encontro das duas coisas: o drama de redenção tão esperado por toda a humanidade, mas que teve lugar na inusitada manjedoura. É com esse tom paradoxal que Agostinho nos convida a experimentar e celebrar o natal: “Vamos então celebrar com alegria a vinda de nossa salvação e redenção. Celebremos o dia festivo em que aquele que é o grande e eterno dia passou do grande e infinito dia da eternidade para o nosso curto dia de tempo.” (St. Agostinho, Sermão 185).


[1] Para uma coletânea de sermões de Agostinho, veja: Augustine. Sermons (Vol. III/4-6). Edited by John E. Rotelle (New Rochelle, NY: New City Press, 1993).