Contra o cientificismo: um argumento culinário

Minha esposa não se acha uma cozinheira muito boa. Ela está errada, claro. Hoje mesmo almocei uma deliciosa tilápia com legumes cozidos no vapor, como só ela sabe fazer. É apenas um exemplo de uma experiência acumulada de mais de dez anos, que me permite dizer: casei-me com uma ótima cozinheira.

Esse tipo de saber é muito diferente do conhecimento científico. Sei que nosso planeta se move no espaço segundo determinada equação, que os genes portam códigos para a fabricação de proteínas e que certas coisas estranhas ocorrem quando corpos se aproximam da velocidade da luz. Mas tais saberes não só estão totalmente fora da experiência cotidiana, minha ou de qualquer um, como também só se obtêm mediante uma atitude muito diferente, metódica, teórica, analítica, e por um aprendizado mais ou menos formal.

Existem, portanto, vários jeitos de conhecer a verdade sobre as coisas, sendo a abordagem científica apenas uma delas. Essa simples constatação basta para contradizer alguns extremistas que, nos últimos séculos, têm dito que o método da ciência moderna é o único meio válido de conhecimento. Porém, muitos que não iriam tão longe em sua idolatria da ciência estão dispostos a dizer, ainda assim, que a ciência é um meio superior, mais seguro que as alternativas. Por várias razões, essa tem sido a tendência dominante em toda a cultura ocidental moderna.

Isso traz algumas dificuldades práticas para quem gosta de saber a verdade. O prestígio da ciência faz com que muitas ideias cheguem a nós rotuladas, justificadamente ou não, como científicas. Mas ciência é um assunto difícil, para o qual poucos têm vocação, e mesmo os que a têm se especializam em uma pequena parte dela, permanecendo leigos em todo o resto. Não é simples a tarefa de elaborar juízos independentes e bem fundamentados sobre o mérito dessas reivindicações, e na prática só é possível fazê-lo para um número relativamente pequeno de casos.

Pode acontecer, e acontece frequentemente, de alguém apontar os canhões da ciência contra algumas convicções que julgamos bem estabelecidas por outros meios. Eu mesmo já ouvi que a ciência afirma: que Deus não existe ou, pelo menos, que não é possível saber se existe; que milagres são impossíveis; que existe comunicação com mortos; que cores e cheiros não têm existência objetiva (apenas comprimentos de onda e moléculas a têm); que a humanidade surgiu por descendência de animais preexistentes, e não segundo a narrativa bíblica que envolve pó e costelas; que gatos não gostam de carinho.

São afirmações muito diversas quanto aos fundamentos propostos, com graus variados de legitimidade (ou ausência dela) e que demandam discussões em diferentes ramos da ciência e do pensamento em geral. É exatamente por isso que o problema é complexo e importante. Somos bombardeados constantemente por afirmações feitas com base em ciências que não dominamos. É necessário sentir o peso da condenação, implícita ou explícita: um grupo internacional de pessoas sérias, com os melhores métodos e técnicas disponíveis, estudou um longamente assunto e chegou a um consenso sobre ele; mas eu, pobre ignorante, insisto em contrariá-los com base em motivos ridículos extraídos de minha experiência pessoal, de minha leitura da Bíblia, de minha própria e limitada cabeça.

Pode-se encontrar alívio parcial no fato de que nem tudo o que se apresenta como rigorosamente científico o é verdadeiramente. Mas isso não resolve muita coisa, e talvez mesmo agrave o problema, pois julgar a cientificidade de algo já requer certo preparo científico e filosófico. Se tomamos esse caminho, parece que não há escapatória legítima: o leigo só poderá se contrapor aos ataques feitos em nome da ciência tornando-se cientista em alguma medida; mas é provável que se torne um mau cientista, já que ele presumivelmente não tem a vocação necessária. Da mesma forma, o próprio cientista terá de se intrometer de maneira um tanto atrapalhada em áreas alheias à sua especialidade. Em suma, a ciência só pode ser vencida pela ciência, o que significa que, no fim das contas, não pode ser vencida. A combinação de seu prestígio cultural com a inacessibilidade de seus critérios a torna uma fortaleza inexpugnável.

Sem pretender subestimar a complexidade da discussão, pretendo ao menos apontar o caminho para sairmos desse dilema. A solução foi sugerida pelo eminente físico, filósofo e historiador da ciência francês Pierre Duhem (1861-1916). Em seu livro A teoria física: seu objeto e sua estrutura (Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014), ele afirmou (p. 203):

O leigo crê que o resultado de uma experiência científica se distingue de uma observação comum por um grau mais alto de certeza. Ele se engana, pois o relato de uma experiência em Física não tem a certeza imediata e relativamente fácil de controlar do testemunho comum e não científico. Menos certa que este último, ela o supera em número e precisão dos detalhes que nos faz conhecer. Essa é a sua verdadeira e essencial superioridade.

Pode parecer chocante, ou mesmo absurdo, mas Duhem tem razão. Frequentemente ouvimos que a evidência científica em favor de certa ideia é esmagadora, que há uma montanha de observações, experimentos, cálculos e argumentos em seu favor. Mas isso só pode ter um sentido relativo, ao comparar essa ideia com outras ideias científicas, dentro do âmbito da atitude teórica. A teoria científica mais bem estabelecida do mundo não tem como competir com minha certeza sobre o que comi no almoço. São exatamente a imensa complexidade dos argumentos e o enorme volume de dados que enfraquecem seu apelo à consciência. Se um cientista me disser, baseando-se em não sei quais métodos e evidências, que almocei qualquer coisa em vez de tilápia e legumes no vapor, não preciso ser capaz de discutir com ele para ter a certeza justificada de que há algo errado em sua ciência.

Claro que não estou defendendo a infalibilidade da experiência não científica. Assim como minha esposa modestamente se engana sobre seu talento culinário, erros são sempre possíveis. Concluo apenas que não é correto atribuir ao conhecimento científico um papel privilegiado no amplo e complexo empreendimento da busca pela verdade.