Como John Piper lidou com o pecado de Ravi Zacharias?

Transcrição do áudio

Pastor John, nos últimos meses, recebemos centenas de e-mails que perguntavam sobre o escândalo sexual de Ravi Zacharias. Tudo pode ser resumido em três perguntas. (1) Pastor John, como o senhor tem encarado essa tragédia? (2) O que devemos pensar do legado do ministério dele? (3) E o que o senhor diria àqueles que foram moldados, ou até convertidos, por meio da influência dele?

Bem, embora seus ministérios não tenham sido muito próximos, ainda assim você recebeu muitos e-mails, como esse aqui do Jonas. “Olá, pastor John. Após as alegações e provas de imoralidade sexual na vida de Ravi Zacharias, como devemos encarar e responder a essa situação? O impulso inicial parece ser cancelar, ignorar e nunca mais falar sobre ele. Mas não fizemos isso com Davi, um homem segundo o coração de Deus, que cometeu pecados infames de luxúria e adultério, os quais levaram a gravidez, engano e assassinato. Davi é um homem de fé que hoje celebramos e tomamos como exemplo, apesar de seus sérios pecados. É errado defender líderes espirituais contemporâneos apesar de seus pecados sexuais? A morte de um mestre deve ser considerada nessa decisão? Não seria mais perigoso defender um mestre que esteja vivo, visto que ele estaria suscetível a falhas ainda maiores? Também conheço várias pessoas que vieram à fé por causa do Ravi. O que dizer para encorajar um crente que agora enfrenta a provação de ter seu pai na fé manchado por causa de seu próprio pecado?”

Bem, permita-me começar dizendo por que demorei tanto para falar. Uma das razões é porque eu queria saber tudo o que deveria, e outra é porque não consigo imaginar a dor da família e de seus companheiros mais próximos. E deve ser horrível avaliar e criticar publicamente um marido, um pai, um amigo de longa data. E agora eu também farei parte disso.

Mas vamos lá. Quer dizer, creio que essas centenas de pessoas têm razão de perguntar: “Ok, Piper, você o conhecia, então como encarou tudo isso em seu coração e em sua mente?”

Três Ministros que Caíram

Permita-me fornecer um contexto bíblico de ministros do evangelho que por um tempo foram úteis falando a verdade, mas naufragaram suas vidas, inclusive a fé. Eu peguei essas ilustrações da Bíblia. São eles: Judas, Demas e Himeneu — os três mencionados explicitamente por Jesus e por Paulo.

Judas, o Filho da Perdição

De acordo com João 12.4–8, Judas criticou bastante quando Maria ungiu os pés de Jesus com um perfume muito caro. Ele disse: “Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários e não se deu aos pobres?” (João 12.5). E João comenta: “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” (João 12.6).

Em outras palavras, por um bom tempo (cerca de três anos), Judas abusou da confiança do Senhor e roubou das ofertas feitas ao ministério. E eu assumo que, durante todo esse tempo, ele pregou o evangelho do reino, foi enviado em duplas com os outros, operou milagres e desfrutou das conversas mais íntimas com o Filho de Deus, Jesus Cristo — tudo isso sendo o “filho da perdição” (João 17.12).

A dissimulação de Judas foi tão sutil que nenhum dos outros apóstolos suspeitou que ele fosse um traidor — pois, na Última Ceia, eles ficaram admirados quando Jesus disse: “Um dentre vós me trairá” (Mateus 26.21). Eles não olharam para Judas e disseram: “Ah, só pode ser Judas!”. Ele era um mestre da dissimulação.

E se, entre tantas pessoas que foram convertidas e viraram seguidores de Jesus, alguns deles tivessem sido curados por Judas, vindo à fé por meio de sua pregação? A pregação dele era tão ortodoxa, e aparentemente tão autêntica, que nenhum apóstolo olhava para ele e dizia: “Esse Judas não acerta uma…”. Nenhum deles. Ele fazia tudo certo. Ele pregava a verdade.

E, para que ninguém pense que falsos apóstolos não podem fazer milagres, lembre-se das palavras de Jesus em Mateus 7.22–23:

Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.

É claro que essas obras de iniquidade podem incluir coisas como dissimulação sutil; uso ganancioso dos recursos do ministério; manipulação de outras pessoas para o próprio prazer particular; comportamento adúltero; alimentar os desejos da carne; enfim, tudo que vai contra a ordem do apóstolo em Romanos 13.13–14.

Demas, seduzido por este século

E então, havia Demas. Duas vezes ouvimos Paulo dizer que ele é um parceiro fiel à obra do evangelho, ao lado de Paulo.

  • Colossenses 4.14: “Saúda-vos Lucas, o médico amado, e também Demas”. Ele vos saúda.
  • Filemon 23–24: “Saúdam-te Epafras, […] Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores”. Demas é citado como um cooperador do evangelho, ao lado de Lucas e dos outros.

E então, em sua última carta, em 2 Timóteo 4.10, vemos estas palavras terríveis: “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica”. Então parece que, por vários anos, Demas era um parceiro confiável de Paulo, assim como Judas era com Jesus. E durante esse tempo, não havia razão para achar que ele não pregava o evangelho verdadeiro e que as pessoas criam, assim como ele veio à fé por meio da pregação de Paulo. Se fosse assim, Paulo o teria mandado para casa, como fez com João Marcos (At 15.37–39). “Vá para casa; você ainda não está pronto, Demas.” Ele nunca fez isso.

Mas houve um momento em que Demas revelou o que ele realmente amava. Não era as verdades espirituais, mas apenas o que este século lhe oferecia através do trabalho religioso: coisas como se associar com pessoas notáveis, ter acesso a dinheiro, experiências de poder, elogios à sua eloquência e louvores à sua coragem. Há vários prazeres mundanos associados ao chamado “trabalho sobrenatural”. Mas Demas decidiu parar com sua atuação e abandonou Paulo.

Himeneu, o blasfemador naufragado

E, por fim, havia Himeneu. Em 1 Timóteo 1.18–20, Paulo diz a Timóteo:

Combate, firmado nelas, o bom combate, mantendo fé e boa consciência. Ao rejeitar a fé com uma boa consciência, alguns naufragaram na fé. E entre eles estão Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem.

Eles pareciam ter fé. Então, o que aconteceu? Eles não tinham fé com uma boa consciência. O que isso significa? Significa que, com o tempo, eles começaram a fazer o que a consciência deles condenava. Mas, ao invés de se arrependerem, eles acharam um jeito de enganar a consciência, até que ficasse tão cauterizada a ponto de justificar comportamentos chocantes, o que levou Paulo a dizer que eles “vieram a naufragar na fé”. Uma vida dupla, vivida de forma contrária à consciência cristã, é um naufrágio iminente.

Então, podemos tirar muitas lições de Judas, Demas e Himeneu. Aqui estão três delas:

  1. A verdade que salva a alma e exalta a Cristo pode ser anunciada por hipócritas.
  2. Abandonar uma boa consciência é o início de um desastre moral.
  3. O acúmulo de dinheiro e a busca por um estilo de vida luxuoso no ministério são um alerta do amor por este século.

Verdade Frouxa e Simpatia Sem Limites

Agora permita-me fazer duas observações específicas sobre o Ravi.

Primeiro, a maneira como o Ravi publicamente narrou suas experiências pessoais passadas me perturbou bastante. Eu sempre tive dificuldade em ouvi-lo por essa mesma razão. O estilo retórico dele era bem distinto nesse aspecto. Se você ouvir qualquer um de seus sermões, vai perceber. Ao relembrar um encontro com alguém, ele narrava o diálogo com citações exatas: Fulano disse isso. Então, eu disse isso. Então, Fulano respondeu dizendo tal coisa.

E eu não me lembro de ter ouvido ele deixar claro para o público que era a melhor aproximação possível do que ele podia lembrar que foi dito. Eu não gosto desse tipo de pretensão ou precisão na lembrança de um diálogo. Na melhor das hipóteses, me pareceu descuidado; na pior, me pareceu desonesto. De qualquer maneira, me deixou bastante desconfortável. Analisando depois, eu só podia imaginar que era um sintoma de faltar com a verdade sobre aquela experiência.

Mas tenho uma segunda observação, e ela é bem mais importante do que o que acabei de dizer. Podemos aprender uma lição a partir da manipulação de pessoas por parte do Ravi — a necessidade por uma simpatia que seja prudente. Vou explicar: Quando for preciso fazer uso da simpatia, ela deve estar amarrada à verdade, de modo que, quando a verdade pedir, a simpatia seja concedida sem medo; mas, quando for de encontro à verdade, ela seja retida. Normalmente consideramos essa questão da simpatia prudente com relação às vítimas de abuso que finalmente assumem o risco e falam a verdade. E, nesse momento, pode ser muito controverso dizer que deve haver uma simpatia prudente; uma simpatia que seja abundante, que ajude e cure, mas de acordo com a verdade.

Mas me parece que existe outra lição a ser aprendida: o valor da simpatia prudente antes da crise que surge do abuso revelado, antes do momento em que o abuso ocorria. Como o Ravi manipulava as pessoas para pecaminosamente lhe enviarem fotos íntimas? Como ele manipulava as pessoas para pecaminosamente lhe darem estímulos sexuais? Ele fez isso ao demandar uma simpatia sem limites. Ele se mostrava como um guerreiro oprimido, cansado e ferido na justa causa do evangelho. E, ironicamente, ele transformou sua posição de poder em uma espécie de necessidade e carência. Então ele tentou obter uma simpatia sem limites, disfarçado no pedido por “terapia para o guerreiro ferido”.

Bem, eu já vi esse tipo de manipulação. Eu já vi esse tipo de demanda por uma simpatia sem limites entre muitos líderes cristãos que caíram: “Ah, o fardo é muito grande. As feridas são profundas. Poucas pessoas me entendem. Ah, o peso de um ministério fiel é grande demais. Eu preciso de alívio. Tenha piedade deste pobre guerreiro ferido. Tenha simpatia por seu herói que tanto luta. Eu preciso do seu corpo para continuar na obra do Senhor”. Em resposta a isso, a assistente administrativa, ou a antiga paixão da faculdade, ou o jovem rapaz no vestiário, sempre devem dizer: “Que nojo! Nunca mais fale comigo assim! Minha simpatia não está à venda; ela está amarrada à verdade e à justiça!”.

Jesus Nunca Falha

Creio que a última coisa a dizer para aqueles que vieram a Cristo por meio do ministério do Ravi, ou que tiveram a fé fortalecida por seus ensinos, é o seguinte: Não permita que as imperfeições e as falhas dos homens afastem você da perfeição e do triunfo de Cristo, o qual nunca, nunca decepcionará você.

Por: John Piper. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: How Have You Processed the Sin of Ravi Zacharias?

Original: Como John Piper lidou com o pecado de Ravi Zacharias? © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Renan Araújo. Revisão: Filipe Castelo Branco. Narração: Filipe Castelo Branco e Thiago Guerra.