Marido, não basta morrer pela sua esposa

A gente sabe o que Paulo disse lá em Efésios 5, mas não custa lembrar que no texto diz que o marido tem que amar e se entregar pela sua esposa. Sim, o marido tem que estar disposto a morrer pela sua esposa. Mas não podemos simplesmente resumir isso a uma morte romantizada e pontual, do tipo “Se precisar, eu levo um tiro no lugar dessa mulher.”

Morrer assim é fácil. Afinal, como Paulo também disse, morrer é lucro. Essa morte é um ato solitário, pois é só o marido (no caso) que passa pela morte, que de fato atravessa a porta para a vida após a morte. Esta morte é rápida, pontual e finita. Creio Paulo propõe algo além desta morte, apenas. Ele fala também de uma outra morte. Aliás, o texto não diz “morrer pela sua esposa” e sim “entregar a sua vida” por ela. Óbvio que, em última análise, entregar a vida é morrer. Mas não podemos resumir o nosso amor pela esposa a uma mera disposição de, se for necessário, morrer por ela. O amor deve ser desenvolvido de fato na entrega diária da sua vida: suas vontades, seus desejos, suas prioridades, seu modo de enxergar o mundo… por ela.

O texto diz também que fazemos isso como um reflexo do sacrifício de Jesus por nós. Mas o próprio Jesus não veio até nós apenas para perecer. Imagina se Jesus tivesse vindo, ficado na sua a vida toda lá cuidando dos seus próprios interesses sem pecar e, na hora marcada, foi lá pra cruz fazer o que tinha quer ser feito. A morte dele seria quase que um mero dado estatístico. Não, ele veio e ensinou, discipulou, demonstrou e viveu aquilo que anunciava e pregou até que a sua morte fosse a culminância da entrega de toda uma vida para cumprir a vontade do Pai. Cristo entregou a sua vida ao longo de trinta e três anos, não apenas quando subiu na cruz. E ele deixou isso claro ao longo da sua carreira terrena quando disse coisas como “para cumprir a vontade do Pai / para que se cumpram as Escrituras”. A vida de Jesus esteve sempre à serviço da vontade de outro, o Pai.

Da mesma forma, quando o homem se une à mulher, este novo núcleo, esta nova “uma só carne não se trata de dois indivíduos que agora negociam e coordenam suas agendas pessoais para tentar se encaixar na vida um do outro. Trata-se de uma profunda redefinição e reconfiguração de ambos, de suas vidas, planos, propósitos, prioridades, sonhos, desejos e até amores. E olha que a essa altura não estamos nem falando de filhos ainda.

Então, homens, maridos e futuros maridos…

Estejam dispostos a entregar a sua vida pela sua esposa, diariamente. O que isso quer dizer? É lavar a louça quando ela tá cansada e pede ajuda, passar um pano quando a casa tá suja ou finalmente atender aquele pedido que ela fez há algumas semanas? É também isso, mas vai muito mais além. Estamos falando de uma redefinição de mente, da maneira pela qual você enxerga o mundo, de tal modo que os seus desejos e pensamentos não são a conciliação entre o futebol com os amigos e o tempo com a esposa, mas sim a construção diária de um edifício para a vida toda.

Lembro no começo do casamento que um dia fui buscar a Livia, minha esposa, no trabalho e ela atrasou mais de uma hora. Fiquei sentando no carro no estacionamento do prédio. Ela me ligou e disse: “Amor, vai pra casa, vai fazer suas coisas que depois eu pego um Uber”. Respondi: “Mas, o resto do meu dia depende de você: jantar, talvez assistir uma série ou seja lá o que for que nós decidimos fazer. O resto do meu dia só anda quando você estiver junto.”

Na hora ela não entendeu direito, mas depois me explicou o espanto, especialmente considerando a reação das amigas do trabalho: “Se fosse o meu namorado / marido, já tinha ido pra casa jogar vídeo game / jogar bola / ir pra academia etc.”

Não, eu não sou melhor que ninguém, muito pelo contrário. Eu só tinha na cabeça que os meus dias agora não pertencem mais apenas a mim, assim como a vida da Livia não é mais só dela.

Portanto, não espere para morrer pela sua esposa quando o perigo bater à porta. Entregue a sua vida pela sua mulher ainda hoje! Atente-se para a sua esposa, para o seu lar. Ocupe-se das coisas desta vida construída a dois, e não apenas um projeto compartilhado entre duas pessoas que pensam parecido. Abra mão daquilo que não contribui para essa edificação mútua. Morra para si mesmo e entregue a sua vida a este projeto.

E não, essa entrega diária não será apenas uma sucessão de sacrifícios penosos e dor (mesmo que isso esteja presente ocasionalmente). Para pegar emprestado um outro ensinamento de Cristo: é por meio desse processo, de abrir mão da nossa vida, que encontraremos uma nova vida pela qual vale a pena se entregar. É do outro lado da entrega que encontraremos uma nova vida, com um novo propósito e vigor ao nos descobrirmos a beleza e a alegria de um edifício construído a dois.

Lhe garanto que por esta edificação vale a pena não só morrer, mas também viver.