Eu entendo quem não quer ter filhos

Recentemente, o comediante Fabio Porchat disse numa entrevista que filhos atrapalham a vida da gente. A afirmação, apesar de polêmica, expressa um pensamento comum, inclusive entre cristãos.

Cada vez mais vemos, inclusive na igreja, famílias tendo menos filhos cada vez mais tarde na vida, adiando a paternidade em prol de uma grande viagem dos sonhos, um plano de carreira ou algum projeto pessoal. Não é à toa que uma pergunta recorrente entre por aqui é se é pecado não querer ter filhos. E muitos já dedicaram textos, vídeos e podcasts respondendo isso.

Com pouco mais de dois meses sendo pai de gêmeos, preciso confessar que concordo com o Porchat.

Desde a chegada dos meus filhos, o Felipe e a Alice, a minha vida está uma bagunça. A última vez que dormi uma noite inteira de sono foi antes de nascerem. O último filme que assisti de ponta a ponta numa única tentativa, também. Não tenho mais o luxo de esticar a jornada do trabalho para além do expediente. Até as idas para a igreja precisam ser planejadas para casar com os horários das mamadas, sonecas e banhos.

É comum ouvir que não podemos pensar assim, mas, eu penso. Desde que meus filhos chegaram, minha vida está um caos. Meu sono, minha alimentação, minha disposição, tudo está ruim. Até meu médico disse, ao ver um exame de rotina: “Seus exames mostram que você é pai de recém-nascido. Tá tudo desregulado.”

Além disso, nos últimos dois meses me descobri um homem impaciente, zangado, às vezes até agressivo. É um saco trocar fralda. É frustrante gastar uma hora ninando uma criança e ela acordar berrando na hora que encosta no berço. Sinto falta de ter o quarto só para mim e para a minha esposa, a Livia, já que que tivemos que separar os gêmeos e um berço fica conosco. Sinto falta dos momentos a sós no fim do dia em que não contávamos os minutos de sono que temos antes deles acordarem, morrendo de medo de ouvir um choro vindo dos berços.

Então, sim. Filhos atrapalham a vida da gente, e muito.

Porém, que vida é essa que os filhos tanto interrompem?

O sono ficaria em dia, óbvio. O orçamento me permitiria mimos e estripulias financeiras que hoje não existem – um jantar especial, um celular melhor, um tênis novo. Era muito conveniente esticar o expediente para produzir mais ou sacrificar umas horas de sono para maratonar uma série.

É errado buscar uma vida tranquila, relaxada, podendo construir minha carreira profissional e um casamento feliz… isso não é legítimo? Óbvio que é. Mas, é correto para o cristão pensar assim?

Quando olhamos para a Bíblia, nos deparamos com uma outra visão a respeito dos filhos.

“Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se!” (Gn 1.28)

“Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá. Como flechas nas mãos do guerreiro são os filhos nascidos na juventude. Como é feliz o homem cuja aljava está cheia deles!” (Sl 127.3-5)

“Deus os abençoouHerança do Senhor… Feliz é o homem…”

Quando a Bíblia fala de filhos, ela fala de felicidade, herança divina e bênção.

Mas ser pai cansa e custa e esmaga a gente. Isso gera felicidade e bênção? É claro que quero ser abençoado por Deus, mas não tinha jeito mais fácil?

A verdade é que temos um péssimo conceito do que significa ‘bênção’. Ninguém nega uma bênção, mas a realidade é que rejeitamos os meios pelos quais Deus age para nos abençoar. Isso serve para todas as áreas da nossa vida: queremos ser fortes para poder pegar muito peso, mas não queremos nos submeter ao exercício repetido que desenvolverá a força. Queremos perder peso – e rápido – sem passar por uma reeducação alimentar e verdadeira mudança de hábitos. Queremos que Deus nos dê perseverança para suportar a provação e o sofrimento, sendo que a Palavra nos diz que é justamente a provação que produz perseverança (Tg 1).

Queremos os benefícios, mas rejeitamos os meios pelos quais Ele os opera.

E ao longo da Bíblia, não há quem tenha sido abençoado “de graça”. O poder e autoridade entregues a José, o “homem segundo o coração de Deus” que foi Davi, a fé testada de Abraão e tantos, tantos outros…

Não é que precisamos fazer por onde para merecer a bênção, mas é por meio de dores e provações que Deus opera as suas bênçãos! Nem a própria salvação veio sem um preço a ser pago, e ela custou um preço altíssimo que homem algum jamais poderia pagar. O próprio Filho de Deus teve que morrer para que nós pudéssemos ser abençoados com a vida eterna!

Pergunte a quem não quer filhos se ele ou ela não quer felicidade e bênção. Duvido que ouvirá um ‘não’. Mas ainda há quem insista em negar tanto a felicidade quanto a bênção quando optam por uma vida sem filhos, para não atrapalhar os seus próprios planos e desejos.

O professor Ícaro de Carvalho, em resposta ao Porchat, disse: “Filhos nos livram da miséria que é viver para nós mesmos.” Digo ainda mais. Filhos nos permitem participar e experimentar do profundo mistério que é o Evangelho: a morte voluntária para que outros, imerecidamente, pudessem conhecer a vida.

Se dispor a ter filhos, a investir tempo, dinheiro e até saúde na edificação de uma vida além da sua é o maior projeto ao qual alguém pode se entregar para experimentar uma felicidade e bênção que jamais seria conhecida de outra maneira.

Eu hoje digo isso pela fé, confesso. Mas sei, sem sombra de dúvida, que ter filhos foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo.