Um blog do Ministério Fiel
Enxergando Jesus em toda a Palavra
É fácil se encantar com o livro de Rute, mas igualmente fácil de perder Jesus de vista. Logo, o fato de ele fazer parte do Antigo Testamento e de ser uma narrativa torna-o extremamente interessante de ser analisado. Não é preciso fazer muito esforço para mostrar por que a história de Rute é tão amada. Primeiro, a lealdade admirável de Rute para com Noemi rumo a uma terra desconhecida. Segundo, o cuidado para com os desfavorecidos é presente. Gostamos de histórias em que os pequenos terminam grandes. Por fim, há romance, conquista e final feliz.
Contudo, esta é uma história muito distorcida e mal-compreendida. É comum fazer uma leitura feminista, apelando para o protagonismo da mulher e/ou medidas socioprotetivas. Outra leitura ainda mais chocante é uma leitura gay, afirmando um suposto amor entre Rute e Noemi. É triste ver a palavra de Deus sendo distorcida para defender agendas.
Ainda assim, os evangélicos também aplicam essa história de forma errônea. Por exemplo, é comum aplicar o romance ao casamento (Rt 1.16) ou pegar as características morais, como a lealdade e a bondade, e focar mais na ética envolvida na história. Contudo, assim perdemos de vista que a Bíblia é um livro de redenção, não um livro de lições de moral. Não há nada de errado em retirar princípios morais da Bíblia. Porém, quando isso é o máximo que obtemos, caímos em um legalismo. Por fim, não é raro aplicar como exemplos ideais de relacionamentos.
Tais abordagens fazem as Escrituras perderem sua essência. Seus personagens precisam ser analisados à luz da redenção. Então, como devemos ensinar a história de Rute? A princípio, não devemos ensiná-la como algo isolado . Em geral, conhecemos bem a história de Noé, mas não sabemos conectá-la ao todo. Por vezes, apenas as conhecemos como exemplos do que Deus fez ao longo da caminhada do povo de Deus, mas perdemos de vista que se trata de uma única trajetória. Também não devemos ensinar a história de Rute como exemplos de moral a seguir. Contudo, a lei não muda os corações. Por isso não podemos apenas dar regras e exemplos a seguir, por mais claros que sejam.
Além disso, lembre-se de que Deus sempre é o personagem principal, mesmo quando ele não está explícito na passagem. Mesmo que personagens humanos deem razões para os destacarmos, eles são apenas instrumentos da condução divina dessa grande história. Mas, ao mesmo tempo que são semelhantes a Cristo, eles também carecem de Cristo.
Portanto, devemos enxergar cada história dentro de uma Grande História. A Escritura é uma grande história de salvação; a Bíblia é um livro sobre Deus remindo um povo para si, e a história de Rute é uma ilustração perfeita desse princípio. Ela nos lembra, por meio da genealogia final, que essa história faz parte de algo maior. Mais do que uma história de fartura e família providas por Deus, Deus provê um grande Rei quando ainda estavam no período dos juízes (1.1). A solução para a desordem e infidelidade do tempo dos juízes é a chegada do renomado Rei (4.14). A provisão de Deus, o casamento no fim e a formação de uma nova família são parte de algo maior.
Foquemos, então, no contexto de Rute. O período dos juízes é de abandono da palavra de Deus, caos social e carência da redenção divina (Jz 17 a 21). Rute conecta Juízes e 1 Samuel, reforçando o reinado de Davi. A situação social de fome é castigo de Deus sobre o pecado do povo que se esqueceu do Senhor. Assim como Deus promete terra, descendência e um grande nome a Abraão (Gn 12.1-3), Rute revela o cuidado de Deus nas três promessas.
O capítulo 1 de Rute apresenta várias ironias que denotam rebeldia, as quais conduzem à amargura. Contudo, Noemi ainda encontra uma lealdade ímpar. O capítulo 2, por sua vez, traz o retorno à terra do pão em mendicância; porém, Deus faz da vulnerável uma protegida. O capítulo 3 mostra uma busca pelo resgatador Boaz; contudo, há outro parente. O que Deus irá fazer?
Analisemos os três personagens do capítulo 4 separadamente. Boaz decide resgatar Rute caso o outro parente não tivesse interesse. A Bíblia não menciona seu nome; não vale a pena ser mencionado. Aquele que é justificado possui um nome; quem não é, não tem nome. Quem esteve disposto a perder, ganhou uma esposa virtuosa e um nome estimado entre os anciãos. Rute, por sua vez, é a estrangeira que abraça a terra, o povo e o Deus de Israel, resgatada graciosamente e incorporada à linhagem real de Davi. Também é comparada a Raquel e Lia, pois ela trará descendência a Israel. Os anciãos abençoam a união, comparando-a à que trouxe Perez e sua descendência. O final mostra como Deus faz coisas grandes por meio de gente comum. Rute é frágil e chega onde chega porque o Senhor é gracioso para com ela. E Noemi, aquela que experimentou amargura por causa da fome e das mortes, experimentou do Senhor sustento e descendência. Deus lhe preservou o nome por intermédio de Obede, que significa “servo”. Noemi é extremamente abençoada por Deus.
Como tudo isso se junta a Cristo? Temos que ler o livro como um conjunto de reviravoltas redentivas: da fome à abundância, da esterilidade à fecundidade, do isolamento à comunidade, de mortes a nascimentos, da amargura à celebração. O livro termina em festa porque aponta para Cristo. Como? Boaz é aponta para o resgatador que, ao ressuscitar, preserva a linhagem e ganha um nome acima de todo nome, pois esteve disposto a perder, a fim de ganhar um povo para si. Noemi aponta para Cristo como servo sofredor que assumiu nossas amarguras, a fim de nos prover bendita herança e fartura. Rute, por fim, é a estrangeira que aponta para o amigo de pecadores que adentrou uma terra estranha, a fim de adotar os desprezados. Contudo, todos os personagens são carentes de Cristo: a desamparada encontra amparo; a estrangeira encontra graça; a viúva encontra um marido e, por fim, todos recebem um nome.
A história termina dizendo que aqueles que confiam na graça do no Senhor recebem um nome. Você já o recebeu?