O mistério misericordioso da eleição incondicional

Eleição é um tópico que atrai, atualmente, a atenção dos americanos (e do mundo que está observando), dado o evento político significativo que está para acontecer nos Estados Unidos. Em nossa república democrática, cidadãos qualificados votam, gratuita e secretamente, para eleger aqueles que desejamos que nos representem nos poderes executivo e legislativo do Estado e do governo nacional.

Esse é um exemplo de eleição condicional, demonstrando que os “eleitos” são escolhidos com base em seus méritos superiores em relação aos candidatos da oposição. Os eleitos merecem ou conquistam a sua eleição.

Nesse sentido (e em outros, claro), a doutrina americana da eleição é bem diferente da doutrina bíblica da eleição. Sempre que o termo eleição ou eleito é mencionado na Escritura, sempre se refere à escolha de Deus por aqueles que ele tem o propósito de redimir da humanidade caída. Deus escolhe – elege – não o homem (Ef 1.3-6). E quando Deus escolhe redimir uma pessoa, ele o faz baseado, não no mérito da pessoa, mas unicamente em sua misericórdia (Rm 9.10-16).

Teólogos tem definido eleição incondicional, o qual John Piper, de forma concisa, define como “a livre escolha de Deus, antes da criação, não baseada em uma fé prevista, pelos traidores que ele garantirá fé e arrependimento, perdoando-os e adotando-os em sua eterna família de alegria.” Nesse caso, os eleitos não merecem ou conquistam sua eleição, mas a recebem como um presente gratuito de Deus baseado,  exclusivamente, em sua graça para com eles (Ef 2.8-10).

Muitos, ao longo dos séculos, acharam na doutrina bíblica da eleição, uma fonte de grande esperança e conforto. Mas muitos outros encontram nela uma fonte de confusão, ansiedade e até ofensa. Deus deseja que a experimentemos da primeira forma e não desta última. Ele revelou a eleição na Escritura, não para compreendermos todos os mistérios, nem para que possamos identificar facilmente todos os que são eleitos, mas para colocarmos toda nossa confiança e fé em Jesus Cristo, e achemos nele nosso tudo como supremo sobre todas as coisas (1Co 15.28).

Grande clareza e grande mistério

A revelação da Escritura acerca do tema da eleição é clara: Deus “nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo” e “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos […] segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.4-6). Se há qualquer dúvida sobre a natureza incondicional dessa eleição, tudo o que precisamos fazer é seguir a lógica do apóstolo Paulo em Romanos, no capítulo 9.

Contudo, a Escritura não revela os mecanismos da eleição. A Bíblia nos diz que Deus é completamente soberano e livre para escolher aqueles aos quais concederá e não concederá o dom do arrependimento e da fé salvífica (Rm 9.15-16) e que os seres humanos são moralmente responsáveis se não se arrependerem e crerem em Cristo (Jo 3.18). Mas, a fórmula sobre como isso funciona é um mistério conhecido apenas por Deus.

Em uma eleição política (condicional) americana, mistérios em torno dos resultados poderiam indicar um processo de corrupção. Os fundadores da nação possuíam um temor saudável pela depravação humana e designaram os sistemas de governo americanos tendo isso em mente. Eles sabiamente planejaram muitas formas de prestação de contas a fim de mitigar as inúmeras formas de corrupção que ocorrem, inevitavelmente, sempre que humanos perseguem e conquistam poder. É por isso que as eleições americanas devem ser tão transparentes e não-misteriosas o tanto quanto for possível.

Porém, com a eleição divina, o oposto é verdadeiro. Nesse caso, o mistério é uma grande misericórdia para conosco por pelo menos duas razões.

As duas misericórdias do mistério

Primeiro, nós simplesmente não possuímos as capacidades perspectivas ou intelectuais para compreender os propósitos de Deus na eleição. Como Michael Horton diz,

Todas as grandes verdades da Palavra de Deus são mistérios nesse sentido. Elas estão além da nossa habilidade de capturar sua essência. Elas não contradizem a razão, mas transcendem-na. (A Favor do Calvinismo, 111)

Segundo, e até mais importante, como criaturas caídas e depravadas, que tendem a corromper os processos eleitorais que compreendemos, nós carecemos das capacidades morais para que tal conhecimento nos seja confiado. Nossa grande ruína foi desejar e aspirar ser “como Deus, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5). Nós devemos confiar na sabedoria e na bondade de Deus quando ele retém informações de nós. É por esse motivo que João Calvino deu essa sábia advertência pastoral contra investigar os mistérios da eleição:

[O curioso] não obterá nenhuma satisfação para sua curiosidade, mas entrará em um labirinto no qual ele não achará saída. Pois, é improcedente, que homens explorem, impunemente, essas coisas que o Senhor determinou que sejam escondidas nele mesmo… Assim que o Senhor fecha a sua sagrada boca, [nós] também devemos desistir de novos questionamentos. (For Calvinism, 113)

O sábio dirá com Moisés, “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29). Pois o sábio entende que Deus é misericordioso em não nos dizer tudo.

Como Deus revela seus eleitos?

Assim que o prazo de votação para as eleições nacionais da próxima semana passar, espera-se que a determinação do “eleito” seja bem direta. As cédulas serão cuidadosamente coletadas e contadas, e os candidatos que receberem a maioria dos votos de seus cidadãos serão publicamente declarados vencedores (a não ser que, como em 2016, os totais de votos presidenciais do colégio eleitoral sejam diferentes dos totais de votos populares).

Novamente, isso é muito diferente da forma como Deus revela seus filhos eleitos (incondicionalmente), os quais, através de Cristo, ele resgatou e redimiu “de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9). Jesus descreve seu método com uma parábola:

Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um. Dizendo isto, clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. (Lc 8.5-8)

Deus chama seus eleitos por meio da transmissão indiscriminada de “sementes” do Evangelho. Ele faz seu apelo a todos por meio de nós, os mensageiros da reconciliação (2Co 5.20). Aqueles plantados em boa terra, aqueles com sementes que criam raízes, aqueles que têm ouvidos para ouvir, provam serem os eleitos.

Fruto e perseverança pelo Espírito

Essa parábola ilustra não apenas o método de Jesus, como também nossas limitações. Ambos os solos, os rochosos e os espinhosos, inicialmente, nos parecem bons. Apenas após a fé ser testada (Lc 8.13), ou os cuidado e. prazeres da vida sufocarem o que parecia ser uma vida baseada no Evangelho (Lc 8.14), é que percebemos que alguém pode não ser eleito.

Observe minhas palavras: “pode não ser eleito”. Deus não nos garante o conhecimento de quem são os seus eleitos nesta era. Ele, misericordiosamente,  esconde esse conhecimento, que é muito pesado para nós carregarmos. Alguns solos podem permanecer endurecidos por oitenta anos, apenas para, ao final, se tornarem macios e receberem a semente. Outros solos podem parecer bons por décadas para, ao final, terem seu caule murcho e morrerem nas rochas ou espinhos.

Quando os apóstolos avaliavam a fé de cristãos professos, eles buscavam a evidência do Espírito, especialmente a perseverança fiel em meio a tribulações (1Ts 1.4-7), e eram rápidos em encorajar o que observavam: “Sempre dou graças a [meu] Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; porque, em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento” (1Co 1.4-5). Porém, se depois outra evidência levantava alguma preocupação, eles podiam dizer aos mesmos cristãos,

Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. (2Co 13.5)

Uma razão pela qual eles emitiram tais advertências é porque sabiam que o Espírito os usaria como um meio de manter os eleitos lutando para perseverar na fé. Exortações ajudam os santos a resistir ao “engano do pecado” (Hb 3.12-13).

Mas, ao final do dia, não é nosso trabalho determinar quem é ou não o solo bom para ser eleito. Esse é o trabalho de Deus. Nosso trabalho é semear sementes do Evangelho ou regá-las e confiar que Deus as fará crescer (1Co 3.7).

‘Permanecei em mim’: o lugar de segurança

Logo, se Deus oculta em mistério, não apenas os seus propósitos na eleição, mas até os próprios eleitos, podemos ter certeza de que nós estamos entre os eleitos?

Deus certamente deseja que todos, a quem foi dado direito de serem chamados filhos de Deus (Jo 1.12), vivam no santo conforto de saberem que são filhos de Deus (Rm 8.16). No entanto, ele não deseja que busquemos esse conforto em nossos dons espirituais, efetividade ministerial, experiências passadas ou nos corredores labirínticos e enganosos da introspecção. Ele deseja que encontremos esse conforto ao acharmos em Cristo nosso tudo em tudo, nossa própria vida (Cl 3.4). É por isso que o convite à segurança que Jesus estendeu aos discípulos dele era esse:

Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos. Como o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço. Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo. (Jo 15.5-11)

O gozo da segurança, a própria alegria de Jesus em nós, vem de um lugar: permanecer (persistir) nele – confiando unicamente nele para o perdão dos nossos pecados (Cl 1.14), para toda graça necessária nesta era (Hb 4.16) e, na era por vir, a vida eterna (Lc 18.30).

Esse chamado à permanência pode soar como se colocasse maior ênfase em nossa responsabilidade do que no poder da eleição de Deus, como se fosse eleição condicional em vez de eleição incondicional. Mas não se deixe enganar. Estamos apenas experimentando o maravilhoso mistério que é a eleição divina, o lugar paradoxal em que, o decreto soberano de Deus, desde a eternidade passada, e o nosso chamado a responder aqui e agora mostram estar, não em desacordo, mas em perfeita harmonia.

Jesus disse, “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem” (Jo 10.27). Os eleitos respondem ao chamado de Jesus para segui-lo e permanecer nele. Em misericórdia, Deus oculta de nós os mistérios da eleição que não somos equipados para entender; contudo, ele nos dá graciosamente um meio simples pelo qual podemos encontrar a exultante garantia de que pertencemos e amamos Jesus: nós o respondemos e o obedecemos de bom grado (Jo 14.15).

Você ouve a voz dele? Você o seguirá? “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração” (Hb 4.7).

Por: Jon Bloom. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: The Merciful Mystery of Unconditional Election.

Original: O mistério misericordioso da eleição incondicional. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Juliane Teixeira Lima Peixoto. Revisão: Julia Maria Schmalz Martins.