Quando o aborto chegou em nosso lar

No início desse mês, especificadamente no dia 06 de dezembro de 2021, nós recebemos uma terrível notícia – nosso bebê estava sem vida no ventre da minha esposa. Nosso planejamento era outro para aquele dia. Acordamos felizes e ansiosos para ver e ouvir pela primeira vez nosso filho(a). Helena, nossa única filha de quatro anos, estava desejosa para conhecer o irmão ou a irmã dela. Ela orava por isso e falava na escola da vontade que tinha de conhecê-lo(a). Então, fomos nós três ao médico para o primeiro ultrassom. Logo de início desconfiamos de algo estava errado pela fala e feição do médico. Nossa desconfiança estava correta, ele disse: “tenho uma notícia triste para dar para vocês, o seu bebê está sem vida. Raquel, o seu caso será um aborto”. Foram os segundos mais longos que já experimentei. Eu e minha esposa não falamos uma única palavra no momento, muito menos Helena. Lágrimas caiam dos olhos da Raquel e inúmeros pensamentos passaram na minha cabeça naquele momento. Eu não sabia se consolava ou se chorava. Era uma notícia terrível – estávamos perante o primeiro caso de morte em nossa família imediata. 

Abaixo, vou listar alguns pensamentos que tive durante aquela semana acerca do nosso aborto. Escrevo eles com a motivação de ajudar aqueles que já passaram ou enfrentarão essa situação. Em cada ponto está um pensamento.

  • A primeira coisa que pensei ao receber a notícia foi o texto de Jó 1.21: “[…] O SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!”. Jó disse isso após perder filhos e filhas, ele passou pela mesma dor. Acredito que o SENHOR nos deixou esse verso na Bíblia para sabermos lidar com essas situações de morte dos filhos. Esse verso “pregou” aos meus pensamentos assim que recebi a notícia. Talvez eu tenha familiaridade com ele por causa do meu avô (ex-pastor batista já falecido). Todos os enterros que meu avô realizava a cerimônia, ele citava esse verso. É uma grande declaração de fé perante a morte! Para o médico, o aborto estava acontecendo por alguma deformidade com o bebê e então o corpo rejeitava “naturalmente”. Para mim, Deus o tomou.
  • Esse aborto é para o “nosso bem”. Assim que entramos no carro, ainda em lágrimas oramos Rm 8.28: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Todas as coisas em Romanos oito significa “tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada, morte, vida, anjos, principados, coisas do presente, coisas do porvir, poderes e criaturas” (versos 35, 38). Sabíamos que Deus estava usando essa morte para gerar vida em nós, uma vida que se assemelha cada vez mais com seu Filho (verso 29). Deus nunca desperdiça nossos sofrimentos.
  • Agora eu poderia consolar melhor aqueles que passam por esse tipo de situação. Na pastoral eu já aconselhei algumas pessoas que perderam seus filhos, mas agora eu entenderia da dor por experiência própria. Acredito que é isso que Paulo diz em 2Co 1.4: “É ele que nos consola em toda a nossa tribulação, para que, pela consolação que nós mesmos recebemos de Deus, possamos consolar os que estiverem em qualquer espécie de tribulação”. Não dá para minimizar a dor de um aborto. Não cabe argumentos como “mas ele(a) só tinha tantas semanas” ou “a gente não se apega tanto ao bebê quando está na fase de gravidez”. Esses argumentos simplórios são insuficientes na ética, na teologia e na pastoral.
  • “Maldito aborto! Maldito aborto!”. Eu disse isso algumas vezes para a minha esposa. O aborto é maldito pois é fruto do pecado, “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Sem pecado, o aborto não existiria. O aborto é maldito porque estamos perante a morte de um ser humano, independente das semanas de gestação. Não sou gnóstico, não creio na divisão corpo/pessoa. Na bíblia os nascituros são formados por Deus (Sl 139.13) e a vida de um nascituro era protegida por Deus tal como ocorria com um adulto (Gn 9.6); a mesma punição que alguém recebia por ter causado danos ou morte a outrem também se aplicava quando a vítima era o nascituro (Êx 21.22-24). Afirma-se que os nascituros são conhecidos, de forma íntima e pessoal, por Deus, como qualquer outra pessoa (Sl 139.15-16; Jr 1.5). O aborto é maldito porque a história sempre o considerou assim: os assírios empalavam mulheres que cometiam abortos; o Código de Hamurabi (séc. XVIII a.C.) punia abortistas, assim como a Lei Mosaica; Hipócrates (460 a.C. – 370 a.C.), o grande médico grego, era contrário à prática do aborto; Sêneca, Agostinho, Tomás de Aquino, João Calvino e tantos outros repudiavam ferozmente tal prática. O aborto é maldito em todos os níveis e circunstâncias.
  • Que grande benção é fazer parte de uma igreja local! Durante esses dias recebemos muito amor e cuidado de nossa igreja. Como pastor, estou acostumado a cuidar de gente e organizar a igreja nesse sentido, provendo o que for necessário para aqueles que sofrem em nosso meio. Mas nesses dias nós é que fomos alvos desse cuidado. Recebemos orações, ligações, visitas e até coisas simples como um bolo para comermos em um café da tarde. Nisso tudo vimos como Deus cuida de nós, seus filhos. Eu fiquei imaginando como sofrem aqueles que não fazem parte de uma igreja, de uma família da fé. Sofrem duplamente, pela circunstância em si e pela falta de consolo amoroso e esperançoso que somente uma igreja local pode oferecer.
  • Eu ainda oro por mais filhos. Essa situação não fez com que a gente desistisse de aumentar nossa família, nem nos aprisionou no medo. Sabemos que os filhos são bençãos divinas (Sl 127-128) e que essa é a vontade do Senhor para famílias. Seguiremos, portanto, vivendo de acordo com aquilo que Ele nos revelou, deixando as coisas encobertas para o Senhor (Dt 29.29).
  • Deus Pai também perdeu o seu único Filho e sabe o que estamos passando. Ah, o Deus do cristianismo se compadece e consola como ninguém! Qual outro deus, senão o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo, pode nos acudir nesse momento? Qual outro deus tem a história do evangelho como sua própria história? Nós estamos nas mãos certas, por isso afirmo: “Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, criador do céu e da terra”.

São essas coisas que tenho pensado ultimamente.