Um blog do Ministério Fiel
Quem você diz que ela era?
As lendas sobre Maria Madalena
Maria Madalena é, como eu creio, a figura mais incompreendida e historicamente distorcida entre os discípulos de Jesus registrados no Novo Testamento. Considere o seguinte.
Maria é apenas mencionada pelo nome no Novo Testamento doze vezes (por todos os quatro autores dos Evangelhos). Onze dessas doze menções são relatos do seu testemunho na crucificação e na ressurreição de Jesus. Na única vez em que ela é mencionada em outro lugar, descobrimos o único pedacinho de biografia que a Escritura fornece: ela havia sido libertada de sete demônios (por Jesus, é o que assumimos dado o contexto) e, juntamente com outras mulheres, acompanhava o grupo itinerante de Jesus e talvez contribuía financeiramente para o seu sustento (Lucas 8.2-3). É isto.
Ainda assim, a página da Wikipedia sobre a Maria Madalena oferece mais conteúdo do que as do apóstolo Pedro, do apóstolo Paulo ou da Virgem Maria. A Wikipedia em hipótese alguma é padrão de medida da importância dos personagens bíblicos; porém, dada a cobertura escassa desse personagem na Bíblia, é de se pensar sobre o estranho fenômeno histórico que é Maria Madalena – ou melhor, as lendas sobre Maria Madalena.
Passado sexualmente escandaloso?
Muitas tradições das igrejas ocidentais têm, de alguma forma, abraçado a impressão de que Maria era uma antiga prostituta ou teve algum tipo de passado sexualmente imoral (as tradições orientais nunca deram crédito a essa ideia). Já que essa informação não está nas Escrituras, de onde essa impressão veio?
Embora seja provável que tenha surgido anteriormente, a ideia provavelmente ganhou mais força após o Papa Gregório I (Gregório, o Grande) proferir uma homilia em 591 a.C, na qual ele afirmou que a mulher pecadora anônima em Lucas 7.36-50 (ele assumiu que o pecado era de cunho sexual) e Maria de Betânia, que ungiu o pé de Jesus em João 12.3-7, ambas se referiam a Maria Madalena. Apesar de não haver nenhuma base contextual para esta conclusão, ela passou a ser a interpretação dominante por muitos séculos, criando uma narrativa sobre Maria que tomou espaço no imaginário popular.
Então, na Idade Média, este imaginário alimentou a escrita de inúmeras biografias fantásticas, detalhadas e completamente ficcionais sobre Maria. E elas eram amplamente variadas. A maioria delas a descrevia como envolvida em algum tipo de imoralidade sexual antes de sua conversão. Após a ascensão de Jesus, alguns dizem que ela se retirou para o deserto para viver como uma devota santa e celibatária; alguns afirmam que se casou com o apóstolo João (até afirmando que o casamento do milagre da água transformada em vinho em Caná era deles); e alguns dizem que ela viveu com a mãe de Jesus em Éfeso.
Tudo isso – exegeses bíblicas especulativas e biografias infundadas – refletiu em pinturas e esculturas de Maria feitas por grandes artistas da era Medieval, da Renascença, do Barroco e até de eras modernas. Isso apenas reforçou no imaginário popular a ideia de que Maria Madalena era uma mulher com um passado sexualmente escandaloso.
Casada com o Messias?
Em 2003, o autor Dan Brown causou um alvoroço com o seu trabalho de “história” ficcional, O Código Da Vinci. A trama desse filme de suspense e mistério é construída em torno de um segredo supostamente devastador que a Igreja Católica Romana alegadamente estaria guardando: que Maria Madalena era casada com Jesus, estava grávida de um bebê de Jesus durante a crucificação dele, deu à luz uma filha chamada Sara, e se mudou para o que seria agora o sul da França, onde Sara acabou casando e assim fazendo parte de uma linha ancestral de reis franceses; assim, a sua linhagem (e a de Jesus) continua existindo até hoje. De acordo com a estória, o “santo graal” da lenda não era o cálice usado por Jesus na Última Ceia, mas era a própria Maria. Brown declarou que ele havia construído essa estória de ficção com fatos históricos, mas a maioria dos acadêmicos, religiosos e não-religiosos, tem totalmente desacreditado as suas reinvindicações.
A pergunta é, em que lugar do mundo uma ideia como essa a respeito da relação de Jesus com Maria Madalena se originou? Se seguirmos o caminho das lendas bizarras e sórdidas sobre Madalena, eles nos levarão a documentos apócrifos e gnósticos, escritos muito depois dos documentos do Novo Testamento (e da época de Maria Madalena), entre os séculos II e V. E ainda que eles não nos ofereçam informações acuradas sobre Maria Madalena (ou sobre Jesus ou os apóstolos), eles nos dão um vislumbre dos mitos que circulavam na época.
Dos escritos gnósticos que foram encontrados, Maria é apresentada com destaques variados em cinco deles: Diálogo do Salvador, Pistis Sophia, O Evangelho de Tomé, O Evangelho de Felipe e O Evangelho de Maria (muitos estudiosos acreditam se referir a Madalena). Todos eles retratam Maria como tendo um lugar de honra entre os apóstolos, e alguns a projetam como a favorita de Jesus. O Evangelho de Felipe faz referência a ela com um status de “companheira” de Jesus (koinônos), um termo ambíguo que poderia indicar tanto um relacionamento erótico ou platônico, e ainda menciona Jesus beijando-a frequentemente, possivelmente na boca.
Combine esses relatos Gnósticos com as biografias rebuscadas da Idade Média, adicione a propensão ao engano da humanidade caída, além de lascívia e fascínio pelo escândalo, e não é surpreendente que se chegue a um santo graal do romance de Dan Brown (e as suas dezenas de milhões de cópias vendidas), algo que criou uma imagem profundamente distorcida de Maria Madalena, um tópico de conversa lascivo dentro da cultura pop do século 21.
O que de fato sabemos
A verdade é que não temos razão histórica para acreditar em nada sobre Maria Madalena além da muito limitada, porém muito significativa, quantidade de relatos que as Escrituras trazem a seu respeito. E aqui está o que as Escrituras dizem sobre ela.
Sabemos que Maria era da cidade de Magdala, na costa noroeste do Mar da Galileia. A cidade era conhecida por sua indústria da pesca, embora alguns estudiosos acreditem que ela também possuía uma má reputação por causa da prostituição. Sabemos que Maria certamente teve um passado turbulento, já que sete demônios foram expulsos dela (Lucas 8.2). Porque ela tinha os sete demônios não sabemos. Eles poderiam ser fruto de prostituição ou outro envolvimento sexual? Ou abuso? É possível. No entanto, no fim das contas, não importa. O Espírito cobriu o passado de trevas de Maria, e especulações demais poderiam deixar passar o principal.
O que o Espírito nos diz claramente sobre ela em todos os quatro Evangelhos (uma honra rara) é que ela estava presente na crucificação de Jesus (Mateus 27.55-56; Marcos 15.40-41; João 19.25-27) e em seu sepultamento (Mateus 27.57-61; Marcos 15.42-47). E então ela foi a primeira dentre os seguidores de Jesus a ver a tumba vazia, a primeira a ver e conversar com o Jesus ressurreto, e a primeira a testemunhar a outros sobre a ressurreição dele (Mateus 28.1-10; Marcos 16.1-8; Lucas 24.10-12; João 20.1-18).
Essa é uma das verdades importantes que eu acredito que o Espírito quer que vejamos: uma mulher com um passado conturbado, talvez o tipo de passado que nós possamos ter, recebeu a honra graciosa de ser a primeira.
Quem você diz que ela é?
Na Palestina do primeiro século, uma mulher com um passado conturbado seria a última pessoa que qualquer um esperaria ser escolhida para essas “primeiras coisas”. Tenho certeza de que Maria estava tão surpresa quanto qualquer um. Porém, Jesus havia dito que, no reino dos céus, “os últimos serão os primeiros” (Mateus 20.16), e ele não perdeu tempo em começar a cumprir essa promessa no exato primeiro dia da nova criação.
Maria teve um histórico vergonhoso, mas ela amou e confiou em Jesus. E, através da fé, ela recebeu uma grande quantidade de presentes que não merecia (sendo a novidade do Domingo de Páscoa um dos menores desses presentes). Maria recebeu algo infinitamente melhor do que ser casada com o Jesus terrestre; a ela foi garantido o privilégio insondável de tornar-se parte da Noiva dele, a Igreja (Apocalipse 21.9). Maria recebeu algo infinitamente melhor do que carregar a filha terrestre de Jesus; a ela foi garantido o privilégio insondável de se tornar a filha de Deus através de Jesus (Efésios 1.5).
Há muito mais para se observar no pouco que a Escritura fala sobre Maria Madalena do que no vasto volume de especulações distorcidas e na insensatez ridícula que foi produzida ao longo dos séculos. Em Jesus, ela é, principalmente, uma bela imagem da imensa graça de Deus sendo estendida a pessoas indignas, como nós.