Um blog do Ministério Fiel
O universo não foi um acidente
“Creio em Deus-Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra” (Credo Apostólico).
Ao longo da história humana, a grande maioria das pessoas tem acreditado que Deus (ou um deus, ou inúmeros deuses, ou algum tipo de ser divino) criou tudo o que existe. As mitologias e cosmologias possuem diferenças, mas a cosmovisão predominante em quase toda cultura concorda que, quando examinamos a terra ou os céus, o que vemos é uma criação.
Assim, na maior parte da era cristã, quando cristãos confessavam o Credo Apostólico, “Creio em Deus-Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra”, o público não-cristão não achava o conceito de Deus como criador algo inconcebível. Dificilmente alguém poderia conceber o cosmos como algo que surgiu por conta própria. Alguma divindade deve ter feito tudo isso.
Hoje, no entanto, ao menos em algumas partes do mundo, a história é diferente. Um número cada vez maior de pessoas diz achar nossa confissão sobre a criação absurda. Eles alegam acreditar que o cosmos e nós, os habitantes, viemos a existir sem qualquer iniciativa divina. E, embora não seja a visão de mundo pessoalmente declarada da maioria dos indivíduos, o naturalismo ateu ou agnóstico, com a sua origem sem Deus e suas visões do fim dos tempos, tem se tornado a visão de mundo mais influente das culturas populares na Europa, América do Norte e outras regiões. E ela apresenta um desafio à crença cristã de Deus o Criador.
Porém, para os cristãos, tal desafio não é nada novo. Em cada era nós fomos chamados para testemunhar – e confessar perante – um mundo incrédulo, qualquer que seja a sua visão de mundo predominante, que Deus o Criador é a realidade última, que há profundo significado em tudo o que ele fez, e que ele está direcionando o curso futuro da sua criação não para a extinção, mas para um novo nascimento em liberdade. E isso demanda coragem cristã, porque nossa confissão soará tola àqueles que afirmam o contrário.
Confissão audaciosa
Acreditar que Deus, o Pai, é o Criador do céu e da terra é acreditar que Deus é a realidade última. Significa acreditar que:
- a verdade de fundo é a autorrevelação de Deus como “Eu Sou o que Sou” (Êxodo 3.14), o autoexistente, “de quem são todas as coisas e para quem existimos” (1 Coríntios 8.6);
- Deus é o “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” e “nosso Pai… o Pai de misericórdias” (2 Coríntios 1.2-3) para todos que, pela fé, “estão em Cristo Jesus” (Romanos 8.1);
- esse Deus é Deus “e não há outro” (Isaías 45.22);
- não apenas não há outro deus, como não há ausência de Deus, não há um nada – pois “no princípio [era] Deus” (Gênesis 1.1). Ponto.
Em um mundo pluralista, essa pode parecer uma confissão audaciosa. E o cristianismo só existiu em um mundo pluralista. Requer coragem levantar-se em oposição a uma visão de mundo culturalmente dominante e declarar que a realidade última é, na verdade, radicalmente diferente. E, historicamente, os cristãos sempre foram chamados a confessar o Deus Trino como realidade última e o cosmos, como sua criação perante culturas que possuíam uma visão de mundo diametralmente oposta (muitas vezes com muita hostilidade) àquela que confessamos. Requer coragem ser um cristão confesso.
Na maior parte do tempo, essas visões de mundo foram fundamentalmente religiosas: animistas, panteístas, politeístas ou monoteístas. O debate estava centrado em qual sobrenatural era real.
Porém, para a maior parte dos cristãos no Ocidente hoje, a visão de mundo alternativa mais dominante em nossa cultura é fundamentalmente não-religiosa. Em parte, isso se deve ao modo como os Estados Unidos são construídos constitucionalmente: para acomodar a pluralidade de visões de mundo, o que, falando no geral, é bom. Mas, como todos nós sabemos, isso também se deve à influência do naturalismo metafísico (a negação do sobrenatural). Essa crença tem crescido significativamente nos últimos 150 anos, amplamente como resultado de inferências retiradas de descobertas em vários campos científicos, sendo a mais famosa a teoria de Darwin sobre a evolução por seleção natural. Agora o debate está centrado na própria existência do sobrenatural.
Uma realidade significativa que está em jogo no debate sobre a criação é se o magnífico cosmos tem ou não qualquer significado inerente. E as implicações dessa questão, em particular, são imensas.
Esperança de um cosmos criado
Quando cristãos confessam que Deus, o Pai, criou os céus e a terra, inerente a essa crença estão três verdades: primeiro, que a criação de Deus era originalmente “muito boa” (Gênesis 1.31); segundo, que após a queda da humanidade (Gênesis 3), Deus sujeitou a criação à vaidade (Romanos 8.20); terceiro, que Deus a sujeitou dessa forma na esperança “de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8.21).
Isso significa que o que cristãos veem a sua volta (ou deveriam ver) é uma criação, infundida de profundo significado. Nós vemos “céus [que] proclamam a glória de Deus” (Salmo 19.1) e uma “terra cheia da sua glória” (Isaías 6.3). Até em sua vaidade e corrupção, cristãos veem na criação “os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade… sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Romanos 1.20). E o gemido dessa criação em corrupção, o qual todos nós experimentamos intensamente, aumenta (ou deveria) nossa antecipação pela “liberdade [prometida] da glória dos filhos de Deus”, quando ele fará os céus e a terra completamente novos e “lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor” (Apocalipse 21.1,4).
Em outras palavras, um cosmos criado pelo “Deus da esperança” dá possibilidade ao cristão de ser cheio “de todo gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de esperança no poder do Espírito Santo” (Romanos 15.13).
Desespero de um cosmos não criado
O naturalismo metafísico, por outro lado, não possui tal esperança. O famoso filósofo do século XX, matemático e naturalista metafísico Bertrand Russell, em uma bela prosa de termos brutais, deixou claro o que significa abraçar a crença em um cosmos “vazio de significado”:
Que o Homem é o produto de causas que não tinham previsão do fim que estavam alcançando; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e medos, seus amores e suas crenças são apenas o resultado do arranjo acidental de átomos; que nenhum fogo, ou heroísmo, intensidade de pensamento e sentimento pode preservar uma única vida além do túmulo; que todos os trabalhos de eras, toda devoção, toda inspiração, todo gênio humano brilhante estão destinados à extinção, na vasta morte do sistema solar e que todo templo de conquistas do Homem deve, inevitavelmente, ser enterrado sob os destroços de um universo em ruínas. […] Somente no revestimento dessas verdades, somente sobre o firme fundamento do desespero inflexível, pode, a habitação da alma, daqui em diante, estar seguramente construída. (A adoração do homem livre)
Colocando de forma ainda mais pessoal, perto do fim de sua vida, Russell disse sobre a proximidade de sua morte:
Há trevas lá fora e, quando eu morrer, haverá trevas aqui dentro. Não há esplendor e nem vastidão em nenhum lugar; apenas banalidade por um momento, e depois, nada.
Ao ler Russel, lembro-me do comentário de Chesterton a respeito de um certo naturalista metafísico que ele conhecia: “Ele entende tudo, e tudo parece não ser digno de entendimento” (Ortodoxia). E é eminentemente debatível que a ciência valida de forma conclusiva tal visão de mundo, como Russell afirmou. Uma série de cientistas racionais e confiáveis, ao examinar as evidências, chegaram à crença de que Deus, o Pai, criou os céus e a terra.
Porém, Russell acerta nesse ponto: o naturalismo metafísico não possui esperança. “Não há esplendor e nem vastidão em nenhum lugar”. Essa é, afinal de contas, uma visão de mundo construída sobre “o firme fundamento do desespero inflexível”. E aqui encontra-se uma pista da verdade última, aquela que o coração humano reconhece e anseia: a esperança.
Uma pergunta que podemos responder
Pode ser intimidante confessar Deus como Criador face a uma visão de mundo que possui um arsenal de supostas afirmações científicas e objeções a nossa crença. Nós pensamos que devemos ser capazes de respondê-los de maneira competente. Enquanto alguns de nós são chamados e equipados para fazer isso, muitos não são.
No entanto, todos os cristãos têm algo que toda pessoa precisa desesperadamente e não consegue deixar de procurar: esperança. É por isso que Pedro disse: “[Estejam] sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15). Ele não quis dizer que todos nós devemos estar preparados para desarmar e invalidar a visão de mundo de outra pessoa. Ele quis dizer que todos nós devemos estar prontos para explicar nossa esperança.
Esperança é necessária para a vida humana. Nossas almas precisam de esperança como nossos corpos precisam de comida – nós não conseguimos continuar sem isso. Isso significa que aqueles que abraçam a descrição de Russell sobre a realidade última guardam uma crença em suas mentes que os seus corações não conseguem realmente suportar. Uma fé (exatamente o que o naturalismo é) construída em um fundamento de desespero inflexível está vulnerável a uma fé construída sobre o fundamento da esperança.
O cristianismo soa como “loucura” para não-cristãos (1 Coríntios 1.18). Deus projetou dessa forma. Ele escolheu “as coisas loucas deste mundo para confundir aqueles que acreditam ser sábios” (1 Coríntios 1.27). Assim, não deveria nos surpreender quando naturalistas metafísicos nos chamam de loucos. O cristianismo é abundantemente rico justamente naquilo que falta ao naturalismo metafísico: esperança. Isso nos dá coragem enquanto confessamos nossa crença audaciosa em Deus, o Pai, Criador do céu e da terra. Quando perguntarem como “pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus” (Hebreus 11.3), nós podemos estar preparados para oferecê-los o que eles mais precisam: o Deus da esperança.