Um blog do Ministério Fiel
Por que Deus permitiu a escravidão?
Transcrição do Áudio
Pastor John, hoje temos uma pergunta um tanto complicada, que muitas pessoas já se fizeram: por que Deus permitiu a escravidão?
[Piper] Existem princípios e leis do Antigo Testamento que hoje não possuem validade. Da mesma forma, na Bíblia existe um fluxo histórico de redenção. É isso que explica por que algumas coisas eram tanto ordenadas quanto permitidas antigamente, mas hoje não são mais.
Em parte desse fluxo, a realidade política e étnica do povo de Deus no Antigo Testamento era construída em torno do fato de Deus ser o rei deles e, mais tarde, com reis terrenos. Nessas circunstâncias, Deus ordenou que seu povo exercesse imediatamente o direito de Deus de julgar outros povos.
É o que acontece na aniquilação de todo o povo cananeu, comandada por Josué e seu exército; é uma destruição brutal, da qual ninguém escapou. Isso aconteceu porque Deus disse em Deuteronômio: “Punirei esses povos por causa do pecado deles. Mas não é por causa da tua justiça, ó Israel, que farei isso. É por causa do pecado deles”. Então ele usa o povo de Israel como instrumento do próprio juízo de Deus. No contexto de uma teocracia, era legítimo que Deus fizesse isso, mesmo que o próprio povo que executou o juízo tivesse alguma intenção pecaminosa. É semelhante ao que acontece com a escravidão. Em essência, Deus diz: “Tu és meu povo, Israel. Tenho o direito de julgar esses povos, e te darei todos eles”, algo assim.
Mas quando Jesus vem, ele muda vários aspectos da lei do Antigo Testamento. Na verdade, creio que ele muda toda a lei em si, pois Romanos 7.4 diz que morremos para a lei para pertencermos a outro. Ele faz isso não porque era errado fazer o que Deus ordenou naquela circunstância. Pelo contrário, com a vinda de Cristo, quando rejeita um reino terreno e estabelece um reino espiritual, Jesus diz que o reino será tirado dos judeus e será dado a pessoas que produzam frutos, ou seja, à igreja.
Perceba que o reino de Deus não é político, étnico ou geográfico. Não há rei terreno. É uma igreja formada de todos os povos do mundo e, portanto, ela agora precisa dar um testemunho bastante diferente. É a religião do “ir e anunciar”, e não do “venha ver”. É uma religião que junta judeus e gentios no sangue de Cristo. Não é uma religião de fenômenos e maravilhas judaicas que o mundo poderia ver e talvez ser salvo.
Sob essa nova circunstância da morte e da ressurreição de um Messias espiritual que reina no céu, sem dimensões políticas quanto à fé terrena; sob um novo desejo de que todos os povos se unam, e sob um novo desejo de que o mandamento do amor assuma uma nova dimensão universal, já que a essência da encarnação e da morte de Cristo foi amar seus inimigos, vários procedimentos e mandamentos do Antigo Testamento podem ser deixados de lado, pois são parte do antigo sistema.
Especificamente com relação à escravidão, me parece que o Novo Testamento também traz alguns problemas, pois ele diz que os escravos devem ser submissos aos seus senhores, e que os senhores não deveriam ameaçar os escravos. É algo que toca no sistema de escravidão da época.
Porém, creio que as ordens dadas no contexto bíblico são bem diferentes do que vimos em nosso país, por exemplo, em que a escravidão existia por motivos raciais.
A carta a Filemon é o livro mais utilizado para tratar do assunto (e com razão, assim acredito). Ele mostra que Paulo plantava sementes a fim de acabar com a escravidão. O próprio Onésimo era um escravo quando se converteu. Paulo o enviou de volta a Filemon, que era o senhor dele, e disse: “Eu o envio de volta como um irmão. Trate-o com respeito”. Esse é um tipo de dinâmica espiritual com poder de quebrar todo o sistema.
Outro aspecto semelhante pode ser visto quando Paulo diz aos senhores: “Não ameacem seus escravos; lembrem-se de que vocês também têm um senhor”. Ele substitui o direito do senhor ameaçar seus escravos pelo mandamento do amor ao próximo: faça aos outros o que você gostaria que fizessem a você. E se não deve ameaçar, o que fazer? Ganhar o próximo pelo amor, transformando a escravidão em um emprego.
Então, creio que não foi errado que os cristãos americanos deixassem de defender a escravidão e passassem a defender sua abolição, mesmo que tenha demorado muitos anos. Os princípios bíblicos usados para combater a escravidão foram apropriados. É correto dizer que algumas mudanças devem acontecer no processo de redenção da história, e isso faz com que algumas leis civis do Antigo Testamento não sejam mais apropriadas ou relevantes no Novo Testamento.