“Este é o meu filho amado”

O vislumbre de um pai no coração de Deus

Não me lembro qual filho eu segurei primeiro.

No caos da cesariana, com médicos e enfermeiras correndo de um lado para o outro, a equipe de anestesistas de prontidão — e dois cordões para cortar — não tenho certeza de qual dos nossos gêmeos segurei primeiro com minhas próprias mãos ou em que ponto, no berçário de cuidados especiais, naquelas duas primeiras semanas, eu me sentei lá segurando um dos meninos e percebi pela primeira vez: “Este é meu filho”. Minha esposa e eu dormimos tão pouco naquelas primeiras doze semanas que muitas lembranças são apenas um borrão.

Tampouco tive a chance de concentrar o meu coração de pai em um único filho em particular. Mas como pai desses meninos, e agora de duas filhas mais novas (que não são gêmeas), posso testificar, tanto pelas Escrituras quanto pela experiência, que há algo especial no amor de um pai por um filho.

“Quatro Amores” distintos

Deus fez dois sexos — o que cria quatro relacionamentos distintos entre pais e filhos: pai-filho, pai-filha, mãe-filha e mãe-filho. Curiosamente, Jesus honrou cada um desses quatro amores durante seu ministério:

  • o amor de uma mãe por sua filha que tinha um espírito imundo (Mc 7.24-30),
  • o amor de uma mãe por seu filho morto (Lc 7.11-17),
  • o amor de um pai por sua filha morta (Mc 5.22-43) e
  • o amor de um pai por seu filho lunático (Mt 17.14-20; Mc 9.14-29; Lc 9.37-43).

Em outros lugares refleti sobre o coração de um pai por sua filha, mas aqui, sem minimizar nenhum desses outros amores — há algo de especial em cada um — vamos refletir sobre a natureza peculiar e os contornos do amor de um pai por seu filho.

“Meu filho amado”

Poderíamos primeiro nos deter no amor especial daquele pai humano por seu filho lunático. Mateus, Marcos e Lucas, cada um à sua maneira, acentuam o amor do pai por seu filho (Mt 17.15; Mc 9.22, 24; Lc 9.38, 42). No entanto, em todos os três Evangelhos — e isso não é um pequeno detalhe — o relato de Jesus resgatando o filho lunático desse pai segue imediatamente o da transfiguração, que tem em seu centro a declaração do Pai celestial sobre seu Filho.

Assim como ele havia declarado seu amor por seu Filho no início de seu ministério público, em seu batismo (Mt 3.17; Mc 1.11; Lc 3.22), agora, quando o Filho se aproxima da cruz, o Pai novamente fala sobre ele, uma clara palavra paterna de amor e aprovação:

“Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 17.5).

No monte da transfiguração, Jesus “é lembrado mais uma vez de quem ele é”, comenta Donald Macleod, “e lembrado também do amor e da aprovação do Pai” (Christ Crucified, p. 21). Em breve Jesus enfrentará a cruz e será cercado por zombadores e pelo poder das trevas, mas aqui, na calmaria antes da tempestade, é como se seu Pai dissesse: “Filho, em tudo o que você vai enfrentar agora, nunca se esqueça de quem você é, nunca se esqueça que eu te amo, e nunca se esqueça de como estou orgulhoso de você” (p. 22).

No contexto, a transfiguração pode nos dar uma visão tão profunda do amor de um pai por seu filho quanto podemos encontrar. Vamos refletir sobre isso por meio da estrutura tríplice de Macleod, que nos ajuda a chegar a vários aspectos únicos (ou especialmente pronunciados) no amor de um pai por um filho.

1. “Quem você é”

O Pai diz: “Tu és meu Filho”. Um pai gera um filho, gera um filho como aquele que é semelhante a ele de uma maneira profunda e objetiva, o que uma filha não pode ser.

Um pai humano ama um filho como aquele que, com respeito ao sexo biológico, até cada célula de seu corpo, é como eu. Um filho cresce para ser um homem, não uma mulher — um pai, não uma mãe. Deus nos confiou, como pais, criar nossos filhos para serem como nós — não apenas como humanos e cristãos, mas como homens, não como mulheres. Ele nos chama a falar palavras com a gravidade do poder particular de moldar a identidade de um pai e para demonstrar a força masculina em ação no autossacrifício e na humilde iniciativa necessária para liderar, prover e proteger uma esposa e filhos.

Um pai ama uma filha — e oh! Os pais amam suas filhas — como alguém que não é como eu, mas sim como a pessoa mais importante do mundo para mim: minha esposa. Para uma filha, um bom pai dá exemplo de masculinidade abnegada e a ensina como é receber e ser cuidada por um homem digno e semelhante a Cristo. Mas com seu filho, um pai quer mais. Ele quer que seu filho um dia seja o homem. “Tu és meu Filho”. Eu quero que você, como meu filho, aprenda a ser aquele que será o chefe cristão de sua família (Ef 5.23) e assuma a responsabilidade primária (não única) por sua família. Como pais, queremos que nosso filho cultive força e gentileza suficientes para honrar sua esposa como vaso mais fraco e coerdeira da graça da vida (1Pe 3.7).

Um pai vê seu filho como alguém que se tornará o que ele é — um pai — e, portanto, precisa aprender o que significa ser um homem. Usar a força masculina para ajudar, não ferir; autoridade para servir, não ser servido; palavras para encorajar, não rebaixar. Um pai quer que seu filho não apenas se beneficie, quando criança, da força de seu pai, mas também que se torne cada vez mais forte, como homem. Um bom pai quer ser substituído por um jovem como ele, e melhor.

2. “Eu te amo”

O Pai também diz: “Este é meu Filho amado”. Poucas palavras, em todo o mundo, carregam tanto poder quanto a declaração de amor de um pai por seu filho. Poucas palavras são tão profundas na formação e segurança dos laços que mantêm a sociedade unida. E poucas palavras causam tanto dano e instabilidade quando não são expressas, ou quando um pai dá ao filho a impressão de desprezo. Ou talvez pior: apatia.

A menção de um filho amado traz à mente a afeição que Abraão, após décadas de sofrimento, teve por seu filho Isaque — o filho de quem Deus disse: “Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei” (Gn 22.2; também 22.12).

Com respeito ao Pai celestial, esse amor por seu Filho é um amor que ouvimos no que pode ser a maior promessa em toda a Bíblia: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32). Aqui temos uma promessa tão extensa quanto os céus — de “graciosamente nos dar todas as coisas” — firmemente apoiada na base sólida do próprio evangelho: Deus “o entregou por todos nós”.

Poderia o Pai ter poupado uma filha? No entanto, no Calvário, ele não poupou seu próprio Filho. Um filho é uma extensão de seu pai, o mais oficial de todos os representantes, o próprio pai em uma pessoa distinta, diferente de uma filha. Especial, para o amor de um pai por seu filho, é que no momento certo, sob condições dignas, ele pode de fato não lhe poupar de algo difícil — não por falta de amor, mas precisamente por causa da natureza da relação pai-filho e de sua particularidade, amor sacrificial, que carrega fardos.

3. “Em quem me comprazo”

Finalmente, o Pai diz: “Você é meu Filho amado”. Poderíamos dizer que ele estava “orgulhoso”. É uma palavra desafiadora em português. Certamente, não queremos dizer orgulho como aquele grande mal, mas, por falta de um termo melhor, como uma espécie sagrada de orgulho, que um pai sentirá em relação a um bom filho. Macleod também menciona “aprovação”, o que não é uma grande melhoria. Podemos ouvir aprovação, louvor ou elogio, até mesmo respeito. Seja como for que possamos chamá-lo, é um tipo único de admiração que um pai tem por um filho como uma instanciação de si mesmo em uma nova geração.

Na declaração do Pai celestial, também ouvimos seu amor na reivindicação de posse sem constrangimento: meu Filho amado. E vemos no cenário, que esta é uma declaração pública, para os ouvidos das testemunhas: “Este é meu Filho amado […]”. Acima de tudo, ouvimos na cláusula que segue: “[…] em quem me comprazo”. Pais terrenos, observem comigo que nosso Pai celestial não deixou de dizer essas coisas. E dizê-las não era um fardo para este Pai de todos os pais. Quando liberamos nossas línguas viris e contamos a nossos filhos o prazer que temos neles, aumentamos a alegria deles e a nossa.

As palavras de um pai

Sem dúvida, poderíamos citar outros aspectos peculiares à relação pai-filho e ao amor, mas, pelo menos para esses três, o que se destaca como comum entre eles é o poder das palavras do pai. Qual é a principal ação do Pai na transfiguração de seu Filho? Ele fala. Ele está presente e declara: “Este é meu Filho amado!” Para os ouvidos das testemunhas e para os ouvidos do próprio Cristo.

Deus preparou as almas dos homens para ouvir e ser estabilizada por tais palavras de identidade, amor e aprovação de seus pais. Para filhos cujos pais foram negligentes, ou pior, negligentes com suas palavras, isso pode ser profundamente doloroso. Dessa maneira, não é pouca coisa, em Cristo, encontrar um Pai no céu que fala como seu Filho— e filhos — como ele fala. 

Os pais humanos não trazem apenas a vida à existência através da geração, mas também trazem a realidade à existência com suas palavras. Assim como Adão deu nome aos animais (Gn 2.19-20), a sua esposa (Gn 3.20) e a seu filho (Gn 5.3). Em parceria com a habilidade indispensável de sua esposa para nutrir (1Ts 2.7), o pai chama pelo nome, falando com poder especial, apoiado por uma vida de ação. Como Paulo bem exemplifica: “E sabeis, ainda, de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós, exortamos, consolamos e admoestamos, para viverdes por modo digno de Deus, que vos chama para o seu reino e glória” (1Ts 2.11-12).

O exemplo vivenciado de um pai não deve ser minimizado. Os pais dão exemplos visíveis para seus filhos imitarem (1Co 4.15-16), assim como as mães. Tampouco minimizamos a influência do conselho de uma mãe, como a Sabedoria clamando para seu marido e filhos. No entanto, como o próprio Pai celestial demonstra, em sua declaração para e sobre seu Filho — “Este é meu Filho amado, em quem me comprazo” — nós, pais, devemos contar com o notável poder de nossas palavras.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: ‘This Is My Beloved Son’
© Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradutor: Paulo Reiss Junior. Editor: Vinicius Lima. Revisor: Zípora Dias.