Um blog do Ministério Fiel
O teísmo aberto diminui a glória de Deus!
Uma crítica à negação da presciência de Deus por Clark Pinnock e Greg Boyd
Se os evangélicos querem realmente buscar e magnificar a glória de Deus, então, de acordo com Jonathan Edwards, duas coisas têm de acontecer. Precisamos ver a Deus com entendimento verdadeiro e saborear a Deus com os afetos apropriados. Vê-lo verdadeiramente [o que implica em não aderirmos ao Teísmo Aberto] e saboreá-lo apropriadamente.
Deus glorifica-se a si mesmo para com suas criaturas também [em] duas maneiras: (1) por revelar-se a elas, sendo manifesto ao seu entendimento; (2) por comunicar-se ao coração delas e no regozijarem-se e deleitarem-se nele, bem como no desfrutarem das manifestações que faz de si mesmo… Deus é glorificado não apenas por sua glória ser vista, mas também por suas criaturas se regozijarem em sua glória… Aquele que dá testemunho de sua ideia sobre a glória de Deus [não] glorifica tanto a Deus quanto aquele que dá testemunho também de seu… deleitar-se nela.
No ano passado, enfatizei o chamado para glorificarmos a Deus por saboreá-lo apropriadamente. Neste ano, enfatizarei o chamado para glorificarmos a Deus por vê-lo verdadeiramente. A convicção aqui é que a verdadeira doutrina é o fundamento do verdadeiro deleite. E, se não entendermos corretamente a nossa doutrina sobre Deus, destruiremos os fundamentos do deleite. A alegria pode florescer para uma geração quando a raiz é cortada, mas, no final, sem a verdadeira doutrina o deleite em Deus morrerá. E ambos os meios de glorificar a Deus – ver e saborear – desaparecerão.
Não recuando da verdade que está sob ataque
Então, por amor à glória de Deus, eu me dirijo a vocês neste ano com uma preocupação muito específica concernente à doutrina de Deus. Introduzo o assunto com uma citação de Martinho Lutero:
“Se eu professo, com a voz mais alta e a exposição mais clara, toda porção da verdade de Deus, exceto aquele pequeno ponto que o mundo e o diabo estão atacando naquele momento, não estou confessando a Cristo, por mais ousadamente que o esteja fazendo. A lealdade do soldado é provada onde a batalha acontece. E manter-se firme em todo o restante do campo de batalha é mera fuga e desgraça se ele recuar naquele ponto.”
Para mim, isso significa uma luta de 20 anos contra o ataque à presciência de Deus sobre as escolhas morais de sua criatura [Teísmo Aberto]. A luta foi esporádica até recentemente; mas, nos últimos dois anos, tornou-se intensa. Em 1977, houve a publicação de um livro intitulado Did God know? O livro afirmava que “o conhecimento de Deus é perfeito e ilimitado”. Mas argumentava que a onisciência não pode incluir o que é por natureza incognoscível, ou seja, escolhas futuras feitas por criaturas livres. “[Deus] não pode saber algo que é nada”, disse o autor; e escolhas futuras ainda não existem para alguém saber. Elas são nada. Portanto, dizer que Deus não pode saber o que não existe, ou seja, o futuro que suas criaturas criam, não é limitar a sua presciência.
Eu conhecia a esposa do autor; e ela me persuadiu a que me encontrasse com ele, pois não concordava com suas ideias. Assim, este assunto se tornou uma realidade pessoal preocupante em minha vida no final dos anos 1970. Não é novo. Os socinianos dos séculos XVI e XVII elaboraram o mesmo argumento. “Deus não sabe”, diziam eles, “de uma maneira que tudo que ele sabe acontecerá certamente”. Em outras palavras, em relação às escolhas humanas, Deus conhece as possibilidades futuras, mas não as certezas futuras.
Tanto calvinistas quanto arminianos afirmam a presciência de Deus
Os socinianos foram derrotados. E tanto calvinistas quanto arminianos, como um todo – e quase toda a cristandade — asseveraram a presciência de Deus quanto às escolhas humanas. João Calvino escreveu: “[Deus] prevê eventos futuros apenas em razão do fato de que decretou que acontecem.” E Jacob Armínio escreveu: “[Deus] sabe desde a eternidade quais pessoas crerão… e quais perseverarão por meio da graça subsequente”. Negar a presciência de Deus quanto às escolhas humanas nunca foi parte da ortodoxia cristã.
Mas o admirável é que agora, no final do século XX, não somente livros excêntricos, publicados pelo próprio autor, como Did God know?, fazem essa negação, mas também eruditos de reputação evangélica, em livros publicados por organizações que anteriormente consideravam esses pontos de vista como não ortodoxos.
Clark Pinnock
Entristeceu-me ver, por exemplo, Clark Pinnock mover-se não somente do calvinismo para o arminianismo, mas também do arminianismo histórico para a negação da presciência de Deus quanto às escolhas humanas [Teísmo Aberto]. Podíamos ver isso começando a acontecer nos anos 1970, mas ele foi ainda mais explícito em 1990, ao escrever:
Decisões ainda não tomadas não existem em nenhum lugar para serem conhecidas nem mesmo por Deus. Eles são potenciais – ainda a serem realizados, mas ainda não reais. Deus pode predizer muito do que escolheremos fazer, mas não tudo, porque algumas coisas permanecem escondidas no mistério da liberdade humana… Deus também enfrenta possibilidades no futuro, e não apenas certezas. Deus também se move para um futuro não totalmente conhecido porque ainda não foi fixado.
Embora seu ensaio seja intitulado “De Agostinho a Armínio” (significando que ele deixou de ser agostiniano e se tornou arminiano), isso não é, enfaticamente, o que Armínio acreditava, nem o que os arminianos clássicos creem hoje. Pinnock foi além de Armínio e do arminianismo histórico, porque agora acredita, como Carl Bangs, que a afirmação ortodoxa de Armínio sobre a presciência é antibíblica e destrói todo o seu sistema.
Carl Bangs
Em sua biografia de Armínio, publicada em 1971, Carl Bangs disse: “Armínio subverteu todo o seu argumento ao acrescentar uma predestinação de indivíduos baseada em uma presciência necessária de coisas futuras que acontecerão”. Bangs se alegrou em guiar outros para além do que ele considerava um arminianismo histórico inconsistente. Esteve entre os que, no final de nosso século, foram pioneiros em negar a presciência divina quanto às escolhas humanas, dizendo: “O conhecimento é de entidades; a presciência é de possibilidades. Aquele é certo; este é contingente”. Isso foi o que Armínio e Calvino (e toda a igreja) não quiseram crer, mas agora é endossado não somente como cristão, mas também como evangélico, por escolas e editoras que têm uma história de compromisso evangélico.
Isso é ainda mais admirável diante do fato de que vozes respeitáveis estão ressaltando as “desastrosas consequências teológicas e práticas para o cristianismo evangélico” de negar a presciência de Deus quanto às escolhas morais. Outros estão mostrando que “neste ponto os cristãos enfrentam a negação não apenas de uma das características da teologia da Reforma, mas também de uma verdade fundamental sustentada em comum por todos os ramos históricos da igreja cristã”. E outros, do próprio campo do armianismo, estão chamando a visão, muito simplesmente, de “heresia”.
Greg Boyd
O que torna enfático esse problema para mim é que o proponente mais popular da visão hoje é um pastor de minha denominação, que também ensina em nossa escola denominacional e publicou esse ponto de vista com a Scripture Press (Chariot Victor Publishing) e a InterVarsity Press. O livro mais popular de Greg Boyd é Letters from a skeptic. O livro contém muitos discernimentos e fatos úteis para fortalecer a fé. Mas, neste trecho, Boyd explica a sua opinião sobre a onisciência e a presciência de Deus:
Na visão cristã, Deus conhece toda a realidade — tudo o que há para saber. Entretanto, supor que ele sabe de antemão como cada pessoa agirá livremente pressupõe que a atividade livre de cada pessoa já existe para ser conhecida — antes mesmo que ela pratique essa atividade livremente! Mas isso não é verdade. Se temos liberdade, criamos a realidade de nossas decisões por tomá-las. E, até que as tomemos, elas não existem. Assim, pelo menos em minha opinião, não há nada para saber até que cheguemos lá para saber. Portanto, Deus não pode saber de antemão as decisões boas ou más das pessoas que ele cria até que crie essas pessoas, e elas, por sua vez, criem suas próprias decisões.
Falei pessoalmente com Greg Boyd sobre isso. Debatemos em público. Trocamos mensagens eletrônicas de tempos em tempos. O que direi aqui já disse a ele, pois fiz todos os esforços para entender sua opinião altamente sofisticada da presciência de Deus. Sou adverso a apoiar um argumento refutável. Espero que ele veja este manuscrito e que me considere como responsável por tratá-lo de forma justa, pois isso é o que pretendo fazer.
Não pertencente ao cristianismo histórico e ortodoxo
Mas o que não posso fazer é tratar essa opinião como se pertencesse ao cristianismo histórico e ortodoxo e, menos ainda, ao evangelicalismo bíblico. É uma opinião profundamente defeituosa acerca de Deus. E, se não for confrontada, levará à anulação do verdadeiro deleite em Deus e ao menosprezo de sua glória.
Jonathan Edwards lidou com essa avaliação negativa da negação da presciência exaustiva e absoluta de Deus. Por isso, dedicou uma seção importante de seu maior livro, The freedom of the will, à defesa da presciência de Deus quanto às escolhas morais. O título dessa seção é “A evidência da infalível presciência de Deus quanto às volições de agentes morais”. Paul Ramsey, o editor deste volume das Obras de Edwards, explica o motivo impulsionador de Edwards: “Na redação de [The freedom of the will], ele transbordou toda a sua perspicácia intelectual, unida a uma convicção ardente de que a decadência observável no cristianismo e na moral seguiu o declínio da doutrina desde a fundação da Nova Inglaterra”. Em outras palavras, a doutrina é importante para a vida e a adoração. Edwards acreditava, de todo o coração, que uma doutrina defeituosa acerca de Deus destruiria, no final, o deleite em Deus e a devoção a Deus. E, acima de tudo, isso significava que a glória de Deus seria perdida na igreja e no mundo.
Acho que ele está certo, e, por isso, o tema desta conferência, “Evangélicos buscando a glória de Deus”, torna o assunto da presciência de Deus extremamente importante e relevante. Em última análise, é um assunto concernente à glória de Deus.
A divindade de Deus conectada à sua presciência
Edwards deixa isso claro de várias maneiras.
Em primeiro lugar, ele diz que, se Deus não pode conhecer de antemão as nossas escolhas, então, “é em vão que Deus mesmo fala muitas vezes sobre as predições de sua Palavra como evidências de… sua glória peculiar, que o distingue imensamente de todos os outros seres”. Os textos que Edwards tinha em mente são os poderosíssimos textos de Isaías que conectam explicitamente a divindade de Deus à sua presciência.
Em Isaías 41.22b-23, Deus chama os ídolos a prestarem contas e os desafia a mostrar que são deuses: “Anunciai-nos as coisas que hão de acontecer… Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses”. Em outras palavras, na mente de Deus, a capacidade de prever o futuro pertencia a Deus. Ser capaz de anunciar “as coisas que hão de acontecer” era parte de sua divindade.
Ele faz a mesma conexão em Isaías 42.8-9, unindo o poder de presciência de Deus à sua glória: “Eu sou o Senhor, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura. Eis que as primeiras predições já se cumpriram, e novas coisas eu vos anuncio; e, antes que sucedam, eu vo-las farei ouvir”. Você percebe a conexão: Eu sou Yahweh, e isso faz parte da minha glória divina: antes que elas aconteçam, eu as proclamo a vocês. O conhecimento do que o futuro trará é minha glória.
Em Isaías 45.21, Deus lança o desafio de se existe outro Deus além dele. E faz isso com perguntas sobre o poder de anunciar o futuro: “Declarai e apresentai as vossas razões. Que tomem conselho uns com os outros. Quem fez ouvir isto desde a antiguidade? Quem desde aquele tempo o anunciou? Porventura, não o fiz eu, o Senhor? Pois não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim” (Is 45.21). Aqui, novamente, Deus afirma que o que está em jogo em sua capacidade de anunciar os assuntos futuros de homens e nações (incluindo milhares de escolhas humanas cruciais) é a sua divindade. Quem pode fazer isso? Eu, o Senhor! E não há outro Deus além de mim.
Talvez a mensagem mais famosa de todas sobre a afirmação de Deus a respeito do futuro seja Isaías 46.9-10: “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro; eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade”.
Duas Classes de Eventos Futuros?
Aqueles que negam a presciência exaustiva e absoluta de Deus argumentam que as predições em vista aqui são apenas de fatos que Deus tenciona realizar sozinho. E, dizem, é claro que ele sabe o que tenciona fazer. Mas negam que Deus afirme saber de antemão o que os outros farão.
Entretanto, isso pressupõe que existem duas classes de eventos futuros: aqueles que Deus predetermina e, portanto, conhece de antemão; e aqueles que surgem de alguma outra fonte à parte de seu plano, acontecimentos que Deus não sabe que estão vindo, ou seja, que surgem de escolhas humanas e demoníacas. Isaías faz realmente essa distinção? Eu não acho. Por essa razão: nesses textos, quase todas as predições que estão na mente de Deus referentes a julgamento e redenção futuros de Israel envolvem milhares de escolhas humanas para realizá-las. Contudo, Deus as conhece de antemão; e esse conhecimento é o que significa ele ser Deus. Isaías não faz separação entre o que Deus planeja fazer e o que o homem escolherá fazer. Quase todos os julgamentos e livramentos de Deus envolveram escolhas que os humanos fariam como instrumentos do plano de Deus.
Então, acho que Jonathan Edwards está certo quando diz que as predições de Deus sobre os eventos humanos são “evidências de… sua [Deus] glória peculiar, distinguindo-o imensamente de todos os outros seres”. A questão da presciência de Deus é uma questão relacionada à própria glória de Deus. E, se os evangélicos esperam buscar, ver, provar e mostrar a glória de Deus, devemos defender essa doutrina e nos definir como pessoas que creem nela.
As Previsões Muito Exatas Feitas por Jesus
A segunda maneira pela qual Edwards defende a glória de Deus na presciência exaustiva e absoluta de Deus é focalizarmos a nossa atenção nas predições exatas de Jesus, especialmente no que diz respeito às escolhas de Judas e Pedro, pelas quais eles foram moralmente responsáveis. Edwards diz: “Que contradição é dizer que Deus certamente sabia de antemão que Judas trairia seu Mestre ou que Pedro o negaria e dizer também que, certamente, ele sabia que a realidade poderia ser outra, ou seja, que poderia estar enganado!” Em outras palavras, seria totalmente inglório para Deus se ele afirmasse saber que algo é uma certeza futura e, ao mesmo tempo, afirmasse que isso é apenas uma possibilidade futura e não uma certeza. A glória de Cristo era saber o que lhe aconteceria com certeza e especificidade.
O evangelho de João mostra isso com clareza por vincular a presciência de Jesus à sua divindade, à semelhança de como Isaías fez da presciência de Deus uma evidência de sua divindade. Por exemplo, em João 13.19, Jesus diz na última Ceia: “Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou”. Com as palavras “Eu Sou”, Jesus reivindica a divindade em palavras que Deus usa a respeito de si mesmo em textos como Isaías 43.10 (“Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor, o meu servo a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que sou eu mesmo”). E a garantia para crerem que Jesus é divino, conforme ele mesmo diz, é que está falando a seus discípulos o que lhe acontecerá antes que aconteça.
Então, pouco depois, em João 13.21, Jesus prediz especificamente a traição de Judas. “Em verdade, em verdade vos digo que um dentre vós me trairá”. Os discípulos ficam com dúvida a respeito de quem ele fala, e, em seguida, Jesus diz: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado. Tomou, pois, um pedaço de pão e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes” (v. 26). Jesus sabia disso desde o princípio, como lemos em João 6.64: “Jesus sabia, desde o princípio… quem o havia de trair”. E Jesus sabia não somente que isso aconteceria e quem o faria, mas também quando aconteceria. Mateus 26.2 nos diz: “Sabeis que, daqui a dois dias, celebrar-se-á a Páscoa; e o Filho do Homem será entregue para ser crucificado”. E a Bíblia nos informa que, quando Jesus deu o bocado a Judas, ele disse: “O que pretendes fazer, faze-o depressa” (Jo 13.27). Ele sabe o que acontecerá, quem o fará e quando.
Duas verdades cruciais devem ser observadas aqui: uma é que Jesus conhece de antemão e com certeza a ação perversa de Judas. A outra é que o próprio Jesus diz que essa presciência é parte de sua glória como Deus: “Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou” (Jo 13.19). Se evangélicos têm uma paixão pela glória de Cristo, devemos nos unir a ele em afirmar, e não negar, sua capacidade de conhecer de antemão, com certeza, as escolhas humanas, sem anular a responsabilidade moral. Faz parte da glória de Cristo conhecê-las.
Seu conhecimento da negação tripla de Pedro é ainda mais notável. Em Lucas 22.31-34, Jesus não somente prediz que Pedro o negará três vezes naquela mesma noite, mas também aborda o ato com tanta certeza, que ora pelo arrependimento e ministério futuros de Pedro. “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos. Ele, porém, respondeu: Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte. Mas Jesus lhe disse: Afirmo-te, Pedro, que, hoje, três vezes negarás que me conheces, antes que o galo cante”.
A presciência não elimina a responsabilidade
Esse conhecimento absoluto de que Pedro iria pecar, de quantas vezes e quando ele iria pecar e de que se arrependeria não removeu a responsabilidade moral de Pedro em nada. Isso se torna evidente pelo fato de que Pedro chora com grande pesar exatamente por lembrar-se das palavras da predição de Jesus. Pedro não diz: “Bem, você predisse este pecado, e por isso ele tinha de acontecer, e não pode ter sido parte do meu livre-arbítrio; portanto, não sou responsável por isso”. Ele chorou amargamente. Era culpado e sabia disso.
Jesus foi glorioso na predição; e Pedro foi culpado. Por que todos os quatro evangelhos contam em detalhes essa notável predição? Certamente, a resposta mais profunda é aquela dada em João 13.19: “Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou”. A presciência de Jesus quanto a “todas as coisas que sobre ele haviam de vir” era um aspecto essencial de sua glória como o Verbo encarnado, o Filho de Deus. A negação dessa presciência é, creio que João diria (intencionalmente ou não), um ataque à divindade de Cristo.
A presciência e a Queda
Uma terceira maneira pela qual Edwards sustenta a glória de Deus na presciência de escolhas humanas é seu tratamento da Queda e de toda a história redentora que Deus trouxe em resposta à Queda. Edwards argumenta nestes termos:
Se Deus [não] conhece de antemão a volição de agentes morais, então ele não conheceu de antemão a queda do homem ou de anjos e, portanto, não podia conhecer de antemão os grandes fatos consequentes desses eventos: como enviar seu Filho ao mundo para morrer pelos pecadores, tudo que diz respeito à grande obra da redenção; tudo que foi realizado quatro mil anos antes de Cristo vir, a fim de preparar o caminho para sua vinda; e a encarnação, a vida, a morte, a ressurreição e a ascensão de Cristo, etc.
Mas, na verdade, Edwards observa, Deus deve ter conhecido a queda de Adão e todos os seus desastrosos efeitos morais, porque, por exemplo, em 2 Timóteo 1.9, Paulo diz que desde toda a eternidade Deus planejou nos dar graça salvadora em Cristo Jesus como nosso Salvador. “[Deus] nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” Em outras palavras, Deus não somente conheceu na eternidade a escolha pecaminosa que Adão faria (e Lúcifer antes dele), mas também planejou nos conceder graça por meio de Jesus Cristo em resposta à miséria, destruição e condenação resultantes da Queda que Deus sabia de antemão.
Agora acrescente a isso o ensino de Paulo em Efésios 1.4-6 e você perceberá claramente como a glória de Deus está em jogo na negação da presciência de Deus quanto à queda de Adão e às misérias consequentes. Paulo diz: “[Deus] nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça”. Em outras palavras, antes da fundação do mundo — antes da escolha pecaminosa de Adão (que Boyd diz que não era conhecida por Deus) — Deus nos escolheu em Cristo e nos predestinou para a filiação por meio de Cristo, a fim de que a graça livre e soberana de Deus fosse vista como gloriosa: “para louvor da glória de sua graça”.
Mas, se Deus não conhecia de antemão a queda e, como alguns argumentam, foi surpreendido por ela, então, o argumento de Paulo sobre a glória da graça de Deus manifesta em seu plano eterno, para nos resgatar da queda, é inválido. Portanto, digo novamente: se os evangélicos amam a glória de Deus manifestada na obra redentora de Cristo, planejada antes da fundação do mundo, então, devemos afirmar e amar — e não negar — a presciência exaustiva e absoluta de Deus quanto às escolhas humanas.
Textos nas Escrituras que parecem negar a presciência de Deus
Nesta altura, uma pessoa justa e séria perguntará: como Greg Boyd e outros defendem biblicamente sua opinião? A resposta é que Boyd dirige nossa atenção a passagens da Escritura que parecem exigir uma negação da presciência de Deus sobre as escolhas humanas.
Por exemplo, ele se refere à profecia de Isaías anunciada a Ezequias: “Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás”. Em seguida, Ezequias chora e ora. Ao que o Senhor responde: “Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas; acrescentarei, pois, aos teus dias quinze anos” (v. 5). Boyd argumenta que essa mudança na intenção enunciada de Deus revela que Deus não sabia o que Ezequias faria quando ameaçou terminar sua vida. Mas, quando Deus viu a tristeza de Ezequias (não conhecida de antemão) e ouviu a sua oração (não conhecida de antemão), Deus mudou seu plano e acrescentou quinze anos à vida de Ezequias.
Semelhantemente, Boyd se refere à profecia de Jonas em Nínive. Jonas 3.4 diz: “Começou Jonas a percorrer a cidade caminho de um dia, e pregava, e dizia: Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida”. Mas o povo e o rei se arrependeram. Por isso, Jonas 3.10 nos diz: “Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez”. Boyd argumenta que Deus não podia ter tido conhecimento antecipado desse arrependimento, pois, se o tivesse, não teria dito: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida”
Mas o fato é que tanto Boyd quanto eu diríamos que em ambos os casos (Nínive e Ezequias) a primeira predição de Deus continha uma condição implícita. Ambos resolvemos da mesma maneira o problema da aparente inverdade da primeira predição (“morrerás”; “Nínive será subvertida”): Deus estava dizendo em seu próprio coração: “Eu farei isso se vocês não se arrependerem”. A diferença entre Greg e eu está em que ele acha que, implicitamente, Deus estava pensando: “Farei isso se vocês não se arrependerem e não sei se vocês se arrependerão”. E eu acho que, implicitamente, Deus estava pensando: “Farei isso se vocês não se arrependerem e sei que se arrependerão”.
Greg perguntaria: “Qual é a razão de dizer que Ezequias morrerá ou que os ninivitas perecerão (se não se arrependerem), se Deus já sabe que se arrependerão realmente?” Bem, a minha primeira resposta para isso é que Deus tem razões que desconhecemos para a sua maneira de agir (“Quem foi o seu conselheiro?” – Rm 11.34 ). Mas outra resposta seria: Deus os adverte de que morrerão porque quer levá-los ao arrependimento e salvá-los. Em outras palavras, a ameaça de morte é o meio para vida.
Textos nas Escrituras que falam do arrependimento de Deus
Outro grupo de textos ao qual Boyd se refere são os que dizem que Deus se entristeceu por ter feito algo. Por exemplo, Boyd se refere a 1 Samuel 15.11, no qual Deus declara: “Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir”. E Boyd também se refere a Gênesis 6.5-6: “Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra… e isso lhe pesou no coração”. Boyd pergunta: “Como o Senhor poderia ter se arrependido de algo que ele mesmo criou, se, uma eternidade antes de criá-lo, estava perfeitamente certo do que aconteceria?”
A implicação para Boyd é que Deus não podia se entristecer ou se arrepender do que conhecia de antemão. Portanto, Deus não podia conhecer de antemão a queda e suas consequências desastrosas. E não podia saber de antemão que Saul seria um rei desobediente.
Minha resposta para isso é tripla
Primeiramente, esses textos não dizem, nem ensinam, que Deus não conhece de antemão o futuro ali subentendido. Pelo contrário, Boyd faz essa inferência. De fato, nenhum texto na Bíblia diz que Deus não conhece de antemão as escolhas humanas. Isso é sempre uma inferência baseada no que alguém pensa ser possível Deus fazer ou dizer.
Em segundo, vimos em 2 Timóteo 1.9 que Deus “nos salvou… conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos”. Portanto, a graciosa obra de Cristo, redimindo-nos da maldição da Queda, foi planejada na eternidade; e a graça nos foi dada “antes dos tempos eternos” (pro chronōn aiōniōn). A implicação deste versículo é tão forte, que Deus sabia de antemão da queda em Gênesis 6.6 e o expressa como se o não soubesse.
Em terceiro, no próprio contexto do arrependimento de Deus acerca de Saul (1 Samuel 15.28-29), Samuel diz a Saul: “O Senhor rasgou, hoje, de ti o reino de Israel e o deu ao teu próximo, que é melhor do que tu. Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa”. Por isso, Deus diz: “Arrependo-me de haver constituído Saul rei” (v. 11). E Samuel fala a Saul: “A Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem para que se arrependa” (v. 29).
Portanto, eis a minha maneira alternativa de pensar sobre esses textos: Deus conhece de antemão os efeitos dolorosos e infelizes de algumas de suas próprias escolhas — por exemplo, criar Adão e Eva e fazer de Saul rei. Esses efeitos são genuinamente dolorosos para Deus como ele os vê em si mesmos. No entanto, Deus não considera suas escolhas como erros que ele faria de modo diferente se apenas soubesse de antemão o que estava por vir. Em vez disso, ele quer fazer algumas coisas com as quais se entristece genuinamente, em parte, quando o efeito doloroso acontece.
Ora, se alguém dissesse: isso não se parece com o que comunicamos normalmente com a palavra “arrepender”, eu responderia: “É exatamente por essa razão que Samuel disse: “[Deus] não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa” (1Sm 15.29). Em outras palavras, Samuel está comunicando algo assim: quando eu digo “[Deus] se arrependeu de ter constituído Saul como rei” (ou quando Moisés disse que Deus arrependeu de haver criado Adão e Eva), não quero dizer que Deus experimenta o arrependimento exatamente da maneira como todos os humanos o experimentam. Ele não é homem para experimentar “arrependimento” dessa maneira. Ele o experimenta à sua maneira, a maneira como alguém que é todo-sábio e conhece de antemão perfeitamente todo o futuro experimenta o “arrependimento”. A experiência é real, mas diferente da experiência do homem finito.
A glória de Deus está em jogo
Isso nos leva ao ponto principal e final. Quando Samuel protesta: “A Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa”, contra o que ele protesta? E por quê? As palavras do próprio versículo nos dão a resposta. Samuel protesta contra tornar Deus um homem. Deus “não é homem.” E Samuel protesta para a glória de Deus. “A Glória de Israel não… se arrepende.”
Portanto, digo novamente, tão sincera e esperançosamente quanto posso: o assunto da presciência de Deus quanto às escolhas humanas é um assunto que diz respeito à glória de Deus. E, se você ama a glória de Deus, se a glória dele é o seu tesouro e o seu quinhão nesta vida e na vindoura, então, exorto-o a dizer, como Samuel: “A glória de Israel não é como um ser humano; ele não se arrepende” — como se não conhecesse o futuro! Pelo contrário, como disse Jonathan Edwards, a presciência de Deus é a “sua glória peculiar, que o distingue imensamente de todos os outros seres”.