Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 15)

O Sentido do Perdão

A Misericórdia que nos assiste (Sl 32.1-11) (15)

O Sentido do Perdão

Ainda que o pecado seja descrito de forma contundente, sem meias palavras, atenuantes ou eufemismos, o mais importante neste salmo não é a natureza do pecado, mas, sim, a bem-aventurança do perdão.

Davi emprega algumas expressões para falar do perdão obtido pela graça. Em cada palavra empregada há aspectos que contribuem para nos fornecer uma visão mais ampla da angústia do salmista, a sua bem-aventurança no perdão de Deus e, também, detalhes do seu significado. Analisemos a descrição de Davi.

Iniquidade perdoada

Conforme já enfatizamos, Davi inicia o salmo com uma declaração de felicidade em sua comunhão restaurada com Deus, fruto do misericordioso perdão: “Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada (nâśâ’)(Sl 32.1).

No verso 5, reafirma a sua prazerosa certeza: “Tu perdoaste (nâśâ’) a iniquidade do meu pecado” (Sl 32.5).

A palavra usada para perdão (nâśâ’)[1] tem o sentido de “elevar”, “carregar”, “remover”, ”levar embora”, “remir”, “levantar”, “cobrir”, “livrar”. Este termo que é usado de modo figurado e literal, apresenta de forma metafórica a ideia de que o pecado cometido foi levantado e carregado (removido) para longe; esquecido. (Gn 18.26; 50.17; Ex 10.17; Jó 11.6; Sl 25.18; 32.1,5; 85.2; Is 2.9; 33.24; 44.21).

A sensação do homem não perdoado pode ser personificada nas palavras de Caim após sua condenação, descrevendo o peso que está sobre seus ombros; na sua consciência: “Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo (nâśâ’) (Gn 4.13).

A palavra acentua a responsabilidade do homem pelo seu pecado; um peso merecido, fruto de sua desobediência.

O salmista que experimentou isso intensamente, suplica pelo perdão, considerando que a consciência de seus pecados lhe traz grande sofrimento, conforme expõe em outro salmo: “Considera as minhas aflições e o meu sofrimento e perdoa (nâśâ’) todos os meus pecados” (Sl 25.18).

Por isso, o pecador consciente e arrependido tem como maior desejo espiritual o perdão de seus pecados;[2] a cura para sua alma. De fato, não há nada de que mais necessite.[3]

As Escrituras que descrevem a gravidade e intensidade de nosso pecado, nos mostra também, de forma alentadora, a provisão misericordiosa de Deus. Em passagem singular, única e fundamental, Deus por meio de Isaías, nos diz que o Senhor levou sobre si os nossos pecados. Ele carregou o peso de nossas culpas, tomando para si o ônus de nossos pecados.

Aqui, portanto, temos uma obra substitutiva e, por isso mesmo, redentora:

Certamente, ele tomou (nâśâ’) sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido (Is 53.4/Mt 8.17).

Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou (nâśâ’) sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu (Is 53.12).

No Novo Testamento João Batista dá testemunho do Senhor Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Do mesmo modo, o apóstolo João testifica: “Sabeis também que ele se manifestou para tirar os pecados, e nele não existe pecado” (1Jo 3.5).

O perdão aqui significa a remoção de nossos pecados e de nossa culpa. O Senhor Jesus levantou o nosso pecado de sobre os nossos ombros e o levou para longe. Agora estamos em paz com Deus; fomos reconciliados.

Pecado coberto

 1Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto ​​(kâsâh)[4] (…) 5 Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei (kâsâh)…” (Sl 32.1,5).

Após meses de resistência pecaminosa, Davi diz que não mais ocultou (kâsâh) o seu pecado (Sl 32.5). Ao mesmo tempo em que reconhece a bem-aventurança de ter o seu pecado “coberto” (kâsâh) (Sl 32.1).

Aqui temos uma diferença significativa: A tentativa de esconder o pecado não resolve o problema. Não consigo sequer escondê-lo de mim por muito tempo. Davi mesmo, de certa forma, escondeu Bate-Seba no seu palácio durante a gravidez dela (2Sm 11.27).[5]

A tentativa humana de pôr remendos sobre o seu pecado o ocultando, é fantasiosa e, por isso fracassa em seus intentos, agravando ainda mais a situação visto que a tendência é cobrir o pecado com outro: uma mentira com outra mentira. Um crime com outro crime. Um abismo inesgotável se aproxima porque vamos caminhando em sua direção em busca de soluções amenas sem de fato tratar e, portanto, resolver o problema.

Assim procedendo, por mais que tentemos, sempre nos depararemos com o nosso pecado que se agiganta, como diz Davi em outro salmo: “A minha ignomínia está sempre diante de mim; cobre-se (kâsâh) de vergonha o meu rosto” (Sl 44.15).

A solução é unicamente divina. Somente Deus, por meio da obra de Cristo, pode de fato, cobrir o nosso pecado. Somente quando descobrimos o nosso pecado, o confessando, podemos usufruir da cobertura do mesmo pelo perdão de Deus em Cristo. “O pecado é coberto por Deus somente quando é descoberto pelo homem”, resume Adams.[6] Deste modo, perdoados por Deus, podemos caminhar com o nosso semblante descoberto; o Senhor cobriu, apagou, perdoou os nossos pecados.

O salmista narra a sua vivência em sua súplica: “Livra-me, SENHOR, dos meus inimigos; pois em ti é que me refugio (kâsâh) (Sl 143.9).

Salomão instrui-nos: “O que encobre (kâsâh) as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia” (Pv 28.13).

Somente Deus pode cobrir totalmente o nosso pecado pela obra de Cristo. Devemos aprender teológica e experiencialmente isso. O encobrir do homem é uma tentativa insana de esconder uma ferida que se alastra pelo seu corpo já combalido, sem resistência eficaz. O cobrir de Deus é um tratamento eficaz e definitivo. Ele não encobre os nossos pecados – como criando um disfarce –, antes, nos veste com as santas vestes de Cristo que nos cura e restaura, declarando, consequentemente, que já não há mais condenação para nós: fomos perdoados por Deus. (Ez 16.62-63; Rm 8.1).

No Salmo 85, os filhos de Coré reconhecem esta bênção divina: “Perdoaste a iniquidade (‘ãwõn) de teu povo, encobriste (kâsâh) os seus pecados (hatã’â) todos” (Sl 85.2).

Portanto, o perdão de Deus consiste em cobrir os nossos pecados, eliminando-os, os sarando pelo sangue de Cristo.

 

[1] Para um estudo mais aprofundado do termo hebraico, vejam-se: Victor Hamilton, Ns’: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 163-167; Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 137-138; N.H. Snaith, Forgive, Forgiveness: In: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, London: SCM Press, 13. impression, 1975,  p. 85-86.

[2]Veja-se: Abraham Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 29.

[3] “A maior necessidade do homem é de perdão” (Jay E. Adams, Teologia do Aconselhamento Cristão, Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, p. 255).

[4] Para um estudo mais detalhado da palavra hebraica, vejam-se: R. Laird Harris, Kasa: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 736-737; W.R. Domeris, Ksh: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 674-677; Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 127-141.

[5]“Passado o luto, Davi mandou buscá-la e a trouxe para o palácio; tornou-se ela sua mulher e lhe deu à luz um filho. Porém isto que Davi fizera foi mal aos olhos do SENHOR” (2Sm 11.27).

[6]Jay E. Adams, Teologia do Aconselhamento Cristão, Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, p. 260. Também na página 296.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.