Um blog do Ministério Fiel
Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 14)
O custo do perdão
O custo do perdão e o anúncio da misericórdia de Deus
Em uma economia livre, é extremamente difícil chegar de forma objetiva ao valor de um bem. A livre concorrência, a lei da procura e da oferta, por exemplo, tornam mais complexa a tarefa.
Quanto vale uma garrafa de 500 ml de água? Talvez em um mercado em nossas cidades, custaria em torno de 1 real. E na praia, à beira-mar, sob um sol escaldante? Certamente o preço seria bem mais alto, talvez com uma inflação de uns 300%. E no frigobar de um hotel, talvez uns 7 reais… O valor de uma obra de arte? Um livro raríssimo? Um artefato arqueológico?
Creio que os exemplos, ainda que limitados, são suficientes para ilustrar a questão. Falando agora mais especificamente, analisemos o custo de nosso perdão. Vimos a gravidade de nosso pecado considerando que todo ele é primeiramente contra Deus.
O pecado fala de nossa condenação e, portanto, da nossa necessidade de salvação. A cruz revela este fato e, de forma gloriosa, nos mostra o caráter santo e justo de Deus.
Sem a justiça de Deus não haveria perdão para os nossos pecados, conforme pontua Lloyd-Jones (1899-1981):
Se Deus perdoasse o pecado sem contudo ministrar sua justiça, deixaria de ser Deus. A maravilha deste plano é que Deus, ao colocar os nossos pecados sobre Cristo e ao tratar deles punindo-os em Cristo, pode perdoar-nos e ainda ser justo. Ele puniu o pecado, não o esqueceu, não o ignorou.[1]
Jamais poderemos entender o sentido da grandiosidade do perdão concedido por Deus sem a percepção adequada da nossa ofensa ao Deus Santo.[2]
O perdão sempre parecerá pequeno àquele que tem a falsa percepção de ser pequena a sua dívida e uma grandiosa visão de suas potencialidades.
Comenta Stählin (1900-1985):
Somente aquele que conhece a grandeza da ira será dominado pela magnitude da misericórdia. Do mesmo modo é verdade: Somente aquele que experimentou a magnitude da misericórdia pode mensurar de quão grande ira somos devedores.[3]
A certeza do perdão gratuito de Deus não deve nos levar a barateá-lo. Pense na gravidade do seu pecado e na obra vicária de Cristo. Sem o derramamento do sangue do Cordeiro, não haveria remissão de pecados: todos pereceríamos. Calvino acentua: “Jamais aplicaremos seriamente o perdão divino, enquanto não tivermos obtido uma visão tal de nossos pecados, que nos inspire terror”.[4]
Stott (1921-2011) coloca este ponto em cores vivas:
Quando (…) tivermos um vislumbre da deslumbrante glória da santidade divina, e formos convencidos de nosso pecado pelo Espírito Santo de tal modo que tremamos na presença de Deus e reconheçamos o que somos, a saber, pecadores que merecem ir para o inferno, então, e somente então a necessidade da cruz ficará tão óbvia que nos espantaremos de jamais tê-la visto antes.
O pano de fundo essencial da cruz, portanto, é uma compreensão equilibrada da gravidade do pecado e da majestade de Deus. Se diminuirmos uma delas, diminuímos a cruz.[5]
Isaías profetiza sobre os sofrimentos e a vitória do Messias: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões (pesha’) e moído pelas nossas iniquidades (‘ãwõn); o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).
A Trindade bendita em seu amor e santidade provê a salvação do pecador propiciando a paz: “A cruz trouxe a paz, embora não houvesse paz na cruz. Foi uma cena caótica, mas a cruz proporcionou a justiça que, por si só, traz a paz verdadeira”, comenta MacArthur..[6]
A cruz revela a grandeza de nossa dívida, a santidade de Deus e o seu infinito amor. Portanto, quanto ao passado podemos nos enternecer em ação de graças pela misericórdia de Deus. Quanto ao presente devemos firmar em Cristo a nossa fé em resposta ao seu amor incomensurável. Quanto ao futuro devemos descansar confiantes em sua providência.
Paulo, considerando a bendita realidade da obra do Trino Deus, manifesta-se em ação de graças:
Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém! (Gl 1.3-5).
Assim como Davi, devemos dar um sentido missionário ao perdão, como meio de anunciar a misericórdia de Deus: “Então, ensinarei aos transgressores (pesha’) os teus caminhos, e os pecadores (chatta) se converterão a ti” (Sl 51.13).
Referências:
[1]D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 53. Veja-se também as páginas 105-106; William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004 (Jo 17.1), p. 754.
[2]Vejam-se: A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 15, 31; J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 121; James M. Boice, O Evangelho da Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 106.
[3] Gustav Stählin, o)rgh/, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 5, p. 425. Veja-se também: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 20-21.
[4] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 51.3), p. 424.
[5] John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Florida: Editora Vida, 1991, p. 99. “Quando a percepção que temos de Deus e do homem, da santidade e do pecado, é tortuosa, então nossa compreensão da expiação provavelmente também será tortuosa” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, p. 78). “A revelação do inferno na Escritura pressupõe uma profundidade de discernimento da santidade divina e da pecaminosidade humana e demoníaca que a maioria de nós não tem” (J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 238).
[6]John MacArthur, O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 157.