Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 21)

Deus é o nosso esconderijo

Deus é o nosso esconderijo

 6 Sendo assim, todo homem piedoso te fará súplicas em tempo de poder encontrar-te. Com efeito, quando transbordarem muitas águas, não o atingirão.  7 Tu és o meu esconderijo; tu me preservas da tribulação e me cercas de alegres cantos de livramento” (Sl 32.6-7).

A misericórdia de Deus também se manifesta em seu cuidado e sustento. Deus nunca nos abandona totalmente, mesmo no justo exercício da sua disciplina. A sensação de ter sido abandonado faz parte da disciplina educativa de Deus. Na realidade, Ele nos mantém sob à sua vista. A expressão de sua disciplina revela o nosso pecado e, ao mesmo tempo, o seu amor que é justo.

O salmista pressupõe nesses versos a prática da oração súplice e as tormentas próprias da vida à qual todos estamos sujeitos, quer pela nossa condição de criaturas finitas, quer como consequências de nossos pecados, quer pela maldade humana direcionada contra os servos de Deus.

No salmo 94, escreve o salmista: “Quando eu digo: resvala-me o pé, a tua benignidade (hesed), SENHOR, me sustém. Nos muitos cuidados que dentro de mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma” (Sl 94.18-19).

De fato, a consciência do cuidado de Deus é motivo mais do que suficiente para alegrar a nossa alma e nos consolar nas situações adversas.

Todos nós temos nossos esconderijos. Pode ser uma necessidade subjetiva de nos sentirmos seguros e protegidos ou, de fato, uma situação concreta que exige um abrigo.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Londres foi bombardeada. Durante um ataque, ao tocar a sirene, as pessoas eram instruídas e direcionadas para abrigos antiaéreos. Isso aconteceu por vezes durante o culto. Lloyd-Jones (1899-1981), o grande pregador radicado em Londres viveu intensamente isso, continuando, contudo, o seu sermão.[1]

Lembro-me de brincar com meus filhos de “pique esconde”. Por vezes minha filha com uns 4 anos se escondia em lugares óbvios mas, sempre com os olhos fechados. Recordo-me de parar ao lado dela e falar em tons que simulavam frustração, como era difícil encontrá-la, enquanto, na realidade, a observava com os dedos apertados na palma da manhã, desejando rir e, ao mesmo tempo, fechando os olhinhos com força. A lógica era de que quanto menos possibilidade de me ver, maior a possibilidade de eu não localizá-la. Desse modo, estava bem escondida, pressupunha. Creio que eu nunca a “localizei” nesse esconderijo infantil. Deixava ela sair para falar: “Achei”.

O salmista diz a Deus: “Tu és o meu esconderijo (sether) (Sl 32.7).[2]

A palavra tem o sentido de segredo (Dt 13.6; Is 45.19; 48.16); oculto (Dt 27.15,24); escondido (Dt 28.57); secreto (Jz 3.19); encobrir ou esconder no sentido de proteger (1Sm 25.20; Sl 17.8); cobrir no sentido de esconder (Jó 24.14); às ocultas (Sl 101.5; Pv 9.17); fingir (ocultar a verdade) (Pv 25.23); virar (virar o rosto para não ver) (Sl 10.11); ocultar o rosto (Sl 13.1); ocultas (pecados ocultos) (Sl 19.12)

A palavra é usada tem sentido literal[3] e figurado. Podendo denotar uma atitude positiva ou negativa. O contexto é que vai indicar a melhor interpretação.

Antes porém de analisar o aspecto positivo desta palavra, destaquemos alguns outros pontos:

Como parte da condenação de Davi, que tentara pecar ocultamente, Deus, por intermédio do profeta Natã lhe diz:

Eis que da tua própria casa suscitarei o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres à tua própria vista, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com elas, em plena luz deste sol. Porque tu o fizeste em oculto (sêther), mas eu farei isto perante todo o Israel e perante o sol. (2Sm 12.11-12).

No Salmo 51, Davi angustiado com o seu próprio pecado pede a Deus: Esconde (sathar) o rosto dos meus pecados e apaga todas as minhas iniquidades” (Sl 51.9).

Comparando os textos constatamos um paradoxo: ao mesmo tempo que ele se oculta (esconde) em Deus, suplica a Deus que esconda o rosto de seus pecados.

Ampliando o texto de forma comparativa, constatamos o grande alento para o salmista e, certamente, para cada um de nós. Analisemos isso:

1) O salmista confessa que se abriga em Deus

“Assista eu no teu tabernáculo, para sempre; no esconderijo das tuas asas, eu me abrigo (sether) (Sl 61.4).

Confiante no fato de que Deus em sua bondade ouve a sua súplica, ele se esconde em Deus, não em racionalizações ou em estratégias humanas.

O ocultar-se de Deus é algo desestabilizador do homem por inteiro: “Tu, SENHOR, por teu favor fizeste permanecer forte a minha montanha; apenas voltaste (sathar) o rosto, fiquei logo conturbado (bahal) (Sl 30.7/Sl 104.29).

Esta expressão (bahal) é usada nas Escrituras para falar, do tremor dos ossos (Sl 6.2), da alma (Sl 6.3) e das mãos (Ez 7.27; 2Sm 4.1).[4] Nada mais consolador e fortalecedor, saber que podemos contar com a presença protetora e abençoadora de Deus em todas as circunstâncias.

2) Na adversidade, quando os fundamentos de nossa confiança se abalarem, podemos nos “esconder” em Deus, expondo-lhe os nossos temores em oração.

“Sendo assim, todo homem piedoso te fará súplicas em tempo de poder encontrar-te” (Sl 32.6).

Constantemente os servos de Deus suplicam para que Deus não esconda a sua face deles. Deus conhece toda a sua ansiedade (Sl 38.9); nos conhece totalmente antes do nosso nascimento, sendo Ele mesmo quem nos formou de forma maravilhosa:

Graças te dou, visto que por modo assombrosamente (yare’) maravilhoso (palah) me formaste; as suas obras são admiráveis (pala) (maravilhosas, extraordinárias), e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. (Sl 139.14-15).

Davi, atribulado pede a Deus que não esconda o seu rosto da sua oração: “Não escondas (sâthar) o rosto ao teu servo, pois estou atribulado; responde-me depressa” (Sl 69.17).

Da mesma forma o salmista: “Não me ocultes (sathar) o rosto no dia da minha angústia; inclina-me os ouvidos; no dia em que eu clamar, dá-te pressa em acudir-me” (Sl 102.2). (Ver também: Sl 88.14; 89.46; 143.7).[5]

“Não me escondas (sathar), SENHOR, a tua face, não rejeites com ira o teu servo; tu és o meu auxílio, não me recuses, nem me desampares, ó Deus da minha salvação” (Sl 27.9/Sl 27.5).

Como é consolador saber que Deus está atento às nossas orações. Ele nos busca e se deixa encontrar por nós. Não se afasta. Ouve o nosso clamor e a nossa súplica.

Exulta o salmista: “Pois não desprezou, nem abominou a dor do aflito, nem ocultou (sathar)  dele o rosto, mas o ouviu, quando lhe gritou por socorro” (Sl 22.24)

3) Protege-nos das armadilhas que nos são preparadas e das adversidades

Numa cidade sitiada, Deus abriga os que o temem. Esta é a certeza do salmista: “No recôndito (sathar) da tua presença, tu os esconderás (sêther) das tramas dos homens, num esconderijo os ocultarás da contenda de línguas” (Sl 31.20).

Deus nos preserva, sem que na maioria das vezes tenhamos consciência disso. A nossa percepção, como em tantas outras coisas,  não serve de medida para o cuidado de Deus por nós. Aliás, a nossa consciência é bastante defasada quanto a isso. Por vezes, depois de algum tempo podemos ter um vislumbre de como Deus nos preservou sem a nossa menor compreensão na época. Então, reverentemente confessamos a nossa ignorância e rendemos graças a Deus.

Outra vez testemunha o salmista:

“Pois, no dia da adversidade, ele me ocultará no seu pavilhão; no recôndito (sether) do seu tabernáculo, me acolherá (sathar); elevar-me-á sobre uma rocha” (Sl 27.5).

Por vezes, depois de passarmos por provações – em geral sem a consciência de termos vencido essa fase, sentimo-nos inseguros, um tanto cambaleantes. Deus, no entanto, nos fortalece em nossa convalescença espiritual, firmando os nossos pés, colocando-nos sobre uma rocha. Comunicando-nos de forma efetiva que somos seus filhos amados (Rm 8.16).

4) Podemos confiar seguros e declarar a nossa fé

“O que habita no esconderijo (sether) do Altíssimo e descansa à sombra do Onipotente diz ao SENHOR: Meu refúgio e meu baluarte, Deus meu, em quem confio” (Sl 91.1-2).

5) Devemos nos esconder em Deus perseverando na Palavra

Deus é nosso esconderijo. O “esconder-se” em Deus passa necessariamente pela nossa perseverança na Palavra envolvendo a confiança de Deus. Os preceitos e as promessas de Deus são eternos. Eles são escudo e nos propicia um lugar seguro de abrigo: “Tu és o meu refúgio (sether) e o meu escudo; na tua palavra, eu espero” (Sl 119.114).

Quando a Palavra de Deus torna-se a norma de nossa fé, vida e esperança, estamos de fato nos ocultando nos seus mandamentos.

Sem dúvida, um grande desafio para nós é crer na Palavra e continuar crendo quando as promessas de Deus parecem, diante de nossos olhos incrédulos, ter falhado; quando o nosso contexto parecer indicar que a “justiça” de Deus nos conduz ao fracasso e somos tentados a achar que os nossos meios são mais eficazes.

Esperar na Palavra significa permanecer confiantes apesar das adversidades e da condução que o mundo dá às nossas inquietações, apresentando soluções aparentemente finais para os nossos problemas.

6) A nulidade em tentar proteger-se nos ídolos

As Escrituras nos ensinam a respeito do fracasso em confiar em outros deuses. Eles não podem servir de fortaleza e esconderijo para nós.

Moisés, já no final da vida, entoa um cântico ao Senhor diante de todo o Israel demonstrando isso:

36Porque o SENHOR fará justiça ao seu povo e se compadecerá dos seus servos, quando vir que o seu poder se foi, e já não há nem escravo nem livre. 37 Então, dirá: Onde estão os seus deuses? E a rocha em quem confiavam? 38 Deuses que comiam a gordura de seus sacrifícios e bebiam o vinho de suas libações? Levantem-se eles e vos ajudem, para que haja esconderijo (sether) para vós outros! 39 Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão. (Dt 32.36-39).

Davi numa linguagem poética suplica a proteção de Deus: “Guarda-me como a menina dos olhos, esconde-me (sathar), à sombra das tuas asas” (Sl 17.8).

Devemos aprender a nos refugiar em Deus e nas suas promessas, sabendo que o Senhor cuida de nós. Em Deus revigoramos as nossas forças nos alimentando na sua Palavra.

Esta proteção de Deus faz parte de sua misericórdia para com o seu povo. A misericórdia do Senhor sem dúvida, tem nos assistido.

 

[1] Veja-se: Iain H. Murray, A Vida de Martyn Lloyd-Jones: 1899-1981: uma biografia,  São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 197-216.

[2]A palavra aparece cerca de 36 vezes no AT. É derivada de (sathar), esconder, ocultar. (Ver: R.D. Patterson, Sãtar: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1063-1064).

[3]Jônatas, avisa a Davi que Saul quer matá-lo: “Meu pai, Saul, procura matar-te; acautela-te, pois, pela manhã, fica num lugar oculto (sêther) e esconde-te” (1Sm 19.2).

[4]“O rei se lamentará, e o príncipe se vestirá de horror, e as mãos do povo da terra tremerão (bahal) de medo; segundo o seu caminho, lhes farei e, com os seus próprios juízos, os julgarei; e saberão que eu sou o SENHOR” (Ez 7.27). “Ouvindo, pois, o filho de Saul que Abner morrera em Hebrom, as mãos se lhe afrouxaram (bahal), e todo o Israel pasmou” (2Sm 4.1).

[5]“Por que rejeitas, SENHOR, a minha alma e ocultas (sathar) de mim o rosto?” (Sl 88.14). “Até quando, SENHOR? Esconder-te-ás (sathar) para sempre? Arderá a tua ira como fogo?” (Sl 89.46). “Dá-te pressa, SENHOR, em responder-me; o espírito me desfalece; não me escondas (sathar) a tua face, para que eu não me torne como os que baixam à cova” (Sl 143.7).

 

Por: Hermisten Maia. ©️ Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e revisor: Vinicius Lima.

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