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Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 22)
Deus nos preserva na tribulação
Deus nos preserva na tribulação
O significado de tribulação
“Tu me preservas (נצר) (natsar)[1] da tribulação (צר) (tsar)….” (Sl 32.7)
Vejamos primeiramente o significado de “tribulação” (7). A palavra é usada de forma literal e figurada, apresentando a ideia de atar, ser estreito,[2] por isso o sentido de aflição, tribulação.
Descreve a situação aflitiva de alguém na adversidade, sentindo-se comprimido, apertado, preso. Portanto a sensação de ficar num canto apertado, espremido, amargurado. A nossa palavra angústia é procedente do latim, sendo documentada desde o século XIV. Significa estreiteza, limite, restrição, situação crítica.
Notemos que a questão espacial é muito importante para a nossa qualidade de vida e sobrevivência. Deus quando formou o homem o colocou num belo jardim criado especialmente para este fim (Gn 2.8-15). O pecado fez com que o homem perdesse aquele maravilhoso espaço (Gn 3.23-24). Agora o espaço é outro, com lutas e dificuldades (Gn 3.17-19).
Figuradamente dizemos que nos sentimos sem espaço dentro da empresa na qual trabalhamos ou que há ou não espaço para nos desenvolvermos. Do mesmo modo, alguém diz que se sente sufocado no casamento, bem como falamos de oxigenar os negócios ou a nossa empresa com novas ideias. Reparem a relação entre espaço, ar e vida.
Quando permanecemos muito tempo dentro de casa, falamos de sair para “espairecer”, voar calmamente, andar ao acaso. Davi diz que Deus lhe tem concedido espaço, alívio, leveza, largueza.[3] Numa linguagem mais figurada ainda, Deus torna o nosso coração como que uma praça, ou seja, um amplo e largo lugar.[4]
Anos mais tarde, o salmista expressará a sua confiança em Deus aprendida e reforçada ao longo de sua vida: “Na angústia me tens aliviado” (Sl 4.1). Ele sabia quem era o seu Deus que já o socorrera em momentos extremos de sua vida. Ele confia em seu Senhor. Desta vez não vai ser diferente. Deus vai me guardar como tem me guardado sempre, pode dizer Davi.
O significado de “preservar”
A palavra significa vigiar, guardar, preservar. Ela também pode ser usada de forma literal e figurada.
Davi, por exemplo, suplica a Deus que vigie os seus lábios: “Põe guarda, SENHOR, à minha boca; vigia (נצר) (natsar) a porta dos meus lábios” (Sl 141.3/Pv 13.3).
A palavra é aplicada a Deus e aos homens, no sentido de guardar, cumprir, observar, cercar. Algumas formas como ela é empregada no Antigo Testamento:
1) Observar ou guardar
- a) A aliança (Sl 25.10);
- b) As prescrições de Deus (Sl 119.2);
- c) Os testemunhos (Sl 119.22,129);
- d) A Lei (Sl 119.34);
- e) Os preceitos (Sl 119.56,69,100);
- f) Os mandamentos (Sl 78.7; 105.45 (“observassem”); 119.115; Pv 3.1);
- g) Os decretos (Sl 119.145/Sl 119.33).
2) Guardar a sabedoria e o bom siso: (Pv 3.21);
3) Refrear (preservar) a língua do mal: (Sl 34.13);
4) Atalaia: (Jr 31.6);
5) Cidade Sitiada: (Is 1.8)
Retornando ao Salmo 32, podemos dizer que Davi sabia que a misericórdia de Deus o cercava, o protegendo das tribulações. Certamente ele tinha consciência do que Moisés, inspirado por Deus dissera no monte Sinai:
SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia (חסד) (hesed) e fidelidade; que guarda (נצר) (natsar) a misericórdia (חסד) (hesed) em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração! (Ex 34.6-7).
Numa linguagem poética, Moisés canta, dizendo que Deus nos guarda como a menina de seus olhos: “Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o (סבב) (sabab)[5] e cuidou (בּין) (biyn) dele, guardou-o (נצר) (natsar) como a menina dos olhos” (Dt 32.10).
Esta é a certeza do povo de Deus: O Senhor preserva os fiéis: “Amai o SENHOR, vós todos os seus santos. O SENHOR preserva (נצר) (natsar) os fiéis…. ” (Sl 31.23).
Davi anunciou publicamente a graça de Deus. Ato contínuo suplica ao Senhor que a sua graça (misericórdia) o preserve:
Não ocultei (kasah) no coração a tua justiça; proclamei a tua fidelidade e a tua salvação; não escondi da grande congregação a tua graça (hesed) e a tua verdade. Não retenhas de mim, SENHOR, as tuas misericórdias; guardem-me (נצר) (natsar) sempre a tua graça (hesed) e a tua verdade” (Sl 40.10-11). (Ver: Sl 89.1-2).
Neste espírito, Davi ora pelo rei: “Permaneça para sempre diante de Deus; concede-lhe que a bondade e a fidelidade o preservem (נצר) (natsar)” (Sl 61.7).
Numa linguagem figurada, comparando o seu povo com uma vinha, Deus diz que Ele mesmo vigia diuturnamente e cuida dos seus: “Eu, o SENHOR, a vigio (נצר) (natsar) e a cada momento a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia eu cuidarei (נצר) (natsar) dela” (Is 27.3).
Deus vigia cuidando. Devemos aprender a suplicar pelo cuidado de Deus:
Guarda-me (shamar = proteger, cuidar) a alma e livra-me (natsal); não seja eu envergonhado, pois em ti me refugio. (Sl 25.20).
Ouve, ó Deus, a minha voz nas minhas perplexidades; preserva-me (נצר) (natsar) a vida do terror do inimigo. Esconde-me (sathar) da conspiração dos malfeitores e do tumulto dos que praticam a iniquidade. (Sl 64.1-2).
Davi suplica a Deus que o guarde dos inimigos que arquitetam o mal:
Livra-me, SENHOR, do homem perverso, guarda-me (נצר) (natsar) do homem violento, cujo coração maquina iniquidades e vive forjando contendas. Aguçam a língua como a serpente; sob os lábios têm veneno de áspide. Guarda-me, SENHOR, da mão dos ímpios, preserva-me (נצר) (natsar) do homem violento, os quais se empenham por me desviar os passos. (Sl 140.1-4).
Portanto, devemos aprender a buscar a Deus em todas as circunstâncias, como nos conta e ensina o salmista: “Busquei o SENHOR, e ele me acolheu; livrou-me (נצל) (natsal) de todos os meus temores” (Sl 34.4). (Ver também: Sl 34.17,19).
No Salmo 31.24 o salmista traz uma mensagem de conforto e estímulo amparada na certeza do cuidado de Deus: “Amai o SENHOR, vós todos os seus santos. O SENHOR preserva (natsar) os fiéis….” (Sl 31.23).
Calvino está correto ao afirmar que “Nada é mais seguro do que tomar a Deus como guardião e defensor de nossas vidas”.[6]
O fato, meus irmãos, é que Deus tem misericordiosamente nos preservado, ainda que em geral não nos demos conta disso. O observar de Deus é sempre cuidadoso. Portanto, temos aqui uma mensagem de consolo e de responsabilidade.[7]
Somente Deus pode aliviar as angústias que apertam o nosso coração resultantes das tribulações resultantes, por vezes, de nosso próprio pecado. Por isso a súplica de Davi: “Alivia-me (rachab) as tribulações (tsarar) do coração; tira-me das minhas angústias” (Sl 25.17).
[1]Ver: Walter C. Kaiser, Nãtsar: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 993-994.
[2]Palavra derivada de (tsarar), sendo empregada para referir-se a um lugar pequeno demais para as pessoas morarem (2Rs 6.1; Is 49.19-20); cobertor estreito (Is 28.20). Daí, diversos outros sentidos: prender a pedra na funda (Pv 26.8) (A palavra não aparece na edição de ARA); remendar um odre de vinho velho (Js 9.4). (Ver: John E. Hartley, Tsãrar: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1309-1310; I. Swart; Robin Wakely, Srr: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 851-856).
[3]“Alargaste (רחב) (rachab) sob meus passos o caminho, e os meus pés não vacilaram” (Sl 18.36). “….não me entregaste nas mãos do inimigo; firmaste os meus pés em lugar espaçoso (merchab) (largo, folgado)” (Sl 31.8).. Ver também: Sl 35.21 (escancarar); Sl 119.32 (alegrar) (literalmente: “alargou”, concedendo-lhe entendimento); Pv 18.16 (alargar). Quanto ao emprego e dificuldade da tradução da expressão, ver: William White, Rãhab: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1415-1416. Consulte também: Louis Jonker, Rhb: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 1085-1087).
[4] Sl 144.14; Pv 1.20; 5.16; 7.12.
[5]Lembremo-nos de que esta é a mesma palavra que ocorre no verso 10, traduzida por “assistir”.
[6] João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.21-23), p. 215.
[7] Jó 7.20.
Por: Hermisten Maia. ©️ Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e revisor: Vinicius Lima.