Um blog do Ministério Fiel
Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 25)
O sentido bíblico de entendimento (parte B)
Assim como já introduzido no artigo anterior (clique aqui para acessá-lo), continuaremos a analisar pormenorizadamente o emprego da palavra “entendimento” nas páginas do Antigo Testamento:
A) Negativamente
Consideremos aqui o problema da falta de discernimento apontada pelo próprio Deus:
1) A destruição de Israel estava relacionada à falta de discernimento da Palavra de Deus.
Pouco antes do Cativeiro Assírio, Deus fala por meio de Oséias:
Não castigarei vossas filhas, que se prostituem, nem vossas noras, quando adulteram, porque os homens mesmos se retiram com as meretrizes e com as prostitutas cultuais sacrificam, pois o povo que não tem entendimento (bîyn) corre para a sua perdição. (Os 4.14).
2) Ao povo que se desviara da Palavra de Deus, Oséias adverte-lhe mostrando a retidão do caminho de Deus e o perigo de se afastar dele:
Quem é sábio, que entenda (bîyn) estas coisas; quem é prudente (bîyn), que as saiba, porque os caminhos do SENHOR são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores (pesha’) neles cairão. (Os 14.9).
Este foi especificamente o caso do salmista. Ele mesmo confessa que cometeu iniquidade e transgressões (Sl 32.1,5).
3) Deus por meio de Jeremias fala de seus filhos que já não o conhecem, só tendo inteligência para fazer o mal, não o bem: “Deveras, o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes (bîyn); são sábios para o mal e não sabem fazer o bem” (Jr 4.22).
A ignorância de quem era Deus conduziu o povo ao senso de impunidade e, consequente, sofisticação na maldade. Valeram-se do conhecimento e experiência adquirida para darem vazão ao seu pecado, implementando o mal de forma mais ampla e descarada. Diferentemente do que o Apóstolo Paulo recomenda no Novo Testamento: “Quero que sejais sábios para o bem e símplices para o mal” (Rm 16.19).
B) Positivamente
1) Quando Deus em sonho pergunta a Salomão o que ele deseja que o Senhor o desse, Salomão pediu justamente entendimento para julgar o povo:
9 Dá, pois, ao teu servo coração (lêb) compreensivo para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna (bîyn) entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo? 10 Estas palavras agradaram ao Senhor, por haver Salomão pedido tal coisa. 11 Disse-lhe Deus: Já que pediste esta coisa e não pediste longevidade, nem riquezas, nem a morte de teus inimigos; mas pediste entendimento (bîyn), para discernires o que é justo; 12eis que faço segundo as tuas palavras: dou-te coração (lêb) sábio e inteligente (bîyn), de maneira que antes de ti não houve teu igual, nem depois de ti o haverá. (1Rs 3.9-12).
Na realidade, Salomão agiu de modo coerente com a orientação de seu pai, Davi, que nos seus conselhos finais, disse: “Que o SENHOR te conceda prudência e entendimento (bîynâh), para que, quando regeres sobre Israel, guardes a lei do SENHOR, teu Deus” (1Cr 22.12).
Mais tarde, o próprio Hirão, rei de Tiro, reconheceu por escrito esta capacidade em Salomão:
Bendito seja o SENHOR, Deus de Israel, que fez os céus e a terra; que deu ao rei Davi um filho sábio, dotado de discrição (sekel) (= prudência) e entendimento (binah), que edifique casa ao SENHOR e para o seu próprio reino” (2Cr 2.12).
2) Jó refletindo sobre o poder de Deus, confessa a sua limitação diante de Deus: “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá (bîyn)?”(Jó 26.14).
Passadas todas as provações, ele admite ter falado sobre o que não conhecia: “Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia (bîyn); coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).
De fato, as Escrituras nos mostram que Deus dirige o nosso caminho sem que o entendamos perfeitamente: “Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR; como, pois, poderá o homem entender (bîyn) o seu caminho?” (Pv 20.24).
3) Por isso, os servos de Deus desejosos de fazer a sua vontade suplicam a Deus que lhes dê discernimento:
Dá-me entendimento (bîyn), e guardarei a tua lei; de todo o coração (lêb) a cumprirei. (Sl 119.34).
As tuas mãos me fizeram e me afeiçoaram; ensina-me (bîyn) para que aprenda os teus mandamentos. (Sl 119.73). (Do mesmo modo: Sl 119.125,169).
Faze-me atinar (bîyn) com o caminho dos teus preceitos, e meditarei nas tuas maravilhas. (Sl 119.27).
4) O salmista que confessa, durante determinado tempo de sua vida, ter admirado o caminho do ímpio, finalmente percebe: “Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus e atinei (bîyn) com o fim deles” (Sl 73.16-17).
5) O verdadeiro entendimento está no conhecimento de Deus, instrui Salomão: “O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento (da‛ath) do Santo é prudência (bîynâh)” (Pv 9.10).
O temor que Deus inspira é notório nas páginas das Escrituras. Esse temor não ocorre por não conhecermos o seu amor e bondade, antes, pela dimensão de sua grandeza e santidade que ultrapassam qualquer padrão e se mostra, portanto, a nós, de modo terrível, impenetrável e incomensurável. Desse modo, Deus é para ser amado, mas, também, temido. Nada se compara a Ele. (Veja-se no livro Jó, os capítulos 38 a 41).
A compreensão correta deve nos conduzir a atitudes compatíveis. Assim sendo, o senso da grandeza incomensurável de Deus deve nos conduzir não à especulação, mas, ao santo temor em obediência e culto.
Os salmistas se alegram no temor de Deus, cientes da sua santa majestade: “Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (yare) mais que todos os deuses” (Sl 96.4). “Celebrem eles o teu nome grande (gadol) e tremendo (yare), porque é santo (qadosh)” (Sl 99.3).
O nosso santo temor acompanhado de uma atitude condizente, alegra o Senhor. A Palavra nos ensina que o Deus abençoa os que o temem: “Ele abençoa os que temem (yare) o SENHOR, tanto pequenos como grandes” (Sl 115.13).
Poythress pontuou biblicamente: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Não podemos sequer pensar em ser sábios se não dermos ouvidos, com humildade, a Deus e à sua Palavra”.
A contemplação da santidade majestosa de Deus é o início do caminho de aprendizado do temor de Deus. O conhecimento de Deus e o cultivo de seu santo temor, eliminam os demais temores terrenos e infundados.
Continuaremos a tratar deste ponto no próximo post.
____________________________________________________________
[1] Vern S. Poythress, Teologia Sinfônica: a validade das múltiplas perspectivas em teologia, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 24.
[2] Veja-se: A.W. Pink, Deus é Soberano, São Paulo, FIEL., 1977, p. 140.
[3] Veja-se: William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã. Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 38.