Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 26)

O sentido bíblico de entendimento (parte C)

5. Na Instrução (8-9)  (Continuação)

6)  Por meio da meditação e prática da Palavra, Deus em sua misericórdia nos concede discernimento com clareza. Este é o testemunho do salmista: “A revelação das tuas palavras esclarece (‘ôr) e dá entendimento (bîyn) aos simples (pethiy) (= ingênuo, tolo, mente aberta) (Sl 119.130). 

 

Para que possamos viver com discernimento, nos instrui Provérbios: “Deixai os insensatos (pethiy) e vivei; andai pelo caminho do entendimento (biynah) (Pv 9.6).

 

  Deus deseja que exercitemos o senso crítico (Pv 1.4; 14.15) deixando a paixão pela “necedade” (Pv 1.22). MacArthur, pontua:

 

Um indivíduo simples é como uma porta aberta – ele não tem discernimento sobre o que pode sair ou entrar. Tudo entra porque ele é ignorante, inexperiente, ingênuo e não sabe discernir as coisas. Pode ser até que tenha orgulho de ter uma ‘mente aberta’, apesar de ser verdadeiramente um tolo. Mas a Palavra de Deus faz com que essa pessoa seja “sábia”.

  O escritor de Hebreus  exorta a alguns de seus imaturos leitores que não entendiam a superioridade de Cristo sobre todas as coisas:

 

11A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. 12Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. (Hb 5.11-12).

 

O salmista cantando as maravilhas da Lei de Deus, escreve: “…. o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria (chakam) aos símplices (pethiy) (Sl 19.7).

 

O simples por não perceber o mal do qual se aproxima, conduz-se perigosamente: “O prudente vê o mal e esconde-se; mas os simples (pethiy) passam adiante e sofrem a pena” (Pv 22.3).

 

Deus deseja produzir em seus servos aspectos do seu caráter. A sabedoria consiste em subordinar a nossa vontade aos preceitos de Deus, reconhecendo neles o caminho de uma vida com sábio discernimento na presença de Deus. “Ser sábio é dominar a arte do viver diário por intermédio do conhecimento da Palavra de Deus e sabendo aplicá-la em toda situação”, conclui MacArthur.

  

Deus concede este discernimento “aos símplices (pethiy) (= ingênuo, tolo, mente aberta), sendo aqui aplicada a palavra às pessoas ingênuas que por não terem desenvolvido uma mente discernidora, é aberta a qualquer conceito, não percebendo as armadilhas e contradições do seu mosaico inconsistente de pensamento. 

 

A Palavra nos conduz à maturidade, ao discernimento para que não mais tenhamos uma “mente aberta” onde tudo passe sem fronteira, sendo suscetível a todo tipo de sedução e engano. Faz-se necessário que pensemos e, como nosso pensamento também foi afetado pelo pecado, pensemos sobre o nosso pensamento, rogando o Espírito de sabedoria concedido por Deus (Ef 1.17). 

 

  Deus, por intermédio da sua Palavra,  dá-nos sabedoria espiritual e discernimento para que possamos reconhecer nos seus testemunhos – a Palavra de vida eterna a fim de que vejamos com clareza os sinais dos tempos, sem nos deixar levar por falsas doutrinas engenhosamente criadas pelos homens, seguindo sabiamente o caminho de Deus.

  

Como escreve Piper, “pensar intensamente sobre a verdade bíblica é o meio pelo qual o Espírito nos mostra a verdade”.  Devemos, portanto, aprender a refletir sobre o ensino bíblico, suplicando o discernimento do Espírito.

Paulo, escrevendo ao jovem Timóteo, recorda o aprendizado que ele recebeu nas Escrituras: “…. desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15).

 

Quem anda em sabedoria não caminha de forma cambaleante (Sl 107.27). 

 

Paradoxalmente, o que tem faltado à Igreja é sabedoria para discernir, por intermédio da Palavra de Deus, o que está acontecendo.  Muitas vezes, temos sido iludidos, enganados e espoliados espiritualmente, justamente porque nos tem faltado a meditação na Palavra de Deus, acompanhada pela oração para que Deus nos dê a compreensão dos fatos, da sua vontade para o nosso momento presente. 

 

Diz o salmista:

 

98Os teus mandamentos me fazem mais sábio (chakam) que os meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. 99Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos.  100 Sou mais prudente (biyn) que os idosos, porque guardo os teus preceitos.  101 De todo mau caminho desvio os pés, para observar a tua palavra. (Sl 119. 98-101). 

 

   Deus não deseja um povo ingênuo, imaturo quanto à interpretação da realidade. Ele quer que sejamos maduros, aptos para discernir, interpretar os acontecimentos e que, sem titubear, sigamos os seus preceitos.

 

A sabedoria propiciada por Deus  dá-nos discernimento para que possamos nos valer do que for útil em todos os conhecimentos sem nos perder em meio às suas contradições, tendo como elemento avaliador a Palavra de Deus.

 

   A sabedoria divina oferece-nos um quadro de referência que nos conduz cada vez à gratidão a Deus por tão grandiosa bênção. Para que possamos emitir um juízo de valor é preciso ter valores e um quadro coerente de interpretação a partir de determinado valor ou de um conjunto de valores. Notemos, portanto, que pensar com clareza é uma grande bênção de Deus. 

 

  A Palavra de Deus propicia uma revolução epistemológica em nossa vida jamais alcançada de outro modo: Ela ilumina o nosso caminho e os nossos passos, ou seja: o que está diante de nós. Mas, além disso, ilumina os nossos olhos para poder enxergar isso, o que se configura à nossa frente precisando ser avaliado. 

 

A realidade pode estar clara diante de nós, porém, nossos olhos também podem estar obscurecidos por vários impedimentos tais como: preconceito, má vontade, falta de esclarecimento do assunto, paixões, etc. Por sua vez, nossos olhos podem estar em perfeitas condições, porém, a pouca luminosidade e a falta de clareza dos fatos podem não nos ajudar. Digamos assim: Deus opera no sujeito e no objeto por meio de sua Palavra.

 

Calvino comenta sobre isso:

 

Cada homem é cego, até que Deus também ilumine os olhos do entendimento do homem. Admitindo que Deus nos provê luz por meio de Sua Palavra, o profeta tem em mente que somos cegos em meio à mais clara luz, enquanto Deus não remove o véu de nossos olhos.

 

O entendimento proveniente de Deus faz com que tenhamos discernimento em todas as coisas: “Os homens maus não entendem (bîyn) o que é justo, mas os que buscam o SENHOR entendem (bîyn) tudo” (Pv 28.5). “Sou mais prudente (bîyn) que os idosos, porque guardo (nâtsar) os teus preceitos” (Sl 119.100).

 

Este discernimento, contudo, não é apenas para uma satisfação intelectual, antes tem um efeito prático. Ele é, de certa forma, profilático: “Por meio dos teus preceitos, consigo entendimento (bîyn); por isso, detesto todo caminho de falsidade” (Sl 119.104).

 

Por isso, à pergunta de Jó sobre onde encontrar a sabedoria e o entendimento, ele mesmo apresenta a resposta: 

 

Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento (bîynâh)? (Jó 28.12).

Donde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar do entendimento (bîynâh)? (Jó 12.20). 

E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento (bîynâh). (Jó 28.28). 

 

O nosso discernimento revela-se em nos apartar do mal seguindo a Lei de Deus.

 

  Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade dele (Deus), conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus” (Jo 7.17).

 

É necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus ou não. Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17).  

   

O falso mestre é aquele que ensina a mentira, o engano: cria imagens que nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e, também, à viverem libertinamente, ou seja, de modo dissoluto e lascivo. Por causa disso, o caminho do Evangelho seria caluniado, reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos mestres consiste numa corrupção do Evangelho. 

 

(Plastós) parece ter o sentido aqui de palavras artisticamente elaboradas, moldadas, sugestivas, porém, falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente este é o termo de onde vem a nossa palavra “plástico”. O ensino cristão envolve arte, mas não “arte plástica” para com a verdade. 

 

Nós cristãos, precisamos treinar os nossos ouvidos: “Porque o ouvido prova (bahan)(examina, testa) as palavras, como o paladar, a comida” (Jó 34.3/Jó 12.11).

 

O caminho da sabedoria é o caminho da santidade. Se nós queremos ser santos, devemos buscar na Palavra de Deus a coragem para cumprir os seus decretos, o ânimo para não nos abatermos com as ciladas do diabo, e o discernimento e sabedoria para que possamos interpretar a Palavra de Deus, avaliando os fatos, e aplicando os princípios eternos de Deus à nossa realidade cotidiana.

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[1] Por isso mesmo Deus nos convida a um exame de Sua Palavra. Nela temos os Seus ensinamentos e promessas que, de fato, podem iluminar os nossos olhos, apontando e nos capacitando a seguir o Seu caminho. “Porque o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz (‘ôr)….” (Pv 6.23). Esta é a experiência do salmista: “Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina (‘ôr) os olhos” (Sl 19.8). “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz (‘ôr) para os meus caminhos” (Sl 119.105). Nas Escrituras, seguir a instrução de Deus é o mesmo que andar na luz: “Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do SENHOR, de Jerusalém (…) Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz (rAa) (‘ôr) do SENHOR” (Is 2.3,5). “Atendei-me, povo meu, e escutai-me, nação minha; porque de mim sairá a lei, e estabelecerei o meu direito como luz (‘ôr) dos povos” (Is 51.4). (Para um estudo mais pormenorizado do emprego da palavra no Antigo Testamento, vejam-se: H. Wolf, ‘ôr: In: L. Harris, et. al., eds., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 38-42; William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament, 3. ed. Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, p. 23). 

[2] “Até quando, ó néscios (pethiy), amareis a necedade (pethiy)? E vós, escarnecedores, desejareis o escárnio? E vós, loucos, aborrecereis o conhecimento?” (Pv 1.22).

[3] John F. MacArthur Jr., Adotando a Autoridade e a Suficiência das Escrituras: In: J.F. MacArthur Jr., ed. ger., Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 39. Veja-se também: J.F. MacArthur, Jr., Nossa Suficiência em Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1995, p. 68.

[4] John MacArthur, Adotando a Autoridade e a Suficiência das Escrituras. In: John MacArthur, ed. ger., Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 39.

[5] O simples (pethiy) dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta (biyn) para os seus passos” (Pv 14.15).

[6] Cf. Louis Goldberg, Petî: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1249. Para um estudo mais detalhado da palavra, veja-se: M. Saebo, Pth: In: E. Jenni; C. Westermann, eds., Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985, v. 2, p. 624-628.

[7] “Os cristãos precisam pensar sobre o pensamento. (…) A maioria dos seres humanos, contudo, nunca pensa profundamente sobre o ato de pensar. (…) Devido à devastação intelectual causada pela queda, temos a obrigação de pensar sobre o ato de pensar. Essa é a razão pela qual o discipulado cristão é, também, uma atividade intelectual” (R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: Um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 44,45,54).

“Você não precisa acreditar em tudo o que pensa, e a razão é simples: nós vemos o que queremos ver. (…) O nervo óptico, o único nervo com ligação direta com o cérebro, na verdade transmite mais impulsos do cérebro para o olho do que vice-versa. Isto significa que se cérebro determina o que o olho vê. Você já está precondicionado. É por isso que, se quatro pessoas presenciarem um acidente, cada uma vai relatar algo diferente. Precisamos nos lembrar, e ensinar aos outros, que não devemos acreditar em tudo o que pensamos” (Rick Waren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 27).

[8] John Piper: In: John Piper; D.A. Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 64.

[9] Veja-se: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 32.

[10] João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2009, v. 4, (Sl 119.18), p. 184.

[11] Este termo ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mc 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.