Um blog do Ministério Fiel
Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 27)
O sentido bíblico de entendimento (parte D)
5. Na Instrução (8-9) (Continuação)
7) O cuidado de Deus para com o seu povo passa necessariamente pela instrução. Ou seja: no ensino de Deus temos uma demonstração de seu cuidado amoroso para conosco.
Moisés, de forma poética, como já mencionamos, diz: “Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o (sâbab) e cuidou (bîyn) dele, guardou-o (nâtsar) como a menina dos olhos” (Dt 32.10).
8) A compreensão da Palavra nos revigora nas angústias: “Sobre mim vieram tribulação e angústia; todavia, os teus mandamentos são o meu prazer. Eterna é a justiça dos teus testemunhos; dá-me a inteligência deles (bîyn), e viverei” (Sl 119.143-144).
Como não compreendemos todas as coisas, necessitamos ter o discernimento concedido por Deus para continuar confiando em seu cuidado.
Aplicação
Aplicando o que vimos neste tópico, devemos enfatizar que a misericórdia de Deus tem nos assistido muitas vezes de uma forma misteriosa (Sl 32.10). Contudo, Deus nos oferece a sua Palavra para que reflitamos nela e busquemos o entendimento necessário para aplicar aos nossos desafios cotidianos.
Precisamos nos valer disso rogando a Deus que nos dê discernimento espiritual e saibamos interpretar os sinais dos tempos a fim de viver com sabedoria neste mundo. A correta interpretação e aplicação da Palavra, conferem sentido aos fatos por nós partilhados.
Portanto, partindo da Palavra, podemos extrair alguns princípios para o nosso aprendizado:
a) Devemos buscar conhecimento
“O coração (lêb) sábio (bîyn) procura o conhecimento (daath), mas a boca dos insensatos se apascenta de estultícia” (Pv 15.14). “O coração do sábio (bîyn) adquire o conhecimento (daath), e o ouvido dos sábios (chakam) procura o saber (daath)” (Pv 18.15). (Ver também: Pv. 16.16; 23.4,23).
Quando Nabucodonosor entrevistou Daniel e a seus amigos com vistas a servirem no palácio, registra as Escrituras:
Ora, a estes quatro jovens Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria; mas a Daniel deu inteligência (bîyn) de todas as visões e sonhos. Vencido o tempo determinado pelo rei para que os trouxessem, o chefe dos eunucos os trouxe à presença de Nabucodonosor. Então, o rei falou com eles; e, entre todos, não foram achados outros como Daniel, Hananias, Misael e Azarias; por isso, passaram a assistir diante do rei. Em toda matéria de sabedoria e de inteligência (bîynâh) sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou dez vezes mais doutos do que todos os magos e encantadores que havia em todo o seu reino. (Dn 1.17-20).
“Deus é sempre designado como a fonte de todo conhecimento verdadeiro, e a habilidade intelectual é dádiva dele”, resume Veith. A sabedoria destes jovens provinha de Deus e esta se manifestava em sua obediência aos seus mandamentos. A submissão à Palavra leva-nos de forma objetiva a ter uma visão da realidade bastante diferenciada.
O quadro de referência bíblico continuará sendo um desafio à simples inteligência carnal, limitada ao saber hodierno. Você pode adquirir muito conhecimento em qualquer lugar. Porém, somente por meio da Palavra adquirimos o sentido da realidade. “O cristianismo fornece uma estrutura intelectual que é, na verdade, superior a qualquer outra visão do mundo para buscar o conhecimento”, continua Veith.
Portanto, devemos nos esforçar por obter este entendimento: “O princípio da sabedoria é: Adquire a sabedoria; sim, com tudo o que possuis, adquire o entendimento (bîynâh)” (Pv 4.7).
b) Refletir sobre os feitos de Deus
Eliú aconselha a Jó de modo pertinente: “Inclina, Jó, os ouvidos a isto, pára e considera (bîyn) as maravilhas (pala) de Deus” (Jó 37.14).
Um dos efeitos do pecado é o esquecimento dos feitos de Deus. A fragilidade de nossa memória, nesses casos, deve-se ao pecado que barateia a graça e supervaloriza a desobediência e seus aparentes bons frutos.
Quando o salmista recapitula a história do povo de Israel do deserto, marcada pelo cuidado e provisão de Deus bem como pela desobediência do povo, um aspecto destacado é o esquecimento dos grandiosos feitos de Deus: “Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas (gadol)” (Sl 106.21).
Uma forma comum de ensino utilizada no Antigo Testamento é a meditação sobre os feitos de Deus na história, considerando a sua santidade, onipotência, misericórdia, amor e justiça (Ex 10.2; 12.26-27; 13.8,14; Dt 32.7).
Por intermédio dos atos de Deus, são destacadas atitudes corretas e inapropriadas dos servos de Deus. De certa forma o erro também é valorizado a fim de não repeti-lo. Portanto, a história tem um valor prático para todos os fiéis, sendo um tesouro de admoestação e encorajamento; de consolo e de orientação. A história demonstra como Deus tem preservado o seu povo apesar de sua frequente desobediência.
Na recordação dos atos de Deus, não há apenas um olhar curioso sobre fatos que ocorreram num tempo próximo ou distante, mas, sem significado para nós. Pelo contrário, no rememorar de sua história, há um interagir evolutivo por meio do qual cada vez mais me vejo como resultado daqueles acontecimentos os quais têm a minha participação hoje.
O conselho de Calvino parece-me profundo e simples:
Quando formos premidos pela adversidade, ou envolvidos em profundas aflições, meditemos nas promessas de Deus, nas quais a esperança de salvação nos é demonstrada, de modo que, usando este escudo como nossa defesa, rompamos todas as tentações que nos assaltam.
Nas instruções litúrgicas, prescrevendo o modo como cada um se apresentaria diante de Deus com as suas oferendas, há as seguintes orientações:
5 Então, testificarás perante o SENHOR, teu Deus, e dirás: Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. 6 Mas os egípcios nos maltrataram, e afligiram, e nos impuseram dura servidão. 7 Clamamos ao SENHOR, Deus de nossos pais; e o SENHOR ouviu a nossa voz e atentou para a nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; 8 e o SENHOR nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres; 9 e nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra que mana leite e mel. 10 Eis que, agora, trago as primícias dos frutos da terra que tu, ó SENHOR, me deste. Então, as porás perante o SENHOR, teu Deus, e te prostrarás perante ele. 11 Alegrar-te-ás por todo o bem que o SENHOR, teu Deus, te tem dado a ti e a tua casa, tu, e o levita, e o estrangeiro que está no meio de ti. (Dt 26.5-11).
O contemplar as obras de Deus proporciona ao homem um deleite espiritual e uma adoração sincera:
Grandes são as obras (ma`aseh) do Senhor, consideradas por todos os que nelas se comprazem. (Sl 111.2).
4 Pois me alegraste, Senhor, com os teus feitos; exultarei nas obras (ma`aseh) das tuas mãos. 5 Quão grandes, Senhor, são as tuas obras (ma`aseh)! Os teus pensamentos, que profundos! (Sl 92.4-5).
Na contemplação meditativa da criação, o ser humano pode perceber aspectos da bondade de Deus que o alivia em suas dores e limitações, concedendo a visão da harmoniosa variedade e beleza daquilo que criou. Nesta visão, o homem é conduzido a se admirar e a glorificar a Deus por sua manifestação de sabedoria, bondade e graça para com a humanidade. O salmista demonstra isso:
Que variedade, Senhor, nas tuas obras (ma`aseh)! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. (Sl 104.24).
Falar-se-á do poder dos teus feitos tremendos (yare), e contarei a tua grandeza (gedullah). (Sl 145.6).
O Senhor é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras (ma`aseh). (Sl 145.9).
Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras (ma`aseh). (Sl 145.17).
Louvai-o pelos seus poderosos feitos; louvai-o consoante a sua muita grandeza (gadal rob). (Sl 150.2).
Por vezes, em momentos de dúvida e abatimento, devemos considerar a nossa história de vida. Com frequência, o presente parece ser a única realidade, nada o tendo precedido.
Mas, na realidade, os propósitos de Deus são eternos (Ef 3.11/Hc 3.6). O seu decreto é eterno. Deus não está circunscrito ao tempo, à aprendizagem e à “maturação das ideias”. Deus é o senhor da eternidade, do tempo e das circunstâncias. O tempo é onde Deus revela o seu propósito eterno. Na revelação de Deus, temos aos nossos olhos o encontro do tempo com o eterno, sem que o Deus eterno, jamais deixe o tempo, onde Ele age e cuida de nós.
Quando olhamos a história à luz das Escrituras, temos a história iluminada, realçando o que sabemos, mas, que por vezes nos esquecemos, de que Deus tem sido intensamente misericordioso para conosco.
Samuel quando deixa de ser juiz de Israel, porque o povo desejava ter um rei, se despede. Recapitula brevemente a história da Israel e, no final, lhe diz: “Tão somente, pois, temei ao SENHOR e servi-o fielmente de todo o vosso coração; pois vede quão grandiosas (gadol) coisas vos fez” (1Sm 12.24).
Esse sentimento é comum aos salmistas. Davi, considerando os feitos de Deus e o fato de que Ele ouve as suas orações, escreve: “Pois tu és grande (gadol) e operas maravilhas; só tu és Deus!” (Sl 86.10).
O salmista se dispõe a adorar a Deus em companhia dos fiéis considerando prazerosamente as suas grandes obras: “1Aleluia! De todo o coração renderei graças ao SENHOR, na companhia dos justos e na assembleia. 2Grandes (gadol) são as obras do SENHOR, consideradas por todos os que nelas se comprazem” (Sl 111.1-2)
O salmista rende graças a Deus considerando as suas maravilhosas obras que excedem todo o nosso entendimento, fruto de sua misericórdia: “Ao único que opera grandes (gadol) maravilhas (pala), porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136.4/Sl 138-1-3).
A consideração dos feitos de Deus é um estímulo à nossa obediência prazerosa e à glorificação de sua sabedoria e majestade (Rm 11.33-36).
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[1] “A ideia essencial (…) representa um modo de pensar e uma atitude para com as experiências da vida, incluindo questões de interesse geral e moralidade básica. Tais assuntos se relacionam à prudência em negócios seculares, habilidades nas artes, sensibilidade moral e experiência nos caminhos do Senhor” (Louis Goldberg, Hãkam: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 459). Em síntese, envolve a capacidade de discernir entre o bem e o mal. Veja-se: Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1981 (Reprinted), p. 74.
[2] Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 19.
[3] Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 13. “O cristianismo é a religião que oferece o maior privilégio e que, com ele, exige a maior obrigação. No cristianismo, o esforço intelectual e a experiência emocional não são descuidados – longe disto – porém devem combinar-se para frutificar na ação moral” (William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, (I,II,III Juan y Judas), Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 15, p. 53).
[4] “Disse o SENHOR a Moisés: Vai ter com Faraó, porque lhe endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes meus sinais no meio deles, e para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para que saibais que eu sou o SENHOR” (Ex 10.1-2). “26 Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? 27 Respondereis: É o sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo se inclinou e adorou” (Ex 12.26-27). “Naquele mesmo dia, contarás a teu filho, dizendo: É isto pelo que o SENHOR me fez, quando saí do Egito. (…) 14Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás: O SENHOR com mão forte nos tirou da casa da servidão” (Ex 13.8,14). “Lembra-te dos dias da antiguidade, atenta para os anos de gerações e gerações; pergunta a teu pai, e ele te informará, aos teus anciãos, e eles to dirão” (Dt 32.7).
[5] “Assim, o mundo se torna culpado não apenas de esquecimento em relação a Deus, mas igualmente de esquecimento da História. Quando aprenderemos a partir da História? Atrás de nós há uma grande História mundial. Então, veja e examine e tente aprender com ela” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 49). Desta forma “os homens e as mulheres são ignorantes da História, porque, se não o fossem, se comportariam de maneira bem diferente” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, p. 49).
[6] “Deus inseriu a revelação da Bíblia na História; Ele não a forneceu (como poderia ter feito) em forma de livro-texto teológico. Localizando a revelação na história, que sentido teria para Deus ter-nos fornecido uma revelação cuja história fosse falsa? Também o homem foi inserido neste universo que, como as Escrituras mesmo dizem, fala de Deus. Que sentido, então, teria para Deus ter nos oferecido sua revelação em um livro cheio de falsidades acerca do universo? A resposta para ambas as questões deve ser ‘nada disso faria sentido!’. Está claro, portanto, que, do ponto de vista das Escrituras em si, podemos observar uma unidade por todo o campo do conhecimento. Deus falou, numa forma linguística e proposicional, verdades sobre si mesmo e verdades sobre o homem, a sua história e o universo” (Francis A. Schaeffer, O Deus que intervém, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 146).
[7] Quem me chamou a atenção para este texto foi Sherron K. George, Igreja Ensinadora: fundamentos Bíblicos-Teológicos e Pedagógicos da Educação Cristã, 2. ed. Campinas, SP.: Editora Luz para o Caminho, 2003, p. 44-45.
[8] Meu antigo e saudoso professor de História da Igreja, escreveu: “[A História da igreja é] a narração dos fatos relativos à origem, ao desenvolvimento e propósito do Reino de Deus na Terra” (Lázaro Lopes de Arruda, Anotações de História da Igreja, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, Tomo I, p. 15).