Um blog do Ministério Fiel
Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 28)
O sentido bíblico de entendimento (parte E)
c) Confiar em Deus
O pai com sabedoria e sensibilidade, instrui seu filho: “Confia no SENHOR de todo o teu coração (lêb) e não te estribes no teu próprio entendimento (bîynâh)” (Pv 3.5).
O considerar os feitos de Deus e a sua providência é, com muita frequência, um estímulo a confiar e a continuar confiando. Deus nos chamou, nos guiou e preservou. Ele é o Deus grande que opera maravilhas em nossa vida e na de nossos irmãos. Devemos descansar em suas promessas.
João (345?-407), Patriarca de Constantinopla (398-404), teólogo famoso que, pela sua capacidade oratória, recebeu o epíteto grego de “Crisóstomo” que significa “boca de ouro”, escreveu:
A providência de Deus é mais manifesta que o sol com seus raios e, em cada tempo e lugar, no deserto, nos países habitados e inóspitos, na terra e no mar, em qualquer lugar a que vás, perceberás a memória clara e suficiente, antiga e nova, desta providência, vozes que se elevam de todas as partes, mais penetrantes que a voz do homem racional, e que falam de sua solicitude a quem quiser escutar.[1]
De fato, as nossas vozes são ouvidas e entendidas onde as pessoas conhecem a nossa língua, no entanto, o cuidado de Deus revelado na criação é demonstrado ininterruptamente a todos os povos.
É o que nos diz o salmista:
1Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos (yad). (…) 3 Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; 4no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol. (Sl 19.1,3-4).
A história do povo de Israel é de certa forma a história da revelação concreta de Deus na História: no tempo e no espaço, conduzindo o seu povo.
As Escrituras que nos ensinam estas verdades, fazem parte da providência do Deus, que nos concedeu e a têm preservado para instrução de seu povo.[2] “A Escritura, em sua totalidade, é o próprio livro da providência de Deus”, comenta Bavinck.[3]
Os preceitos de Deus são orientadores de nossa vida.
Neles não há confusão, duplicidade ou instabilidade. Pelo fato da sua Palavra ser a verdade sobre todas as coisas, Deus a preserva em meio a todas as variações, ambiguidades e contradições da história resultantes do pecado e da imprevisibilidade da vida. Em Deus não há variação.
As Escrituras demonstram a realidade da vida como Deus a percebe. A realidade é como Deus a conhece porque é Ele quem a preserva. Deus percebe as coisas como são. Somente Deus, e mais ninguém, tem um conhecimento objetivo, exaustivo e sempre presente da realidade.
Durante a pandemia, que em nosso país foi bastante politizada, experimentamos em um grau maior uma situação de instabilidade em vários aspectos. Especulou-se, por exemplo, com alguma razão, sobre os efeitos desse período na vida do homem em todos os aspectos: pessoais, profissionais, religiosos, familiares, etc. Parece-me que as pesquisas mais recentes e a divulgação de informações já sabidas e retidas em determinados lugares por grupos com interesses escusos, têm confirmado muitas das suspeitas.
Sem dúvida, haverá um elemento novo a dividir a história, como no século XX teve o antes e o pós Primeira e Segunda Guerras Mundiais. De certa forma, nós já fazemos isso quando nos recordamos de algum fato e falamos que ocorreu antes da pandemia ou “bem no início”, e coisas semelhantes.
Mas, como isso será? Não sabemos. Sem dúvida, como já temos indícios, várias transformações ocorrerão em diversos âmbitos: Médicos, sociais, familiares, políticos, econômicos, religiosos, educacionais, sanitários, éticos…
Essas questões apenas vêm indicar a suscetibilidade humana às crises, instabilidades e variações das mais diversas.
O Controle de Deus sobre todas as coisas
Mas, de uma coisa podemos ter certeza: Todos esses fenômenos estão sob o controle e direção de Deus. O Senhor nunca está ocioso ou indiferente. Ele é sempre ativo em seu poder, amor, justiça e misericórdia.[4] Ele nos conduz momento a momento (em “cada momento”), tomando conta de nós conforme as nossas necessidades.[5] Porém, ainda que Deus esteja próximo de nós, na maioria das vezes não percebemos a sua mão quase invisível e providencial em nossa história e pequenas coisas de nossa cotidianidade.[6]
O salmista testemunha a sua segurança nos preceitos de Deus que além de verdadeiros e justos, permanecem inabaláveis e para sempre:
7 As obras de suas mãos (yad) são verdade e justiça; fiéis, todos os seus preceitos (piqqud). 8Estáveis (samak) são eles para todo o sempre, instituídos em fidelidade e retidão. (Sl 111.7-8).
Tu estás perto (qarob), SENHOR, e todos os teus mandamentos são verdade (‘emeth). (Sl 119.151)
Fragilidade, ansiedade e paralisia
Por vezes, nos abatemos e nos sentimos fracos e incapazes. As incertezas associadas à nossa ansiedade, nos paralisam, sentimo-nos debilitados e ficamos prostrados.
Em geral, nessa situação, tornamo-nos vulneráveis a qualquer tipo de ataque ou explicações que tentem justificar a nossa situação e/ou propor saídas mirabolantes.
Os salmistas testemunham que também se sentiram assim em diversas ocasiões. Mas, também, apresentam um testemunho de fé, do cuidado e auxílio do Senhor.
Nesse particular, Deus indicando a sua proximidade e pessoalidade, emprega em diversos textos a palavra “mão”, demonstrando que Ele não está ausente e, ao mesmo tempo, está poderosamente pronto para nos socorrer.[7]
Esta experiência de fé foi comum a diversos servos de Deus nas Escrituras e, por certo, também faz parte de nossa experiência.
O salmista declara a sua fé na onipotência de Deus: “O teu braço é armado de poder, forte é a tua mão (yad), e elevada, a tua destra” (Sl 89.13)
Em situação totalmente adversa, o salmista clama:
Atende o meu clamor, pois me vejo muito fraco (dalal) (debilitado,[8] abatido[9] prostrado,[10] apoucado,[11] esgotado,[12] cansado).[13] Livra-me dos meus perseguidores, porque são mais fortes do que eu. (Sl 142.6).
Ampara-me (samak), segundo a tua promessa, para que eu viva; não permitas que a minha esperança me envergonhe. (Sl 119.116).
O salmista conta a sua história e compartilha a sua fé, na certeza de que Deus nos ampara:
O SENHOR vela pelos simples; achava-me prostrado (dalal), e ele me salvou. (Sl 116.6).
Se cair, não ficará prostrado, porque o SENHOR o segura (samak) pela mão (yad). (Sl 37.24/Sl 37.17).
O SENHOR sustém (samak) os que vacilam e apruma todos os prostrados. (Sl 145.14).
Eis que Deus é o meu ajudador (`azar), o SENHOR é quem me sustenta (samak) a vida” (Sl 54.4).
Deus que nos ajuda e socorre, é mão presente em todas as circunstâncias e lugares. Ele nos guia e sustenta:
7Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? 8Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; 9 se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, 10 ainda lá me haverá de guiar a tua mão (yad), e a tua destra me susterá. 11Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, 12 até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa. (Sl 139.7-12).
Davi em situação que poderia ser desesperadora, fugindo de seu filho que lidera parte de seu antigo exército a fim de matá-lo, demonstra a sua total confiança em Deus: “Deito-me e pego no sono; acordo, porque o SENHOR me sustenta (samak)” (Sl 3.5).
No Salmo 27, o salmista angustiado suplica a Deus revelando a sua intensa confiança:
9Não me escondas, SENHOR, a tua face, não rejeites com ira o teu servo; tu és o meu auxílio, não me recuses, nem me desampares (azab), ó Deus da minha salvação. 10 Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem (azab), o SENHOR me acolherá. (Sl 27.9-10).[14]
Conhecimento e confiança
Em outro contexto, estabelece uma relação de causalidade entre conhecer a Deus e confiar no seu nome. De fato, Deus se revela com o propósito de se relacionar conosco. Como confiar em um desconhecido? A relevância deste conhecimento se torna mais notória em nossas aflições e situação adversas, quando estamos enfermos e nos deparamos com armadilhas muito bem camufladas:
Em ti, pois, confiam os que conhecem (yada) o teu nome, porque tu, SENHOR, não desamparas (samak) os que te buscam. (Sl 9.10)
Mas o SENHOR não o deixará (azab) nas suas mãos, nem o condenará quando for julgado. (Sl 37.33).
O SENHOR o assiste (sa`ad) (= Refazer,[15] fortalecer,[16]suster,[17] firmar)[18] no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama. (Sl 41.3).
“Deus não está longe, agindo somente nos grandes momentos da História; Ele age também entrando em nossa própria história pessoal de um modo amoroso”, interpreta Schaeffer.[19]
Essas promessas acompanhadas das experiências de diversos servos de Deus e por nós mesmos em nossa caminhada, nos estimula a clamar a Deus com confiança:
Quando eu digo: resvala-me o pé, a tua benignidade, SENHOR, me sustém (sa`ad). (Sl 94.18).
Se ando em meio à tribulação, tu me refazes a vida; estendes a mão (yad) contra a ira dos meus inimigos; a tua destra me salva. (Sl 138.7)
Sustenta-me (sa`ad), e serei salvo e sempre atentarei para os teus decretos. (Sl 119.117).
Em nosso propósito de ser fiel a Deus, as lutas tornam-se mais intensas. Satanás envida maiores esforços para nos fazer abandonar a Palavra. Por isso, o salmista roga a Deus o seu socorro e amparo: “Venha a tua mão (yad) socorrer-me, pois escolhi os teus preceitos” (Sl 119.173).
Essa convicção alimentada pela Palavra e solidificada em nosso coração, confere-nos segurança, eliminando todos os nossos temores. É o que testifica o salmista: “Busquei o SENHOR, e ele me acolheu (anah) (= Responder); livrou-me de todos os meus temores (megorah)” (Sl 34.4).
Voltamos então à questão: Devemos cultivar uma grata memória como estímulo à confiança em Deus em meio às adversidades. Davi ora:
Atende, SENHOR, a minha oração, dá ouvidos às minhas súplicas. Responde-me, segundo a tua fidelidade, segundo a tua justiça. 2 Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente. 3 Pois o inimigo me tem perseguido a alma; tem arrojado por terra a minha vida; tem-me feito habitar na escuridão, como aqueles que morreram há muito. 4 Por isso, dentro de mim esmorece o meu espírito, e o coração se vê turbado. 5 Lembro-me dos dias de outrora, penso em todos os teus feitos e considero nas obras das tuas mãos (yad). 6 A ti levanto as mãos (yad); a minha alma anseia por ti, como terra sedenta. 7 Dá-te pressa, SENHOR, em responder-me; o espírito me desfalece; não me escondas a tua face, para que eu não me torne como os que baixam à cova. 8 Faze-me ouvir, pela manhã, da tua graça, pois em ti confio; mostra-me o caminho por onde devo andar, porque a ti elevo a minha alma. (Sl 143.1-8).
Schaeffer comenta com profundidade:
Aqui Davi pinta um quadro maravilhoso [Sl 143.6]. Quando a pessoa recorda as ações de Deus na História e faz isso ser seu próprio meio ambiente, então ele pode ter uma reação positiva neste momento existencial: como filho de Deus, pode erguer suas mãos em confiança pessoal. Esse é o andar do cristão.
Por que o menino que sai caminhando com seu pai estende sua mão quando chegam a um lugar escorregadio? Ele o faz porque no passado seu pai o tomou fielmente pela mão estendida quando atravessavam juntos as trilhas escorregadias. Isso retrata o caminhar cristão com Deus e a cena é linda. Ergo minha mão a meu Pai em relacionamento pessoal, e então caminho com Ele de mãos dadas.[20]
Tais considerações nos conduzem a render graças pelo seu cuidado orientador e preservador:
Vinde, cantemos ao SENHOR, com júbilo, celebremos o Rochedo da nossa salvação. 2 Saiamos ao seu encontro, com ações de graças, vitoriemo-lo com salmos. 3 Porque o SENHOR é o Deus supremo e o grande Rei acima de todos os deuses. 4 Nas suas mãos (yad) estão as profundezas da terra, e as alturas dos montes lhe pertencem. 5 Dele é o mar, pois ele o fez; obra de suas mãos (yad), os continentes. 6 Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou. 7 Ele é o nosso Deus, e nós, povo do seu pasto e ovelhas de sua mão (yad). (Sl 95.1-7).
Adaptando o compositor do hino “Grata memória”, corramos de modo confiante aos fortes braços de Deus, o nosso Senhor e Pastor. Amém.
[1]São João Crisóstomo, Da Providência de Deus, São Paulo: Paulus, 2007, p. 93. (Edição do Kindle).
[2]“A doação das Escrituras é um aspecto da providência abrangente de Deus na história” (Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo e as Sagradas Escrituras: Inerrância e Pneumatologia: In: John F. MacArthur, org., A Palavra Inerrante, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, [p. 262-281], p. 269).
[3]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 607.
[4] “Deus nunca está ocioso. Ele nunca está passivamente presente, como mero espectador” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 617).
[5]“De acordo com a Escritura e a confissão da igreja, a providência é o ato de Deus pelo qual, de momento a momento, ele governa e preserva todas as coisas” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 608).
[6]“Sempre que sentamos para degustar uma boa refeição, estamos sendo servidos pela sua providência” (Philip Ryken, Quando os problemas aparecem, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2018, p. 23). (Veja-se, conforme já citamos: Francis A. Schaeffer, Não há gente sem importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 37).
[7] Há um excelente capítulo de Schaeffer que contém estimulantes insights sobre este tema. Veja-se: Francis A. Schaeffer, Não há gente sem importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31-41. Recomendo também, com entusiasmo, a obra de Sproul (R.C. Sproul, A mão Invisível, São Paulo: Cultura Cristã, 2014).
[8]Jz 6.6.
[9] Sl 79.8.
[10] Sl 116.6.
[11] Is 17.4.
[12] Is 19.6.
[13] Is 38.14.
[14] Ver: Sl 38.21; 71.9,18; 119.8.
[15] Gn 18.5.
[16] Jz 19.5,8; 1Rs 13.7.
[17] Sl 18.35; 20.2; 94.18; 104.15; 119.117; Pv 20.28
[18]Is 9.7.
[19] Francis A. Schaeffer, Não há gente sem importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 37.
[20] Francis A. Schaeffer, Não há gente sem importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 39.