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Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 33)
Considerações finais da série (parte 1/2)
Concluindo esta série de exposições sobre o Salmo 32, além das aplicações feitas, destacamos algumas outras:
1) Davi aprendeu que nem o silêncio que tenta ocultar o pecado, nem o bramido em meio à dor, resolvem o problema do pecado, antes, a confissão sincera que, fruto de um arrependimento real, confia na graça misericordiosa de Deus. (Sl 32.3)
2) Arrependimento e confissão de nossos pecados (Sl 32.3-5). Necessitamos urgentemente de nos examinar a nós mesmos à luz da Palavra para confessarmos a Deus os nossos pecados buscando o seu perdão.
Calvino enfatizou que “quanto mais eminentemente alguém se destaca em santidade, mais ele se sente destituído da perfeita justiça e mais que claramente percebe que em nada pode confiar senão unicamente na misericórdia de Deus”.[1]
3) Arrependimento que se manifesta em obediência. Todos estamos sujeitos aos efeitos negativos de nossos atos: aborrecimentos, temores, perda financeira, dissolução da família, quebra de relacionamentos, etc. Deus em sua graça se vale, por vezes, desses meios para nos disciplinar e instruir. A diferença entre um homem crente, temente a Deus e um pecador contumaz, está na sua atitude para com os atos de Deus. O nosso arrependimento se materializa na mudança de atitude, conduzindo nossa mente e mãos em direção a Deus, procurando corrigir o que está danificado.[2]
Portanto, a solução para o problema da culpa, é nos arrependermos de nossos pecados, confessá-los a Deus e, pela graça de Deus, mudar o nosso comportamento. (Sl 51.10,12-17).
4) Confiança na provisão misericordiosa de Deus (Sl 32.7,10). No Salmo 107, depois de se maravilhar com a bondade de Deus (Sl 107.1,8,15,21,31), o salmista conclui: “Quem é sábio atente para essas coisas e considere (biyn) as misericórdias (hesed) do SENHOR” (Sl 107.43).
Na juventude, quando escreveu o salmo 52, Davi faz um contraste, mostrando que o seu vigor estava justamente em confiar em Deus:
Eis o homem que não fazia de Deus a sua fortaleza; antes, confiava na abundância dos seus próprios bens e na sua perversidade se fortalecia. Quanto a mim, porém, sou como a oliveira verdejante, na Casa de Deus; confio na misericórdia (hesed) de Deus para todo o sempre. (Sl 52.7-8).
Pelo fato de nossa vida fluir com relativa tranquilidade, tendemos a nos esquecer das misericórdias de Deus. Em geral ela só é percebida em meio ao sofrimento. No entanto, Deus em tudo se antecipa a nós. A situação de conforto e paz também é uma expressão da misericórdia de Deus que nos dirige e sustenta ainda que não percebamos.
O profeta Jeremias em momento de grande tristeza pela destruição de Jerusalém (Lm 1.18), escreveu com profunda sensibilidade pela ótica daquele que vê em sua vida a misericórdia cotidiana de Deus: “As misericórdias (hesed) do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias (racham)(= compaixão)[3] não têm fim (lo` kalah) (“não se consomem”, “não se extinguem”). (Lm 3.22).
As misericórdias de Deus são completas, não se extinguem, antes, consumam o propósito de Deus.
As aflições, por vezes, são didáticas no propósito de nos despertar para a misericórdia de Deus, suplicando pelo favor de Deus.[4]
5) Manter diante de nós a misericórdia de Deus como um estímulo a viver dignamente. Escreve o salmista: “…. a tua benignidade (hesed), tenho-a perante os olhos e tenho andado na tua verdade” (Sl 26.3). Um coração que mantém seus olhos fixos na misericórdia de Deus não se desviará da sua verdade; jamais penderá para a arrogância.
6) Suplicar o cuidado de Deus (Sl 32.6). Deus se agrada não de nossa suposta arrogante suficiência, mas de quem espera nele: “Agrada-se o SENHOR dos que o temem e dos que esperam na sua misericórdia (hesed)” (Sl 147.11).
Todos dependem essencialmente da misericórdia de Deus, já que todos pecamos. Esperar na misericórdia significa termos a consciência de que não somos autossuficientes, não temos condições de por nós mesmos apresentar algo digno a Deus, que as nossas melhores obras são trapos de imundícia diante da santa justiça escrutinadora de Deus (Is 64.6). Esperar na misericórdia é a atitude daquele que pela graça conhece a Deus e por isso mesmo, se vê como de fato é, um pecador.
7) Alegre gratidão (Sl 32. 7). Nos salmos contextualmente gêmeos, constatamos que a mesma palavra que o salmista usa para dizer da sua confissão, o declarar o seu pecado – “Confesso (nagad)[5] a minha iniquidade (‘ãwõn); suporto tristeza por causa do meu pecado” (Sl 38.18) – ele agora emprega para o seu louvor: “Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca manifestará (nagad) os teus louvores” (Sl 51.15).[6]
Calvino assim inicia o comentário do Salmo 32:
Havendo Davi extensa e penosamente experimentado quão miserável é sentir o peso da mão divina como resultado de pecados, exclama que a mais elevada e melhor parte de uma vida feliz consiste nisto: Deus perdoa a culpa humana e recebe a pessoa graciosamente em seu favor.[7]
Devemos nos alegrar em Deus, na sua soberania, graça, misericórdia e perdão. A grata adoração deve ser a nossa alegria:
Quando Deus, em qualquer tempo, nos socorre em nossa adversidade, cometemos injustiça contra seu nome se porventura nos esquecermos de celebrar nossos livramentos com solenes reconhecimentos.[8]
A desconsideração quase universal leva os homens a negligenciarem os louvores a Deus. Por que é que tão cegamente olvidam as operações de sua mão, senão justamente porque nunca dirigem seriamente sua atenção para elas? Precisamos ser despertados para este tema.[9]
A consciência da misericórdia que nos cerca deve vir acompanhada de gratidão que se expressa em louvor e obediência. O Espírito em nós é o agente de nossa adoração sincera, proveniente do coração, dirigida pelo Espírito e conforme a Palavra.[10] Obediência é a graça material da gratidão.
8) Sensibilidade espiritual para com a instrução de Deus (Sl 32.9). Atentemos para os ensinamentos de Deus de forma diretiva, preventiva e corretiva. Deus tem nos dado discernimento espiritual. Somente nós, homens e mulheres, somos a imagem de Deus. Busquemos na Palavra a direção para a nossa vida. Não negligenciamos a nossa condição de imagem de Deus nem as instruções que Ele nos dá.
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[1] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.1), p. 42.
[2]Vejam-se: Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 48. Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, p. 49). (Vejam-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 204; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 79.1), p. 250.
[3] Veja-se: Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 108-109.
[4]“Esta é a vantagem primordial das aflições, ou seja, enquanto nos tornam conscientes de nossa miséria, nos estimulam novamente para suplicarmos o favor divino” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 30.8), p. 635).
[5] O sentido básico é de “declarar”, “publicar”, “anunciar”, “manifestar, “expor”.
[6] “Bom ensino nos dá, pois, Davi quando declara que, tendo recebido nova bênção de Deus, foi posto em seus lábios um novo cântico (Sl 40.1-3). Com isso ele dá a entender que o nosso silêncio não estará isento de ingratidão, se deixarmos passar sem louvor alguma de Suas graças; visto que todas as vezes que Ele nos faz algum benefício, dá-nos motivo para bendizê-lo.” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 110).
[7]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32), p. 37.
[8]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 66.13), p. 630.
[9]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 66.5), p. 624.
[10]“Não podemos empregar nossas línguas para que deem louvor a Deus a menos que sejam elas governadas pelo Espírito Santo” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373). “Visto que não é suficiente que pronunciemos os louvores a Deus com nossos lábios, se também não procederem do coração” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 9.14), p. 195).