Um blog do Ministério Fiel
A Doutrina da Masculinidade e Feminilidade Bíblica
Sermão 9 da série A Teologia de John Piper
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. E a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez. Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia (Gn 1.26-31).
9.1 O que significa “complementaridade”?
Uma das ênfases teológicas de trinta anos de ministério da Igreja Batista Bethlehem é a maneira como entendemos os propósitos de Deus para como homens e mulheres se relacionam uns com os outros na família, na igreja e na sociedade. Se você quiser um nome para designar esse entendimento, nós diríamos que somos complementaristas — baseados na palavra “complemento”. Em outras palavras, acreditamos que, quando se trata de sexualidade humana, a maior demonstração da glória de Deus, a maior alegria das relações humanas e a maior fecundidade no ministério surgem quando as profundas diferenças entre homens e mulheres são abraçadas e celebradas como complementares um para o outro. Eles se completam e embelezam um ao outro.
A intenção com a palavra “complementarista” é localizar o nosso modo de vida entre dois tipos de erro: por um lado, os abusos das mulheres sob a dominação masculina e, por outro lado, a negação das diferenças de gênero, quando eles têm um significado belo. Isto significa que, por um lado, os complementaristas reconhecem e lamentam a história dos abusos das mulheres, pessoal e sistemicamente, e os males presentes, a nível global e local, da exploração e depreciação de mulheres e meninas. E, por outro lado, os complementaristas lamentam os impulsos feministas e igualitaristas que minimizam as diferenças, dadas por Deus, entre homens e mulheres e subvertem a ordem que Deus designou para o florescimento de nossa vida em união.
Assim, os complementaristas resistem aos impulsos de uma cultura chauvinista, dominadora e abusiva, de um lado, e dos impulsos de uma cultura sexualmente cega, unissex e que busca igualar os gêneros, do outro lado. E nós nos posicionamos entre esses dois modos de vida não porque o meio termo é um lugar seguro (enfaticamente não é), mas porque achamos que esse é o bom plano de Deus na Bíblia para homens e mulheres. “Muito bom”, como ele mesmo diz em Gênesis 1.
Na verdade, eu diria que a tentativa do feminismo de remediar o abuso masculino das mulheres, anulando as diferenças de gênero, sai pela culatra e produz milhões de homens que as mulheres não podem desfrutar por causa de sua impureza, ou não podem suportar por causa de sua masculinidade distorcida e brutal. Em outras palavras, se não ensinarmos meninos e meninas sobre a verdade, a beleza e o valor de suas diferenças, e como vivenciá-las, essas diferenças não amadurecem de maneiras saudáveis, mas de maneiras disfuncionais. E surge uma geração de jovens adultos que simplesmente não sabem o que significa ser um homem maduro ou uma mulher madura; e o preço cultural que pagamos por isso é enorme.
A maneira que eu gostaria de abordar isso é passar do geral para o específico: uma palavra sobre ser humano, uma ilustração sobre ser homem e ser mulher, e então um texto específico para mostrar as bases bíblicas.
9.2 A maravilha do ser humano
Deixe-me começar dizendo uma palavra sobre ser humano. Meu primeiro domingo em Bethlehem, 13 de julho de 1980, à noite, preguei uma mensagem intitulada, “A vida não é trivial”. Nele eu disse:
Todo ser humano de vez em quando sente um desejo de que a vida não se esvaia como o gotejar de uma torneira. Vocês todos provaram o desejo de que a vida cotidiana seja mais do que uma série de trivialidades. Este desejo pode lhe ocorrer quando você está lendo um poema, quando você está ajoelhado em seu quarto, quando você está de pé à beira do lago ao pôr do sol. Muitas vezes acontece no nascimento e na morte.
Eu citei Moisés de Deuteronômio 32.46-47: “Aplicai o coração a todas as palavras que, hoje, testifico entre vós, para que ordeneis a vossos filhos que cuidem de cumprir todas as palavras desta lei. Porque esta palavra não é para vós outros coisa vã; antes, é a vossa vida”.
Nas profundezas de todo ser humano criado por Deus, que carrega a insígnia da humanidade criada à imagem de Deus, há um anseio pela vida, para que ela não seja destituída de sentido. Não seja trivial, frívola, inconsequente. Li recentemente esta citação da escritora de romances policiais Agatha Christie (1896-1976):
Eu gosto de viver. Às vezes tenho sido descontrolada, desesperada e agudamente miserável e atormentada pela tristeza, mas, apesar de tudo, ainda sei muito bem que só o estar viva, já é uma coisa grandiosa.
Eu acho que isso é maravilhosamente verdadeiro. Ser um ser humano vivo é uma coisa grandiosa. Vocês não tiveram todos esses momentos raros e maravilhosos quando estão em pé perto de uma janela, ou porta, ou em qualquer lugar, e de repente, espontânea e poderosamente vem à consciência: eu estou vivo. Eu estou vivo. Não como uma árvore ou um coelho, mas como um ser humano. Estou pensando, sentindo, desejando, lamentando e sofrendo. Vivo. Feito segundo a própria imagem de Deus. E isso é uma coisa grandiosa?
Isso é uma coisa grandiosa. E parte da grandeza de ser um ser humano vivo e criado à imagem de Deus é que você é homem ou mulher. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27). Ninguém é um ser humano cujo gênero é indeterminado. Não existe tal coisa. Deus nunca pretendeu que tal coisa existisse. Deus cria seres humanos masculinos e seres humanos femininos. E isso é uma coisa grandiosa.
É uma distorção dessas naturezas humanas pensar que o único desígnio de Deus nas diferenças era fazer e cuidar de bebês. As diferenças são muitas e profundas demais para uma explicação tão superficial. Uma mulher é uma mulher para atender às profundezas de sua humanidade. E um homem é um homem para atender às profundezas de sua humanidade. E isso é uma coisa grandiosa. Então, meu primeiro ponto é que Deus fez uma grande coisa em nos fazer homem e mulher, à sua imagem. Não diminua isso. Deleite-se com isso. Alegre-se por estar vivo e por ser a pessoa masculina ou feminina que você é.
9.3 As funções de gênero não são sobre competência
Deixe-me criar uma ilustração para retratar algumas das diferenças entre masculinidade e feminilidade. Uma imagem pode valer mais que mil palavras — até a imagem de uma palavra.
Suponhamos que entre os jovens adultos de um campus universitário, um rapaz e uma mulher, digamos de 20 anos, iniciam uma conversa antes do culto de adoração. Ele gosta do que ouve e vê, e diz: “Há alguém sentado ao seu lado?”. Eles se sentam juntos. Eles percebem como os outros se envolvem com Deus na adoração.
Quando o culto termina e eles estão saindo, ele diz: “Você tem planos para o almoço? Eu adoraria levar você para almoçar”. Nesse ponto ela pode sinalizar que não está interessada: “Eu tenho alguns planos. Mas obrigado”. Ou ela pode sinalizar o contrário: “Eu tenho, mas deixe-me fazer uma ligação. Eu acho que posso mudá-los. Eu adoraria ir”.
Nenhum deles tem carro, então ele sugere que andem até um restaurante de uma avenida próxima, a cerca de 10 minutos da igreja. Enquanto caminham, ele descobre que ela tem uma faixa preta em artes marciais, e que é uma das melhores do estado. Enquanto caminham, dois homens bloqueiam seu caminho de modo ameaçador, e dizem: “Linda namorada, você é um cara de sorte. Queremos a bolsa dela e a sua carteira. Na verdade, ela é tão bonita que queremos ela”.
O pensamento passa pela cabeça dele: “Ela pode acabar com esses caras”. Mas, em vez de recuar um passo e esconder-se atrás dela, ele a pega pelo braço, puxa-a para trás e diz: “Vocês só tocarão nela se for sobre o meu cadáver”.
Quando eles o atacam, ele enfrenta os dois e diz a ela para correr. Eles o deixam inconsciente, mas antes que os dois homens saibam o que os atingiu, ela os nocauteia fazendo-lhes perder alguns dentes. Então uma pequena multidão se reúne. A polícia e a ambulância chegam e ela entra na ambulância com o jovem que começa a recuperar sua consciência. A caminho do hospital o seu principal pensamento é: esse é o tipo de homem com quem quero me casar.
O ponto principal dessa história é ilustrar que as diferenças mais profundas de masculinidade e feminilidade não são competências superiores ou inferiores. Há disposições ou inclinações bastante profundas escritas no coração, embora muitas vezes muito distorcidas. Observe três coisas cruciais.
Primeiro, ele tomou a iniciativa e perguntou se poderia sentar ao lado dela e se ela queria almoçar, e sugeriu o lugar e como chegar lá. Ela entendeu claramente o que ele estava fazendo e respondeu espontaneamente de acordo com seus desejos. Ela se juntou a dança. Isso não diz nada sobre quem tem competências superiores no planejamento. Deus escreve o impulso de liderar no coração de um homem e a sabedoria para discerni-lo e desfrutá-lo no coração de uma mulher.
Em segundo lugar, ele disse que queria levá-la para almoçar. Ele está pagando. Isso envia um sinal do jovem: “Acho que isso é parte da minha responsabilidade. Neste pequeno momento da vida, eu tomo a iniciativa, eu provejo”. Ela entende e aprova. Ela apoia a iniciativa e gentilmente aceita a oferta de ser servida por ele. Ela dá o próximo passo na coreografia. E isso não diz nada sobre quem é mais rico ou mais capaz de obter lucros. É o que o homem de Deus acha que deve fazer.
Terceiro, é irrelevante para a alma masculina que uma mulher com quem ele está tenha maiores competências de autodefesa. O seu profundo impulso masculino, dado por Deus, é protegê-la. Não é uma questão de competência superior. É uma questão de masculinidade. Ela viu isso. Ela não se sentiu menosprezada por isso, mas honrada, e ela amou.
No coração da masculinidade madura está o senso (disposição, inclinação) dado por Deus de que a principal responsabilidade (e não a responsabilidade exclusiva) está com ele quando se trata de liderança, provisão e proteção. E no coração da feminilidade madura está o senso (disposição, inclinação) dado por Deus que nada disso implica sua inferioridade, mas que será algo belo estar ao lado desse homem e alegremente afirmar e receber esse tipo de liderança, provisão e proteção.
9.4 O testemunho e aplicação de Efésios 5.22-33
Para aqueles que não concordam com essa visão complementarista, a crítica provável seria a de que tudo isso é determinado pela cultura. “Não é inato e não vem de Deus”. Eles diriam que complementaristas estão apenas refletindo o lar em que cresceram e os preconceitos de sua infância.
Agora, isso é possível. Todos trazem suposições e preferências para essa questão. A questão é: “Deus revela sua vontade sobre essas coisas em sua palavra?”.
Vamos olhar primeiro para um texto bíblico que lida com o casamento e, em seguida, um que lida muito brevemente com a igreja. Em ambos os textos, os homens sacrificiais, humildes, amorosos e semelhantes a Cristo devem assumir a responsabilidade primária pela liderança, provisão e proteção. E as mulheres são chamadas a vir ao lado desses homens, apoiar essa liderança e avançar o reino de Cristo com toda a gama de seus dons segundo os meios estabelecidos nas Escrituras.
Primeiro, um texto sobre casamento e a casa. Efésios 5.22-33:
As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido. Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo. [Então, citando Gênesis 2.24] Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja. Não obstante, vós, cada um de per si também ame a própria esposa como a si mesmo, e a esposa respeite ao marido.
Aqui estão quatro observações neste texto:
- O casamento é uma dramatização do relacionamento de Cristo com sua igreja. Versículo 32: “Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja”.
- Neste drama, o marido se espelha em Cristo e a esposa segue as instruções da vontade de Deus para a igreja. Versículo 25: “Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”. Versículo 22: “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja”.
- Assim, a principal responsabilidade pela iniciativa e liderança no lar deve vir do marido que está seguindo as instruções de Cristo, a cabeça. E está claro que isso não é sobre direitos e poder, mas sobre responsabilidade e sacrifício. Versículo 25: “Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”. Sem abuso. Sem nenhum homem mandão. Nenhum autoritarismo. Nenhuma arrogância. Aqui está um homem cujo orgulho foi quebrado por sua própria necessidade de um Salvador, e ele está disposto a levar o fardo da liderança que foi dado por seu Mestre, não importa quão pesada seja a carga. As mulheres piedosas veem isso e ficam contentes.
- Essa liderança no lar envolve o senso de responsabilidade primária de provisão física e proteção gentil. Versículo 29: “Porque ninguém jamais odiou a própria carne (isto é, sua esposa); antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja”. A palavra “alimenta” implica disposição provedora. E a palavra “cuida” implica em proteção gentil. Isto é o que Cristo faz por sua noiva. É isso que o marido piedoso sente ser a sua principal responsabilidade a ser desempenhada por sua esposa e família.
Assim, um complementarista conclui que a liderança bíblica para o marido é o chamado divino para assumir a responsabilidade primária de liderar, proteger e prover para o seu lar como um servo de Cristo. E a submissão bíblica para a esposa é o chamado divino para honrar e afirmar a liderança de seu marido e ajudar a realizá-lo de acordo com seus dons. “Uma auxiliadora que lhe seja idônea”, como diz Gênesis 2.18.
Não temos tempo para desenvolver os argumentos de como isso se aplica à igreja. Então, vou apenas fazer alguns comentários resumidos para que você possa saber como nós, enquanto complementaristas, entendemos isso. Em 1 Timóteo 2.12, Paulo diz: “Eu não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem”. No contexto, entendemos que a principal responsabilidade pela governança e pelo ensino na igreja deve ser assumida por homens espirituais. Estas são as duas funções que distinguem os presbíteros dos diáconos: governo (1Tm 5.17) e ensino (1Tm 3.2). Portanto, a maneira mais clara de aplicarmos essa passagem é dizer que os presbíteros da igreja devem ser homens espirituais.
Em outras palavras, uma vez que a igreja é a família de Deus, as realidades de liderança e submissão que vimos no casamento (Ef 5.22-33) têm suas contrapartes na igreja.
- “Autoridade” (em 1Tm 2.12) refere-se ao chamado divino de homens espirituais e com dons suficientes para assumir a responsabilidade primária como presbíteros, enquanto imitam a Cristo, liderando como servo e ensinando na igreja.
- E “submissão” refere-se ao chamado divino do resto da igreja, homens e mulheres, para honrar e afirmar a liderança e o ensino dos presbíteros, ser equipada por eles para as centenas e centenas de vários ministérios disponíveis aos homens e mulheres no serviço de Cristo.
Esse último ponto é muito importante. Pois para homens e mulheres que têm um coração para ministrar — para salvar almas, restaurar vidas arruinadas, resistir ao mal e atender pessoas necessitadas — existem campos de oportunidades que são simplesmente infinitos. Deus pretende que toda a igreja esteja envolvida no ministério, homem e mulher. Ninguém deve simplesmente ficar em casa assistindo novelas e esportes enquanto o mundo perece.
9.5 Um desafio específico para os homens
A visão bíblica da masculinidade e da feminilidade é um chamado para homens e mulheres perceberem que é uma coisa grandiosa ser um homem criado à imagem de Deus, e é igualmente grandioso ser uma mulher criada à imagem de Deus. Mas como o ônus da responsabilidade primária recai sobre os homens, deixe-me desafiá-los principalmente.
Há, porventura, uma visão moral para suas famílias, um zelo pela casa do Senhor, um compromisso magnífico pelo avanço do reino, um sonho articulado para a missão da igreja e um firme anseio de coração para torná-la real? Você não pode liderar uma mulher piedosa sem isso. Ela é um grande ser!
Existem centenas desses homens na igreja hoje. E outros mais são necessários. Quando o Senhor visita sua igreja e cria um poderoso exército de homens profundamente espirituais, humildes e fortes, semelhantes a Cristo, comprometidos com a palavra de Deus e com a missão da igreja, o vasto exército de mulheres se regozijará com a liderança desses homens e entrará em uma parceria alegre. E isso será uma coisa grandiosa.