Pelo que as mulheres lutam?

A luta das lutas

O Dia Internacional da Mulher é um dia em que o mundo é convidado a uma reflexão sobre direitos humanos, sexismo[1], estereótipos femininos, preconceitos e necessidades das mulheres. Esse é o cenário de uma luta por espaço, por igualdade e por liberdade, que acaba tirando o foco de uma luta ainda maior.

Nesse oceano de lutas por direitos que envolve, não somente as mulheres, mas várias classes tidas como oprimidas, o que conseguimos enxergar, é apenas a pontinha de um iceberg.

A questão dos direitos e da igualdade é uma grande e robusta rocha de gelo submersa que tem a base firmada em algo muito mais profundo. 

Existe a luta das lutas, que envolve não apenas o sexo feminino, mas toda a humanidade. A queda do homem, o pecado e tudo o que se desenrola após Gênesis 3, traça uma linha na areia que divide o “lado de Deus” e o “lado do inimigo”. O que precisamos é saber de que lado estamos e como lutamos a verdadeira guerra.

Muitas mulheres cristãs se perguntam qual é o seu papel em meio a esse contexto. É genuíno lutar pelos direitos das mulheres? O que eu devo fazer para contribuir com essa causa? O feminismo é a forma de lutarmos?

Como cristãs, somos chamadas a submetermos as nossa vida à Palavra de Deus. Isso significa que, se consideramos de fato as Escrituras como a verdade de Deus, tudo o que somos, pensamos e desejamos, deve ser norteado por ela. Uma forma de fazermos isso, é definindo biblicamente esses aspectos, alinhando-os à visão de Deus. 

 

Quem somos? 

Somo mulheres, criadas à imagem e semelhança de Deus, para termos um relacionamento com ele e com o próximo, o amando sobre todas as coisas e amando ao próximo como a nós mesmas. 

Como comunidade somos raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamarmos as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pe 2.9).

Qual é o nosso problema? 

O nosso maior problema é o pecado. Com a queda do homem, o pecado entra em cena e passa a nos governar, de forma que as nossas vontades passaram a ser escravas dele. O nosso problema não tem uma origem física, ele é espiritual, “porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.” (Ef 6.12) 

Qual é o nosso chamado? 

Somos chamadas a sermos santas e irrepreensíveis perante Deus (Ef 1.4). Também somos chamadas a nos revestirmos da armadura de Deus, para lutarmos. E mais uma vez eu quero te lembrar, nossa luta não é contra carne ou sangue, contra homens ou mulheres, por cargos ou espaço na sociedade. Há uma luta que é a causa de todas as lutas e eu e você precisamos estar atentas a isso.

 

Sabendo quem somos e o nosso propósito, fica mais fácil entender o que podemos e devemos fazer com relação às circunstâncias ao nosso redor. Muitas mulheres pensam que precisam ser famosas, ou ter algum tipo de “voz” na sociedade para fazerem a diferença. Mas eu quero te lembrar de duas mulheres bem simples, que fizeram a diferença na luta das lutas e que colhemos ainda hoje, os frutos da coragem e da ousadia dessas duas “pequenas” para os homens, mas grandes para Deus: Puá e Sifrá.

No capítulo 1 do livro de Êxodo, temos a história de como começou a escravidão dos hebreus no Egito. O verso 10 nos diz que o Faraó usa de astúcia para escravizar o povo e em seguida, para que o povo não se multiplicasse, “ordenou às parteiras hebreias, das quais uma se chamava Sifrá, e outra, Puá, dizendo: Quando servirdes de parteira às hebreias, examinai: se for filho, matai-o; mas, se for filha, que viva. e em seguida ordena que as parteiras matem os filhos homens que nascessem das hebreias (vs. 15-16).

Astúcia não é uma palavra estranha para quem já leu Gênesis, não é? Havia um animal astuto no Éden, se lembra? A serpente, mais sagaz (astuta) que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito. Sua sagacidade foi usada para distorcer a Palavra de Deus e enganar Eva. Sua astúcia tinha um alvo: destruir a criação de Deus, o mesmo alvo do Faraó.

E ao enganar Eva, a serpente de fato causou um enorme estrago. O pecado entra na humanidade e dificulta todas as coisas. Mas Deus, em todo o seu amor e misericórdia, não nos desamparou e junto com a maldição, nos deu graça e esperança.

Ao amaldiçoar a serpente, o Senhor disse: 

“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3.15-16). Temos um Salvador! Aquele que ferirá a cabeça da serpente! Louvado seja Deus! 

 

Mas a benção não parou por aí. Deus sabia que levaria tempo para que Jesus viesse ao mundo e assim, teríamos que lidar com inúmeras artimanhas da serpente ao longo da história. Por isso, Deus nos deu a graça – sim, a graça – de sermos inimigas da serpente. “Porei inimizade entre ti e a mulher”. Era disso que precisávamos para lutar.

Puá e Sifrá estavam diante de uma situação extremamente desafiadora. O próprio Faraó, aquele que carregava a imagem de uma serpente em suas vestes – o Ureu é um adorno em forma de serpente usado nas coroas de deuses faraós do Antigo Egito como símbolo de soberania   , dava a elas ordens que deveriam ser cumpridas. 

Aquelas mulheres eram escravas e deviam obrigações ao Faraó. Mas o texto nos diz que elas “não fizeram como lhes ordenara o rei do Egito; antes, deixaram viver os meninos.” (Ex 1.17) e o motivo pelo qual fizeram isso, está no início do verso 17: “As parteiras, porém, temeram a Deus”. Elas temeram a Deus mais do que temeram ao Faraó.

Diante dos nascimentos, o Faraó manda chamá-las e pergunta: “Por que fizestes isso e deixastes viver os meninos?”. Acredito que naquele momento, as duas tenham estremecido por dentro. Afinal, vida delas estava em jogo. Mas, diferente de Eva, elas preferiram ter as palavras de Deus como mais altas que a palavra da serpente. Elas criam na promessa de um salvador e fariam de tudo para que os meninos hebreus sobrevivessem – um deles poderia ser a semente prometida.

Ao responderem ao Faraó, aquelas mulheres usaram de sabedoria e disseram que as mulheres hebreias eram diferentes das egípcias e que “antes que lhes chegue à parteira, já deram à luz os seus filhos.” Elas foram mais sábias que a serpente. E o texto diz que “Deus fez bem às parteiras; e o povo aumentou e se tornou muito forte.” (v. 20). 

 

Aquelas mulheres, escravas, insignificantes aos olhos dos homens, subjugadas e maltratadas, decidiram renunciar a si mesmas e às suas lutas pessoais, colocando as próprias vidas em risco, por uma luta muito maior: à espera do Salvador. Moisés nasceu e fez parte da história da redenção. Aleluia!

Como elas, outras mulheres na Bíblia fizeram o mesmo. Tiveram que ser mais sábias que seu inimigo. Se voltarmos à genealogia de Jesus em Mateus 1, veremos mulheres que, se fossem definidas pelos seus papéis ou direitos na sociedade, jamais estariam ali relacionadas. Mulheres pequenas e sem voz diante dos “grandes do mundo”, mas movidas pela promessa do Salvador, movidas pelo temor do Senhor e não pelo temor de homens.

A história dessas mulheres diz muito sobre nós, hoje. Qual é de fato a minha e a sua motivação nas lutas em que entramos? Será que o nosso desejo é de que vivamos em paz e unidade, ou será o mesmo desejo de Eva, de sermos o Eu Sou? Um desejo de não termos ninguém acima de nós (nem sequer ao nosso lado). Um desejo de sermos livres do outro, mas que nos leva a sermos presas a nós mesmas e ao nosso grande ego.

Hoje a nossa luta não é para que venha o Salvador. Ele já veio, morreu pelos seus, ressuscitou, está à destra do Pai e voltará para buscar a sua igreja. A nossa luta também não mudou de foco, continua a ser espiritual e não carnal. 

 

Mas então, pelo que lutamos? 

Lutamos para que o Evangelho seja pregado a toda criatura. Lutamos para que o mundo veja que não somos cidadãs dessa terra, mas que somos peregrinas rumo a uma esperança viva e que nos move diante de tantas circunstâncias desafiadoras. Lutamos em meio à Babilônia, esperando pelo dia em que tudo chegará ao fim.

Direitos humanos, sexismo, estereótipos femininos, preconceitos e necessidades das mulheres, são apenas o efeito, o sintoma. A causa é mais profunda e dolorosa. Não faremos diferença sendo mais uma em meio à multidão de vozes do mundo. Mas faremos a diferença amando ao próximo como Cristo nos amou. Faremos a diferença nos posicionando do lado de Deus e não do inimigo. Faremos a diferença quando as nossas palavras e atitudes forem temperadas com o sal do Evangelho. Faremos a diferença quando não nos prostrarmos a nós mesmas.

Por mais Puás e Sifrás, por mais coragem, ousadia e sabedoria diante dos Faraós que se levantam para dar ordens, seduzir e distorcer a Palavra de Deus. Por mais temor a Deus e menos temor a homens.


[1] Atitude, discurso ou comportamento, que se baseia no preconceito e na discriminação sexual: a exaltação exagerada do masculino ou do feminino é uma forma de sexismo. (https://www.dicio.com.br/sexismo/)

Por: Fabiana Linhares. © Voltemos Ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão: Vinicius Lima. Editor: Renata Gandolfo.