Senhor e Rei Glorioso

A glória de Deus na revelação de sua majestade e santidade

Portanto, se queremos ter um só e único Deus, lembremo-nos de que, na verdade, não se deve subtrair de sua glória nem sequer uma partícula, senão que deve conservar para ele o que é seu por direito. – João Calvino.[1]

                                                                                                                                 

            “7Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. 8Quem é o Rei da Glória (kabod)? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. 9Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória (kabod). 10Quem é esse Rei da Glória (kabod)? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória (kabod)(Sl 24.7-10).

 

            “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória (kabod), por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade” (Sl 115.1).

 

Os textos acima juntamente com mais alguns outros dos quais me valerei, são apenas uma pequena amostragem de como as Escrituras nos estimulam e convidam a glorificar a Deus. A glória pertence a Deus e, por extensão ao seu reino, visto que Ele mesmo não é glorioso pelo seu reino, mas, o seu reino e reinado são grandiosos porque Deus é o Rei da glória.

A glória não está originariamente no que Deus realiza, mas, no fato de Deus ser autoglorioso e, por isso mesmo, realizar obras gloriosas.

Não há relação que possamos fazer por nós mesmos para descrever, mensurar, ou mesmo, comparar à santidade de Deus. Podemos nos valer daquelas relações que Ele mesmo faz, estabelecendo uma conexão a fim de que possamos entender, limitada, porém, genuinamente, aspectos de sua Glória.

Por isso, quando a palavra santo se refere a Deus, relaciona-se com a sua Majestade. Ele não se confunde com a sua criação. Ele a transcende qualitativamente em todos os modos. Ele está acima de tudo o que existe. E tudo que existe é sustentado por Deus.

“A santidade de Deus, dessa forma, se torna uma expressão da perfeição do seu ser, a qual transcende todasm  as criaturas”, comenta Naude.[2] Somente Ele é absolutamente santo; não há nem haverá outro.[3] Portanto, somente o Senhor é o Rei Glorioso.

A glória de Deus é uma expressão de sua santidade. Deus é santo e a visibilidade de sua santidade é chamada de glória.

Piper, provavelmente inspirado em Motyer (1924-2016),[4] escreve:

 

A glória de Deus é a manifestação de sua santidade. A santidade de Deus é a perfeição incomparável de sua natureza divina. Sua glória é a exibição dessa santidade. (…) A santidade de Deus é sua glória oculta. A glória de Deus é a sua santidade revelada.[5]

 

Bavinck comenta:

Para essa glorificação de si mesmo Deus não precisa do mundo, pois não é a criatura que independente e suficientemente exalta a honra de Deus; pelo contrário, é Ele que, por meio de suas criaturas ou sem elas, glorifica seu próprio nome e revela-se a si mesmo. Deus, portanto, nunca procura a criatura para encontrar algo de que esteja precisando.[6]

 

Glória Excelsa revelada a todos os povos

Escreve o salmista: Excelso (rum) (= exaltado) é o SENHOR, acima de todas as nações, e a sua glória (kabod), acima dos céus” (Sl 113.4/Sl 138.5-6).

A natureza, ainda que relativamente de forma diminuta, expressa aspectos da glória do Rei eterno evidenciando o seu glorioso poder entre todas as nações: “Os céus anunciam a sua justiça, e todos os povos veem a sua glória (kabod) (Sl 97.6).

Em toda a terra a glória de Deus é manifesta: “Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória (kabod) (Sl 108.5).

A glória da criação não se compara à glória de Deus

Por mais gloriosa que seja a criação de Deus − mesmo antes da Queda − expressando aspectos do seu Criador, tais como: beleza, grandeza, soberania, sabedoria, harmonia e bondade, ela não se compara ao Criador que é extremamente mais glorioso do que toda a criação. A beleza pura, plena e consumada só temos absolutamente em Deus.

Por isso, a obra de Deus não é um ato isolado de sua glória ou um ato de “superação” – como a de um artista que se supera na criação de sua “obra-prima” –, antes é a expressão compreensível a nós de sua transcendente glória que ultrapassa totalmente à nossa capacidade de compreensão (Rm 11.33-36/Jó 36.22,26; 37.5,16).

A glória de Deus está expressa em tudo o que realiza. A natureza de Deus se evidencia em todas as suas realizações. Porém, como acentua Allen:

 

Essas relações conosco não conseguem revelar e não revelam a essência divina para nós; pois a criação é um efeito de Deus. A encarnação e nossa recepção da nova vida que vêm dela também são resultados da ação de Deus. Todos estes efeitos de Deus não esgotam a magnitude de sua fonte. Um efeito, mesmo grande, não pode revelar a plena extensão ou natureza de sua fonte inexaurível. Assim, até mesmo nos atos de criação e redenção, a natureza essencial de Deus, ou Seu ser não é conhecível. Embora essa natureza essencial esteja presente, e presente de maneira inédita na encarnação, nós não podemos compreendê-la plenamente. As ações de Deus nunca exaurem a natureza divina, e nós conhecemos a Deus somente quando Ele age ou se relaciona conosco.[7]

 

A glória de Deus por pertencer essencialmente a Ele, sendo-lhe inerentemente ontológica, não lhe é atribuída, acrescentada, diminuída ou mesmo esgotada em sua complexidade;[8] é-lhe totalmente intrínseca. Por isso, de nada carece fora de si mesmo: permanece inalterada em tudo que criou e preserva.[9] Nada nem ninguém lhe comunica glória.

Ele é o Rei, o Senhor e Pai da Glória (Sl 24.7-10; At 7.2; Ef 1.17)[10]que, por meio de seu Filho, nos dizeres de Calvino, “vestido de nossa carne, se revelou agora para ser o Rei da glória e Senhor dos Exércitos”.[11] (1Co 2.8; Tg 2.1/Jo 1.14).[12]

Schreiner está correto ao declarar: “Eu definiria a glória de Deus como a beleza, majestade e grandiosidade de quem Ele é; portanto, a grandiosidade de seu ser é demonstrada em tudo o que Ele faz, quer na salvação quer no julgamento”.[13]

A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão decidido, doce e acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[14]

Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (kurios) da glória”, maravilha-se Calvino. (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5).

Os nossos cânones intelectuais, sociais e culturais não conseguem por si só enxergar a majestade do Filho visto que não temos como mensurar o incomensurável. Como essa é também uma questão essencialmente espiritual, Satanás está comprometido com o velamento de nosso entendimento para que a Glória do Filho revelada no Evangelho não resplandeça a nós: “O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4).

Como reafirmado, a realidade, os fenômenos gloriosos da criação envolvendo os homens e os animais, revelam a glória de Deus.

Deus criou todas as coisas, inclusive a Igreja, para a sua Glória. “Glória é excelência manifestada. A excelência dos atributos de Deus é manifestada por sua operação”, diz Hodge (1823-1886).[15]

A igreja e a glória de Deus

Como vimos, a criação exibe aspectos da glória divina, porém, a Igreja é uma expressão especial, como comenta Calvino: “Ainda que Deus seja suficiente a si mesmo e se satisfaça exclusivamente consigo mesmo, não obstante quer que sua glória se manifeste na Igreja”.[16]

O alvo final de todas as coisas é a glória Deus. Nada é mais elevado ou importante do que o próprio Deus. Há aqui um desafio extremamente difícil para todos nós individualmente e para a Igreja como um todo: renunciar a nossos interesses aparentemente mais relevantes (aliás, em nossa ótica, o que há de mais importante do que os nossos interesses?) pelo que, de fato, é urgentemente relevante em sua própria essência: Reconhecer a glória de Deus manifestada em sua criação, Palavra e atos na história.

 

Clique AQUI para ver os demais artigos da série!
Clique AQUI para conhecer os excelentes livros de Hermisten Maia pela Editora Fiel.


[1]João Calvino, As Institutas I.12.3.

[2]Jackie A. Naude, Qds: In: Willem A., VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 876.

[3] “Sua santidade é sua essência divina totalmente única, transcendente, pura, a qual, em sua singularidade, tem valor infinito. Ela determina tudo quanto ele é e faz e não é determinada por ninguém. A sua santidade é o que ele é como Deus, o que ninguém mais é nem nunca será” (John Piper, Na sala do trono: In: Kathleen B. Nielson; D.A. Carson, orgs. Este é o nosso Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 61).

[4]“A santidade é a glória escondida de Deus; a glória é a santidade onipresente de Deus” (Alec J. Motyer, O Comentário de Isaías, São Paulo: Shedd, 2016, p. 101).

[5]John Piper, Na sala do trono: In: Kathleen B. Nielson; D.A. Carson, orgs. Este é o nosso Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 61,62.

[6]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 183.

[7]Diógenes Allen; Eric Springsted, Filosofia para entender Teologia,  3. ed., Santo André, SP.; São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010, p. 25-26. Calvino, escrevera: “Ora, visto que a majestade de Deus, em si mesma, vai além da capacidade humana de entendimento e não pode ser compreendida por ela, devemos adorar sua grandiosidade em vez de investigá-la, a fim de não permanecermos extasiados por tão grande esplendor. Assim, devemos buscar e considerar Deus em suas obras, que as Escrituras chamam de representações das coisas invisíveis (Rm 1.20; Hb 11.1), visto que estas obras representam, para nós, aquilo do Senhor que de outra forma não podemos ver. Ora, isso não mantém nosso espírito suspenso no ar através de especulações frívolas e vãs, mas é algo que devemos conhecer e que gera, nutre e confirma em nós uma piedade verdadeira e sólida, ou seja, uma fé unida ao temor reverente” (João Calvino,  Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 3, p. 13).

[8]“Pois se homens e anjos juntassem sua eloquência em função deste tema, ainda assim tocariam mui diminutamente em sua imensurabilidade” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.14), p. 39).

[9]Veja-se: João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.36), p. 430.

[10]“Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é o Rei da Glória? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é esse Rei da Glória? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória(Sl 24.7-10). “Estêvão respondeu: Varões irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã” (At 7.2). “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17). (Destaques meus).

[11]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 24.8), p. 536.

[12]“Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória (do/ca) (1Co 2.8). Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória (do/ca), em acepção de pessoas” (Tg 2.1). “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória (do/ca), glória (do/ca) como do unigênito do Pai” (Jo 1.14).

[13]Thomas R. Schreiner, Uma Teologia bíblica da glória de Deus: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 262.

[14] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

[15]A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 223.

[16]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.