O Senhor é Justo Juiz

Ele irá julgar com justiça e retidão toda terra

Por meio de uma figura, Salomão demonstra como é criterioso e preciso o exame do Senhor. Ele esquadrinha inteiramente o nosso coração: “O crisol prova a prata, e o forno, o ouro; mas aos corações (lebh) prova (bahan) o SENHOR” (Pv 17.3/Jr 17.10).[1]

Deus conhece as nossas motivações e intenções. Escreve Salomão:

 

Se disseres: Não o soubemos, não o perceberá aquele que pesa (takan) (medir, examinar, considerar, calcular a grandeza)[2] os corações (lebh)? Não o saberá aquele que atenta para a tua alma? E não pagará ele ao homem segundo as suas obras? (Pv 24.12).

 

O juízo de Deus está relacionado a este conhecimento:

Enganoso é o coração (lebh), mais do que todas as cousas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração (lebh), eu provo (bahan) os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto de suas ações. (Jr 17.9-10).

 

Por isso, o conforto do salmista: “Deus é o meu escudo; ele salva os retos de coração (lebh) (Sl 7.10).

Esta é a alegria própria dos retos de coração: “Alegrai-vos no SENHOR e regozijai-vos, ó justos; exultai, vós todos que sois retos de coração (lebh) (Sl 32.11).

Assim, o salmista que inicia o salmo (Sl 7) rogando a salvação de Deus, conclui rendendo graças ao Senhor se alegrando na sua justiça: “Eu, porém, renderei graças ao SENHOR, segundo a sua justiça, e cantarei louvores ao nome do SENHOR Altíssimo” (Sl 7.17).

Deus é o padrão absoluto

Portanto, quando falamos de Deus, afirmando que Ele julga com justiça, significa que há um padrão ético e moral para os seus atos. O padrão de Deus é o seu caráter santo e perfeito. A manifestação externa de seu juízo é perfeitamente conforme à sua justiça essencial; ou seja: é sempre uma expressão coerente do seu caráter santo. Por isso, a justiça consiste na constante vontade de Deus de dar a cada um o que lhe é devido.[3]

A retidão de Deus é consoante à sua justiça. Em Deus não há injustiça porque Ele sempre age de modo coerente com a sua própria natureza que é santa, perfeita e justa. Portanto, o juízo de Deus não é presunçoso ou leviano, antes é resultado do seu governo soberano. “A justiça de Deus nunca está separada de sua retidão. (…) Sua justiça é perfeita”, resume Sproul (1939-2017).[4]

Ele é Rei autônomo

Como vimos, Ele é Rei. O seu trono está fundamentado na sua autonomia eterna. O trono é de Deus, não é derivado de autoridade alguma fora dele mesmo. Existe trono porque Deus é o Rei. É Ele quem sustenta o direito e se assenta no seu trono com autoridade própria para julgar: “no trono te assentas e julgas” (Sl 9.4).

Por isso, toda autoridade está sob a autoridade de Deus. Existe autoridade porque Deus é o seu Autor. (Jo 10.18; Rm 9.21; 13.1).[5]

Pilatos, com sentimentos confusos diante do nosso Senhor, o adverte prepotentemente em seu interrogatório: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade (exousia) para te soltar e autoridade (exousia) para te crucificar?” (Jo 19.10).

Ao que o Senhor Jesus, totalmente confiante na soberania de Deus e fiel no cumprimento do Pacto da Graça, responde ressaltando a injustificada arrogância de Pilatos que tinha autoridade delegada por seus superiores − que na mesma condição dele −, teriam de prestar contas a Deus: “Nenhuma autoridade (exousia) terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11).

Mesmo as maldades dos homens não escapam ao propósito de Deus. Todos são responsáveis pelos seus atos. Isso traz grande consolo para nós e, ao mesmo tempo, uma advertência: os nossos possíveis atos de perseguição, difamação e calúnia, não passam desapercebidos diante do reto Juiz. (Gn 45.7-8/Gn 50.19-20).

Juízes devem se lembrar de Deus

Por isso é que os juízes devem se lembrar em suas sentenças, que em última instância, o juízo é de Deus. Portanto, eles devem julgar com integridade conforme os padrões de Deus.

É neste sentido que Moisés instrui os juízes de Israel: “Não sereis parciais no juízo, ouvireis tanto o pequeno como o grande; não temereis a face de ninguém, porque o juízo (mishpat) é de Deus” (Dt 1.17).

Independentemente dos juízos humanos, que podem ser expressão do juízo de Deus, Ele, Ele mesmo julga o mundo. O juízo definitivo é Dele. Deste modo, o burlar a lei ou ser injustiçado, nunca passa despercebido por Deus. O Senhor é quem julga! Como dissemos, isto traz conforto e responsabilidade.

Retidão consoante com sua justiça

Reafirmando o que vimos, podemos destacar: A retidão de Deus é consoante à sua justiça. A justiça é a manifestação do seu caráter essencialmente santo. Deus é justo em todos os seus atos. Não se desvia de seu próprio padrão que é decorrente de sua santidade. A prática da justiça, que pode ser chamada de retidão, significa agir conforme o caráter de Deus, aquele que é justo absolutamente.

Deus é o próprio padrão: “Deus é fidelidade, e não há nele injustiça: é reto e justo (tsadiyq)(Dt 32.4). “Ele mesmo julga (shaphat) o mundo com justiça; administra (diyn) os povos com retidão (meshar) (Sl 9.8), escreve o salmista.

O trono do Senhor está fundamentado em sua própria natureza santa, verdadeira e justa. É deste modo que Ele governa: Justiça (tsedeq) e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem” (Sl 89.14).

Deste modo, “a maior desonra que alguém poderia lançar sobre seu nome é a de contestar sua justiça”, interpreta Calvino.[6]

Não há injustiça nos mandamentos de Deus. Não há contradição, equívocos ou parcialidade. Todos são igualmente justos. Essa convicção bíblica deve estimular o nosso louvor conforme vivenciou o salmista: “A minha língua celebre a tua lei, pois todos os teus mandamentos são justiça (tsedeq) (Sl 119.172).

Podemos, portanto, dizer que a justiça é a exteriorização da santidade de Deus em suas relações com as suas criaturas conforme revelada nas Escrituras.

A justiça de Deus se caracteriza por sua ação coerente com a sua natureza eterna e perfeita. Ele nos instrui por meio de caminhos justos. Os caminhos do Senhor são coerentes com a sua natureza justa e correta. Os seus atos são sempre retos.

Deus julga com justiça porque Ele, como o seu Filho, ama a justiça e aborrece a iniquidade: “Amas a justiça (tsedeq) e odeias a iniquidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros” (Sl 45.7/Hb 1.8-9).

Deísmo, Panteísmo e Panenteísmo

O salmista parte de uma certeza: o mundo não está entregue ao acaso ou ao governo dos homens. Como vimos, Deus compartilha com o homem o seu poder, contudo, não renunciou a sua soberania. Aqui não há espaço para nenhum tipo de Deísmo (Deus distante da Criação), Panteísmo (Deus se confunde com a matéria),  Teísmo Finito (Deus é bom, mas, limitado pelo mal) ou Panenteísmo[7] (“Tudo está em Deus”).[8]

Como criador, preservador e proprietário de todas as coisas, Ele governa e julga com justiça: Justo (tsadiyq) é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras” (Sl 145.17).

O salmista, confiante na justiça de Deus, ora: “Julga-me, SENHOR, Deus meu, segundo a tua justiça (tsedeq); não permitas que se regozijem contra mim” (Sl 35.24).

Os servos de Deus em todos os momentos têm a certeza de quem é o seu Senhor e, portanto, podem professar sua fé:  Justo (tsadiyq) és, SENHOR, e retos, os teus juízos” (Sl 119.137). 4Porque sustentas o meu direito e a minha causa; no trono te assentas e julgas (shaphat) retamente (tsedeq). (…) 8Ele mesmo julga o mundo com justiça (tsedeq); administra os povos com retidão (meshar)[9] (Sl 9.4,8).

A insuficiência das leis

A certeza de que há leis e de que somos governados por meio delas, não basta para nos fazer sentir confiantes em todo tempo.

Muitas vezes as nossas causas nos parecem tão pequenas − perdidas entre tantas e tantas outras de maior proporção ou de maior importância conforme o grau de interesse de quem compete julgar −, que nem alimentamos grande esperança, tendendo a assumir uma inércia lastimosa.

Nesses casos cultivamos uma espécie de ceticismo resultante da convicção, sempre ilustrada, de que não há espaço para a justiça. A generalização indevida é pródiga na fomentação do ceticismo que, por sua vez, só retroalimenta a nossa insatisfação e a satisfação de a disseminarmos de forma corrosiva entre os crentes.

O salmista, no entanto, afirma que o Deus que rege as nações e julga o mundo com justiça, também sustenta o seu direito e a sua causa (Sl 9.4). Ou seja: Deus cuida pessoalmente de nós e de nossas causas; nada fica esquecido ou perdido em meio aos “papeis” e “processo”. Por isso, o salmista dizer: “Sei que o SENHOR manterá a causa (diyn) do oprimido (`aniy) e o direito (mishpat) do necessitado (‘ebyon)(Sl 140.12).

Em outro salmo, o escritor exulta: “Reina o SENHOR. Ele firmou o mundo para que não se abale e julga (diyn) os povos com equidade” (Sl 96.10).

Boice (1938-2000) comenta:

 

Há dois aspectos sobre os quais esta estância fala do reinado de Deus. 1. Deus governa toda a história atualmente. Às vezes é difícil apreciar este fato porque há muita injustiça e violência no mundo. Não obstante, Deus de fato governa no sentido de que, tanto põe em cheque o mal, como também intervém de tempo em tempo para julgá-la na história. (…) 2. Deus vai julgar as nações do mundo com perfeita justiça no futuro.[10]

 

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[1]Vejam-se também: Sl 26.2; 66.10; 139.23; Pv 21.2; 24.12.

[2] Para uma discussão a respeito da origem e significado da palavra, vejam-se:   M. Delcor, Medir: In: E. Jenni; C. Westermann, Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 2, p. 1306-1310; Bruce K. Waltke, Takan: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1640-1641.

[3] Cf. François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 315.

[4] R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 121.

[5] Cf. R.C. Sproul, Eleitos de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 19-20.

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 50.21), p. 417.

[7] Termo criado pelo filósofo alemão, discípulo de Kant, Friedrich Krause (1781-1832) em 1828. Com esse termo ele desejava identificar o seu sistema distinguindo-o do panteísmo e do teísmo. Tudo estaria em Deus mas, Deus não se limitaria ao mundo.

[8]Veja-se: W. Gary Crampton; Richard E. Bacon, Em Direção a uma Cosmovisão Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 93-106; Cosmovisão: In: Norman Geisler, Enciclopédia de apologética, São Paulo: Vida, 2002, (2. impressão), p. 188-189. Horton sugere que o panteísmo/panenteísmo tem sido o rival mais dominante da fé bíblica desde a Antiguidade (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 41).

[9]A palavra retidão significa, entre outras coisas: Sinceridade (1Cr 29.17); Equidade (Sl 17.2; 96.10; 98.9; 99.4; Pv 1.3; 2.9); Retamente (Sl 75.2); Coisas retas (Pv 8.6; 23.16); Suavidade (Pv 23.31; Ct 7.9); Caminho plano (Metaforicamente) (Is 26.7); Reto (Is 33.15); Direito (Is 45.19); Concórdia (Dn 11.6).

[10] James M. Boice,  Psalms 42-106,  Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1996, v. 2, p. 786-787.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.