Um blog do Ministério Fiel
O Senhor que concede perdão sem minimizar o pecado
O realce da misericórdia divina em seu perdão
O sentido básico do perdão
Perdoar significa considerar o devedor como se não houvesse ofendido em nada; não lhe imputar nenhuma dívida. Por isso mesmo, após o perdão, o devedor deixou de ser um devedor, ou mesmo, um devedor perdoado, para ser apenas uma pessoa, sem maiores adjetivos nesse sentido.
Desse modo, tanto a ofensa quanto o perdão já não contam mais. Com o perdão de Deus o nosso relacionamento com Ele é restabelecido. Deus nos toma para si como seus filhos.
Não menosprezemos ou subestimemos o perdão. Isso seria um equívoco gravíssimos. O perdão de Deus, longe de minimizar o pecado e a sua gravidade, realça a misericórdia de Deus que cobre todas as nossas faltas.
A petição, “perdoa-nos as nossas dívidas”, ensinada por Jesus Cristo por meio do Pai Nosso, significa que nós, admitindo o nosso pecado, pedimos a Deus que pela sua misericórdia não nos considere como de fato somos: devedores dignos de castigo.
A descrição bíblica do perdão no Antigo Testamento.
O Antigo Testamento usa três termos principais (e seus cognatos) para descrever o perdão:[1]
a) (Kâphar) – palavra de origem desconhecida –, que significa, “reconciliar”, “cobrir”, “purgar”, “expiar”, “perdoar”. Esta palavra está ligada ao sacrifício, indicando que alguma expiação foi efetuada. (Ex 32.30; Lv 8.15; Nm 5.8; Dt 21.8 (duas vezes); 2Sm 21.3; Sl 65.3; 78.38; 79.9; Is 6.7; Is 22.14; 43.3; Jr 18.23; Dn 9.24; Ez 16.63; 45.20).
b) (Nâshâ’)[2] tem o sentido de “elevar”, “carregar”, “remover”, “levar embora”, “remir”, “levantar”, “cobrir”, “livrar”. Este termo, que é usado de modo figurado e literal, apresenta de forma metafórica a ideia de que o pecado cometido foi levantado e carregado (removido) para longe; esquecido. (Gn 18.26; 50.17; Ex 10.17; Jó 11.6; Sl 25.18; 32.1,5; 85.2; Is 2.9; 33.24; 44.21).
A sensação do homem não perdoado pode ser personificada nas palavras de Caim após sua condenação, descrevendo o peso que está sobre seus ombros; na sua consciência: “Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo (nâshâ’)” (Gn 4.13).
A palavra acentua a responsabilidade do homem pelo seu pecado; um peso merecido, fruto de sua desobediência.
No Salmo 32 Davi inicia o salmo com uma declaração de felicidade em sua comunhão restaurada com Deus, fruto do misericordioso perdão: “Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada (nâshâ’)” (Sl 32.1).
No verso 5, reafirma a sua prazerosa certeza: “Tu perdoaste (nâshâ’) a iniquidade do meu pecado” (Sl 32.5).
O salmista, que experimentou isso intensamente, suplica pelo perdão, considerando que a consciência de seus pecados lhe traz grande sofrimento, conforme expõe em outro salmo: “Considera as minhas aflições e o meu sofrimento e perdoa (nâshâ’) todos os meus pecados” (Sl 25.18).
Por isso, o pecador consciente e arrependido tem como maior desejo espiritual o perdão de seus pecados;[3] a cura para sua alma. De fato, não há nada de que mais necessite.[4]
As Escrituras que descrevem a gravidade e intensidade de nosso pecado, nos mostra também, de forma alentadora, a provisão misericordiosa de Deus. Em passagem singular, única e fundamental, Deus por meio de Isaías, nos diz que o Senhor levou sobre si os nossos pecados. Ele carregou o peso de nossas culpas, tomando para si o ônus de nossos pecados.
Aqui, portanto, temos uma obra substitutiva e, por isso mesmo, redentora:
Certamente, ele tomou (nâshâ‘) sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. (Is 53.4/Mt 8.17).
Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou (nâshâ‘) sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu. (Is 53.12).
No Novo Testamento João Batista dá testemunho do Senhor Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Do mesmo modo, o apóstolo João testifica: “Sabeis também que ele se manifestou para tirar os pecados, e nele não existe pecado” (1Jo 3.5).
O perdão aqui significa a remoção de nossos pecados e de nossa culpa. O Senhor Jesus levantou o nosso pecado de sobre os nossos ombros e o levou para longe. Agora estamos em paz com Deus; fomos reconciliados.
c) Sâlah, “Perdoar”, “esquecer”, “desculpar”. (Ex 34.9; Lv 4.20,26,31; 5.6,10,13; 1Rs 8.34,36,39; Sl 25.11; 130.4; Is 55.7). No livro do profeta Jeremias, encontramos a celebração jubilosa do futuro perdão de Deus, relacionado com a Nova Aliança (Vejam-se: Jr. 31.31-34; 33.8; 50.20/Hb 8.6-13).
Enquanto Nâshâ’ é utilizado para o perdão concedido por Deus, bem como pelo homem, Kâphar e Sâlah são empregados exclusivamente para o perdão de Deus.
O Antigo Testamento enfatiza que todo pecado exige expiação, e esta é feita por meio do derramamento de sangue (Lv 17.11/Hb 9.22). Isso não significa que o sacrifício tivesse em si mesmo poder para remir o pecador, mas, ele adquire esse valor porque foi o método estabelecido por Deus para perdoar,[5] por meio do qual o homem, quando agia sinceramente conforme as prescrições divinas, indicava o seu arrependimento e obediência ao caminho proposto por Deus.
O ritual sem um coração sincero de nada adiantava. Por isso mesmo as constantes admoestações de Deus quanto a uma prática apenas externa, destituída do sentimento correto (Vejam-se: Is 1.10-17; Am 5.21-22).
Os sacrifícios no Antigo Testamento apontam, especialmente demonstrado a partir de Isaías, para a vinda do Messias, O Servo de Deus, que daria a sua vida em resgate do seu povo. (Vejam-se: Is 40-42; 52.13-15; 53; 55). O sacrifício de Cristo indica aspectos contundentes de seu amor, o triste significado de nossa desobediência, a justiça de Deus e a sua misericórdia gloriosa.
O perdão no Novo Testamento
O Novo Testamento emprega quatro palavras principais para descrever o perdão:
a) Páresis, “Remissão”, “não levar em conta”, “deixar passar”, “mandar embora”, “passar por cima” (* Rm 3.25).
b) Aphíëmi, “Deixar ir”, “enviar”, “soltar”, cancelar”, “desistir”, “abandonar” (Mt 4.11; 6.12; 12.31-32; 18.12,21,27,32, 35; Mc 2.5,7). O substantivo (Aphesis), “Desobrigação”, “perdão”, “libertação”, “cancelamento” (Mt 26.28; Mc 1.4; At 2.38; Ef 1.7; Cl 1.14; Hb 9.22.
c) O verbo Apolyõ, “Libertar” (de doenças, um prisioneiro) “perdoar”, “livrar”, “despachar” (uma assembleia, turbas, indivíduos). (Mt 5.31,32; 14.15;15.23; 27.15,17,21,26; At 19.40; 28.18,25; Hb 13.23). Somente em Lc 6.37 tem o sentido claro de perdoar (Ocorre 68 vezes no NT).
d) Charízomai, “Mostrar favor ou bondade”, “dar como favor”, “ser gracioso com alguém”, “perdoar”. (Lc 7.42,43; At 27.24; Rm 8.32; 2 Co 2.7,10; Ef 4.32; Cl 2.13; 3.13) (empregada 21 vezes no NT). Neste verbo aparece de modo explícito o nosso dever de perdoar como resultado do perdão concedido por Deus.
Iniciativa de Deus
O perdão é descrito sempre nas Escrituras como sendo uma iniciativa de Deus. Ele mesmo em textos diferentes nos diz:
Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro. (Is 43.25).
Desfaço as tuas transgressões como a névoa, e os teus pecados como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi. (Is 44.22).
Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniquidade, e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia. Tornará a ter compaixão de nós; pisará aos pés as nossas iniquidades, e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar. (Mq 7.18-19).
Perdoarei as suas iniquidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei. (Jr 31.34). (Vejam-se: Jr 5.1; 33.8; Ez 36.25).
O perdão é um favor de Deus, uma prerrogativa sua, não algo a que temos direito por nossos merecimentos. Daniel, diz: “Ao Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão” (Dn 9.9/Sl 130.4).
“Deus (…) é rico em perdoar” (Is 55.7). Portanto, “Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não atribui iniquidade e em cujo espírito não há dolo” (Sl 32.2).
Grider (1921-2006) nos chama a atenção para o fato de que “nenhum livro de religião, a não ser a Bíblia, ensina que Deus perdoa completamente o pecado”.[6] Isso, porque nenhuma religião tem a compreensão da santidade de Deus, a quem ultrajamos com o nosso pecado.
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[1] Para uma visão mais completa dos termos, veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 185-186. Para uma avaliação mais ampla do perdão de Deus, veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Deus de Misericórdia, Goiânia, GO.: Cruz, 2023.
[2] Para um estudo mais aprofundado do termo hebraico, vejam-se: Victor Hamilton, Ns’: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 163-167; Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 137-138; N.H. Snaith, Forgive, Forgiveness: In: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, London: SCM Press, 13. impression, 1975, p. 85-86.
[3]Veja-se: Abraham Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 29.
[4] “A maior necessidade do homem é de perdão” (Jay E. Adams, Teologia do Aconselhamento Cristão, Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, p. 255).
[5] Eichrodt (1890-1978), seguindo o rabino A. Büchler (1867-1939) diz que “A expiação não é uma forma imediata de remoção do pecado independentemente de seu perdão, senão um método de perdão” (Walter Eichrodt, Teologia del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975, v. 2, p. 440).
[6] J.K. Grider, Perdão: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1990, v. 3, p. 136. Esta declaração não entra em conflito com o fato de que os deuses dos povos do Antigo Testamento eram aplacados em sua ira e esta consciência de “perdão” era testemunhada pelos seus adoradores. (Cf. J. Scharbert, Perdão: In: Heinrich Fries, (direção de), Dicionário de Teologia, 2. ed. São Paulo: Loyola, 1987, v. 4, p. 229-230). Contudo, um exemplo explícito de um “deus” declarando o perdão absoluto parece ser estranho à literatura antiga, fora da Bíblia.
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