Um blog do Ministério Fiel
O Senhor que deseja gratidão e arrependimento
Qual deve ser a atitude do perdoado?
Considerando a cruel concretude de nosso pecado; de sua gravidade afrontosa ao Deus santo e, ao mesmo tempo, tendo em vista a mesma realidade de nosso pleno e total perdão em Cristo inteiramente pela graça, como devemos responder ao nosso Deus perdoador?
A partir desse artigo, alinharemos algumas atitudes.
Gratidão
A certeza do nosso perdão, gerado pela graça misericordiosa de Deus, deve nos levar, à semelhança de Davi, a bendizer ao Senhor: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades” (Sl 103.2-3).
Arrependimento sincero
O genuíno arrependimento produz forte tristeza pelo pecado, o santo desejo de não mais cometê-lo e, quando possível, corrigir os efeitos dele.
Erickson resume:
O arrependimento é a tristeza verdadeira de uma pessoa pelos seus pecados acompanhada da resolução de se afastar deles. Há outras formas de uma pessoa sentir pesar pelos seus erros, cujas motivações são diferentes. Se pecamos e as consequências são desagradáveis, pode ser que sintamos remorso pelo que fizemos, mas isso não é verdadeiro arrependimento. É mera penitência. O verdadeiro arrependimento é a tristeza da pessoa pelo que seu pecado fez contra Deus e pelo mal a ele infligido. Essa tristeza é acompanhada de um desejo genuíno de abandonar o pecado. Há pesar pelo pecado, mesmo que o pecador não tenha sofrido qualquer consequência pessoal por causa dele.[1]
Frutos do arrependimento
O arrependimento, portanto, envolve uma atitude de abandono do pecado e uma prática da Palavra de Deus. Esta prática consiste nos “frutos do arrependimento”.
Paulo, testemunhando diante do rei Agripa a respeito do seu ministério, diz:
19Pelo que ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial, 20mas anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém, por toda a região da Judéia, e aos gentios, que se arrependessem (metanoéo) e se convertessem a Deus praticando obras dignas (axia) de arrependimento (metanoia). (At 26.19,20. Vejam-se também: At 20.21/Lc 3.8).
O arrependimento e a fé são passos iniciais, inseparáveis e complementares[2] da vida cristã como resposta ao chamado divino. No entanto, ambos devem acompanhar a nossa vida. Devemos continuar crendo em Deus em todas as circunstâncias e cultivar, pelo Espírito, uma atitude de arrependimento pelas nossas falhas.[3]
Arrependimento contínuo e operante
O arrependimento marca o início da vida cristã e, também, caracteriza a sua totalidade. Packer resume: “A mudança é radical, tanto interior como exteriormente: ânimo e opinião, vontade e afetos, conduta e estilo de vida, motivos e propósitos são todos envolvidos. Arrependimento significa começo de uma nova vida”.[4]
Deus deseja que nos arrependamos de nossos pecados e, como evidência desta transformação, mudemos de comportamento.[5] O arrependimento não significa uma vitória definitiva contra o pecado. Ainda estamos nessa batalha. Se a condição de nossa salvação fosse essa vitória total, nenhum de nós seria salvo.[6]
De quando em quando percebo que meu computador está ficando lento. O sistema de salvamento de um texto fica demorado, trava, etc. Creio que todos que mexem com esses programas já experimentaram algo assim. Na realidade, mexo quase que especificamente com editor de texto. Quando esses problemas vão se tornando insuportáveis, converso com um técnico, em geral um colega ou aluno meu que é entendido no assunto. O diagnóstico quase sempre é igual: acúmulo de sujeira deixada por arquivos e programas que, mesmo “deletados” se acumulam. Portanto, é preciso uma faxina. Por vezes, a simples limpeza por meio de algum programa específico alivia a máquina… Porém, há ocasiões que precisamos reformatar o computador. Este empreendimento é mais demorado.
A vida cristã, apresenta alguma similitude. Vamos caminhando em nossas lides com as questões rotineiras da vida enfrentando situações mais ou menos graves de forma mais ou menos paciente ou corajosa. Em tudo isso, por vezes, permanecem resíduos indesejáveis em nossa alma: amargura, ressentimento, arrogância, baixa ou alta autoestima, senso de pequena ou grande capacidade, etc. Esses sentimentos permanecendo tendem a se cristalizar em nossa alma virando uma espécie de tártaro que pode se fixar em nossos dentes que simples escovações não o retiraram de onde estão depositados. É necessária uma limpeza mais profunda. Mas, como fazê-lo?
O “programa” eficaz criado por Deus para nós chama-se arrependimento. O arrependimento sincero e a confissão de nosso pecado costuma ser uma faxina de nossa alma. É por isso que o arrependimento é uma necessidade constante de nossa alma. Uma limpeza profunda e poderosa de nossa alma. Quando arrependidos confessamos sinceramente nossos pecados a Deus, Ele por graça, nos concede no tempo próprio resultante da consciência de seu perdão e, restaura a nossa visão a respeito de todas as coisas para que possamos enxergar a realidade pela ótica das Escrituras.[7]
Portanto, por graça, o arrependimento nos acompanhará para sempre neste estágio de vida, no qual mudamos de rumo, entristecidos com o nosso pecado e, alegres em podermos seguir a Cristo.
Esta restauração, na verdade, não se consuma em um momento, ou em um dia, ou em um ano. Antes, por meio de avanços contínuos, ainda que amiúde, de fato, lentos, Deus destrói em seus eleitos as corrupções da carne, os limpa de sua imundície e a si os consagra por templos, renovando-lhes todos os sentimentos à verdadeira pureza, para que se exercitem no arrependimento toda sua vida e saibam que não há nenhum fim para esta luta senão na morte.[8]
O conforto é que Deus em Cristo nos perdoará sempre que, sinceramente arrependidos, suplicarmos com fé o seu perdão. Pela graça somos salvos, somente pela soberana graça!
Na parábola dos dois filhos, contada por Jesus, temos exemplificado este princípio:
E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma cousa. Mas este respondeu: não quero, depois arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade do Pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele. (Mt 21.28-32).
O segundo filho que tipifica o verdadeiro arrependimento, mesmo tendo negado ao pedido de seu pai, depois, repensou a questão, considerando inclusive o que tinha provavelmente planejado para aquele dia e, não apenas terminou em certa tristeza pela sua negativa, mas, foi e fez o que o pai pediu. Isso é arrependimento. Ele não termina em um repensar ou reconsiderar a realidade, mas, concretiza-se em obediência ao chamado.
A vontade de Deus é que os homens, confrontados com a mensagem salvífica de Deus, se arrependam de seus pecados, recebendo a Cristo como seu Salvador pessoal, iniciando uma nova fase em sua vida, tendo como princípio animador agradar a Deus, sendo-lhe obediente.
O arrependimento é parte integrante e essencial de nossa santificação. Deus deseja que procuremos agradá-lo em todas as coisas. No entanto, sabemos que pecamos, que falhamos, que não atingimos o alvo de santidade proposto por Deus, por isso, conscientes de nossos pecados, devemos nos arrepender, buscando o perdão de Deus e quando possível, reparar o nosso erro.
A Confissão de Westminster (1647) resume: “O pecador pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados, que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com Ele em todos os caminhos dos seus mandamentos” (XV.2).
No arrependimento não há mérito nem arrogância, antes, vergonha e, em um segundo momento, atitude de gratidão a Deus por nos ter aceitado, que se manifesta em frutos de obediência. Obediência é a graça material da gratidão. O pecador arrependido não se protege em supostos atenuantes,[9] antes, certo de seu pecado, culpa, e da gravidade de ter ofendido a Deus,[10] busca a consciência do misericordioso perdão[11] de seu Senhor.
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[1] Millard J. Erickson, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 908.
[2]“O arrependimento é fruto da fé, que é, ela própria, fruto da regeneração. Contudo, na vida real, o arrependimento é inseparável da fé, sendo o aspecto negativo (a fé é o aspecto positivo) de voltar-se para Cristo como Senhor e Salvador. A ideia de que pode haver fé salvadora sem arrependimento, e que uma pessoa pode ser justificada por aceitar Jesus como Salvador, e ao mesmo rejeitá-lo como Senhor, é uma ilusão destrutiva” (J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 152-153). Vejam-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 129ss.; A.A. Hoekema, Salvos pela graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 129.
[3] Ferguson argumenta de forma simples, porém, objetiva destacando o perigo de entendermos o “arrependimento” apenas como ato único (“emoção inicial”) na vida cristã (Veja-se: Sinclair Ferguson A Graça do Arrependimento. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014, p. 46ss.).
[4]J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 152.
[5] No início do século XIX (1816), o cronista e empresário protestante Henry Koster (c. 1784-1820), comentando a respeito da introdução do Cristianismo entre os escravos por parte do clero católico, resume: “A introdução da religião cristã entre os escravos não prestou maior serviço do que modificar o homem relativamente ao tratamento da mulher e a conduta dessas últimas” (Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 2. ed. Recife, PE.: Secretaria de Educação e Cultura, Governo do Estado de Pernambuco, Departamento de Cultura, (Coleção Pernambucana, v. 17), 1978, p. 393).
[6] Cf. R.C. Sproul, Somos todos teólogos: uma introdução à Teologia Sistemática, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2017, p. 347.
[7] Ainda que com figuras diferentes, inspirei-me lendo J.I. Packer, A Redescoberta da santidade, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 96-97.
[8]“Arrependimento, como descrito na Bíblia, é um ideal alto, temos que tentar revelá-lo continuamente, mas jamais o faremos completamente nesta vida. (…) Arrependimento é, na verdade, necessário para a salvação, mas não precisa ser um arrependimento perfeito. Se isso fosse necessário, quem seria salvo?” (Anthony A. Hoekema, Salvos Pela Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 137-138).
[9]“A autodefesa vai-se quando vemos que não merecemos nada senão castigo. Compreendemos que somos miseráveis, que somos vis. O homem muda, pois, o seu conceito sobre si próprio” (D.M Lloyd-Jones, Romanos: Exposição Sobre Capítulos 2:1 a 3:20: o justo juízo de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1999, p. 85). Veja-se: Allan Harman, Comentário do Antigo Testamento ‒ Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, (Sl 32-3-5), p. 157.
[10] “Jamais aplicaremos seriamente o perdão divino, enquanto não tivermos obtido uma visão tal de nossos pecados, que nos inspire terror” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 51.3), p. 424).
[11] “De fato o perdão de pecados é realizado definitiva e perfeitamente em Deus, mas nos é dado e apropriado por nós em nossas vidas através da fé e do arrependimento” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 462).