Um blog do Ministério Fiel
O Deus da Verdade que preserva de modo puro a sua Palavra – parte II
A unidade, diversidade e coesão das Escrituras
1. Diversidade na Bíblia
A) Diversidade de línguas
A Bíblia foi redigida em dois idiomas básicos: hebraico e grego; sendo o Antigo Testamento escrito em hebraico, tendo apenas algumas porções redigidas em aramaico, a saber: Ed 4.8-6.18; 7.12-26; Jr 10.11; Dn 2.4-7.28 e duas palavras em Gn 31.47. O aramaico tinha o mesmo alfabeto hebreu. No tempo de Senaqueribe (705-681 a.C.), o aramaico era um idioma diplomático (2Rs 18.26-28) e a língua oficial do império persa (550-450 a.C.).
Após o cativeiro babilônico do povo judeu (587/586 a.C.), que durou setenta anos, o aramaico passou a ser a língua popular dos judeus, sendo o hebraico cultivado apenas pelos intelectuais.
O Novo Testamento foi escrito na língua grega que, ao contrário da linguagem poética hebraica, zelava pela precisão dos termos, contando com um vocabulário de 200 mil palavras.[1]
B) Diversidade de escritores
A Bíblia foi redigida por cerca de 40 escritores, os quais tiveram uma formação cultural diferente e com suas personalidades próprias.
Moisés, por exemplo, “… foi educado em toda a ciência dos egípcios” (At 7.22).
Amós, era um homem rude, boieiro e colhedor de sicômoros (Am 7.14);
Daniel era da linhagem real de Judá, instruído em toda a sabedoria, douto em ciência e versado no conhecimento (Dn 1.3-7).
Salomão, o grande rei de Israel, a quem coube a honra e a responsabilidade de construir o Templo do Senhor (2Sm 7.12,13; 1Rs 6.1-13), tendo sido reverenciado como o homem mais sábio de todos, até mesmo pelos pagãos (1Rs 4.29-34; 10.1-13).
Mateus, cobrador de impostos (Mt 9.9; Mc 2.13,14; Lc 5.27,28).
Pedro e João, eram pescadores, com uma formação cultural notoriamente “inadequada” (Mt 4.18-22; At 4.13).
Lucas, era médico (Cl 4.14);
Paulo, um intelectual (At 22.3), sendo isto demonstrado em todos os seus escritos, quer pelo conteúdo, quer pela forma.
Todos estes homens, a despeito de suas características pessoais, das suas falhas e limitações, foram usados por Deus para registrar a sua vontade, por intermédio da ação inspiradora do Espírito Santo. Todos eles “falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
O estilo deles varia, de acordo com a característica de cada um; entretanto, há uma unidade e coesão em tudo que escreveram.
Ryle (1816-1900) comenta:
Cada um deles fez um relato do homem, de Deus, do caminho da salvação e do coração humano. Vê-se como a verdade é revelada e desenvolvida através deles enquanto se percorre todo o volume de seus escritos, mas nunca se descobre qualquer contradição ou contrariedade real em seus pontos de vista.[2]
C) Diversidade de tempos
Entre o primeiro livro do Antigo Testamento e o último do Novo Testamento, há uma distância de aproximadamente 16 séculos. Entretanto, os escritores do Novo Testamento citam os livros do Antigo Testamento com frequência, confirmando os ensinamentos ali registrados, aplicando-os ao contexto em que viviam e demonstrando a comprovação neotestamentária daquilo que fora profetizado no Antigo Testamento.
Num período de 16 séculos, como não poderia deixar de ser, muitas coisas se transformam. Os conceitos mudam, as explicações se modificam, a compreensão da realidade se transforma. Por mais vagarosas e tímidas que fossem as transformações na antiguidade, na realidade, muitos elementos novos surgiram no cenário da história humana.
No período em que a Bíblia foi escrita, o cenário militar conheceu uma sequência em que pelos menos cinco exércitos dominaram grande parte do mundo conhecido, tais como: Os egípcios, assírios, babilônios, gregos e romanos.
No campo da Filosofia, após um período de mitos e lendas, passando pelos “Pré-socráticos”, surgiram homens como Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), até hoje respeitados em muitas de suas contribuições.
Na organização jurídica, os romanos são até hoje estudados, respeitados e copiados. Tudo isto evidenciando um longo processo de maturação e transformações, onde os conceitos antigos eram adaptados ou simplesmente rejeitados…
O próprio povo judeu foi formado e viveu como escravo durante um longo período de 430 anos em que esteve no Egito (Ex 12.40,41). Após o Êxodo, peregrinou 40 anos no deserto, foi governado pelos juízes, teve reis, viu a divisão das doze tribos, o aniquilamento do Reino Norte, a destruição de Jerusalém e o exílio de 70 anos de Judá, com implicações sociais, econômicas, políticas e religiosas. Entretanto, os ensinamentos bíblicos atravessaram de forma coesa todas as vicissitudes e incertezas da história. Sabe por quê? Porque o Deus que se revelou no Livro de Gênesis é o mesmo de toda a Bíblia, coroando a sua revelação progressiva no Apocalipse; sendo Jesus Cristo a sua Palavra Final: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1,2).
Toda verdade é verdade de Deus. A verdade de Deus não sofre correções, modificações ou acréscimos: A verdade é atemporal; ela permanece no tempo e ultrapassa a barreira da eternidade (Mt 5.18; Lc 16.17). O Deus que falou a Moisés é o mesmo que falou a João na ilha de Patmos e a todos os outros escritores sagrados.
2. Unidade e coesão das Escrituras
Nada é mais solicitamente intentado por Satanás do que impregnar nossas mentes,
ou com dúvidas, ou com menosprezo pelo evangelho. − João Calvino.[3]
A Bíblia, apesar das divergências apontadas, revela em seu conteúdo “uma interconexão orgânica que se impõe no decurso dos muitos séculos que sua composição levou”, explica Archer Jr. (1916-2004).[4]
Mesmo havendo diferenças de idiomas, do estilo de cada escritor, dos objetivos específicos de cada livro e do tempo e circunstâncias em que foram escritos, há em todos estes livros que compõem a Bíblia, uma unidade que desafia as tentativas antigas e principalmente modernas de negar a agência de Deus na formação e preservação da sua Palavra escrita.
A unidade e coesão bíblica atestam de forma incontestável a ação de uma mente única, a mente sábia e soberana do próprio Deus, dirigindo os escritores sagrados, sem anular as suas personalidades, para a concretização de sua vontade.
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2Tm 3.16,17).
Nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo (2Pe 1.20,21).
Autoelucidativa – Crentes de Beréia
Devido a esta unidade coesa, a Escritura se autoelucida (interpreta) por meio da comparação dos textos (At 15.12-21; Jo 5.46). Foi justamente isso que fizeram os crentes de Beréia, que receberam a pregação de Paulo e Silas com avidez e, entretanto, conferiram o que era pregado com as Escrituras para ver se coincidiam (At 17.11). O resultado foi que por intermédio desse exame sincero e criterioso, sob a iluminação do Espírito Santo, muitos se converteram (At 17.12).
A Confissão de Westminster (1647) no Capítulo 1, seção 9, diz:
A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente. (Mt 4.5-7; 12.1-7).
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[1] William Barclay informa-nos que o vocabulário hebreu dispunha de menos de 10 mil palavras e o grego de 200 mil. (W. Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 5, p. 35).
[2] J.C. Ryle, A Inspiração das Escrituras, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, [s.d.], p. 3.
[3] João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.13), p. 35.
[4] Gleason L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 15.