Quatro lições contra a preguiça e a ociosidade

Enxergando a preguiça como falta de lealdade a Deus

Se você olhar no profundo de si mesmo, pode notar, para seu desânimo, a presença de uma criatura singularmente feia. Precisará olhar com cuidado, porque ele não se move rapidamente (ou, às vezes, não se move de maneira alguma). Ele se camufla por baixo dos lençóis da cama. Prefere resmungar sobre o dever evidente. Suas pálpebras pendem meio abertas. Sua boca retém um filete de baba. Seu nome é preguiçoso.

Preferimos manter o preguiçoso à distância; preferimos ver essa criatura desleixada apenas por meio de binóculos ou vidro de zoológico. Mas, de algum modo, ele acha um habitat nativo em toda pessoa, mesmo nas mais laboriosas. Quando o despertador soa, ele ativa mui facilmente a função soneca. Quando um projeto exige foco persistente, ele abre quietamente uma nova aba do navegador de Internet. Quando algum dever incômodo está diante de nós, um dever que já temos postergado por muito tempo, apesar disso, ele aconselha: “Amanhã”.

Podemos hesitar em estudar o preguiçoso, preferindo poupar a nós mesmos dessa visão desagradável. Mas, às vezes, o nosso ego indolente morre apenas quando damos uma olhada demorada e cuidadosa nele. “Passei pelo campo do preguiçoso e junto à vinha do homem falto de entendimento” o sábio nos diz. “Tendo-o visto, considerei; vi e recebi a instrução” (Pv 24.30, 32).

À medida que ouvimos as cogitações do preguiçoso e consideramos o resultado de sua ociosidade, aprendemos, por contraste, a respeito da vida de labor sob o temor do Senhor. Que instrução o sábio poderia receber ao considerar o seu preguiçoso interior?

1. “Um pouco” produz acúmulo

“Um pouco para dormir, um pouco para tosquenejar, um pouco para encruzar os braços em repouso” (Pv 24.33)

As embalagens de guloseimas espalhadas ao redor da cama do preguiçoso, quase na altura do tornozelo agora, têm todas algo em comum: no momento, eram, cada uma, apenas “um pouco”. Um pequeno lanche, uma pequena pausa, uma pequena recompensa, um pequeno agrado. Ele desperdiçou da mesma maneira a mesada de seus pais. Apenas mais uma compra no aplicativo. Apenas um pouco mais de pequenas compras.

O sábio pode ouvir e receber instrução. “Um pouco”, sem dúvida, é insignificante, exceto pelo menos quando unido a milhares de outros poucos. Muitas pequenas gotas de chuva forma um lago. Muitos pequenos cortes derrubam uma árvore. Portanto, como lidamos com pouco — poucas tentações, poucas decisões, poucas oportunidades para negação do ego — é muito importante.

Como evidência, Salomão recomenda considerarmos uma das menores criaturas. “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio” (Pv 6.6). Sim, as formigas são pequeninas. Uma carrega um resíduo de lixo, outra leva um pedaço de uma folha, uma terceira, uma migalha de pão. Uma formiga não pode trabalhar muito rapidamente; porém, com o passar do tempo, pouco a pouco, um formigueiro surge do lixo; uma rede de túneis subterrâneos se forma; uma colônia está aquecida e alimentada.

Muito frequentemente, ao fugir de meu preguiçoso interior, tenho sido pego na armadilha de tentar agir muito rápido. Considerando quão destrutivo os poucos do preguiçoso podem ser, tenho pensado, “Muito! Tenho de fazer muito!” Terminarei dez projetos nesta semana — não, vinte! Trabalharei de segunda a sexta sem exceção! Conduzirei os devocionais da família por 30 minutos cada noite!

Algumas vezes, de fato, o caminho para fora da casa da preguiça é uma ladeira elevadíssima que requer muito esforço. No entanto, na maioria das vezes, somos mais sábios em andar calmamente, trocando poucas tolices por poucas sabedorias, desenvolvendo resoluções modestas e semelhantes às das formigas e, depois, edificando sobre essas resoluções. Ao longo desse trajeto, recusamos pequenos compromissos em favor de pequenos atos de obediência; evitamos pequenas preguiças em troca de pequenos esforços. Colocamos toda pequena dificuldade na presença de nosso Pai, que está no céu. E, pouco a pouco, recebemos dele a força para trabalharmos mais diligentemente.

2. Negligência produz ervas daninhas

“Passei pelo campo do preguiçoso e… eis que tudo estava cheio de espinhos.” (Pv 24.30-31)

Ao se revolver em sua cama ou repetir mais um prato em seu almoço, o preguiçoso não imagina que está fazendo algum mal. Que mal um pouco mais de soneca pode fazer? Qual é o problema em umas garfadas a mais daquela comida? Mas, enquanto ele dorme, lancha e canta uma pequena melodia, espinhos conquistam quietamente seu campo. O preguiçoso não plantou os próprios espinhos, é claro — mas, por não trabalhar, ele pode muito bem ter favorecido o surgimento deles. Se não sulcamos a terra, se não a aramos e não plantamos a boa semente, preparamos naturalmente o solo para outro propósito. Negligência produz ervas daninhas.

Imagine, então, que você se depara com um daqueles pequenos momentos: continuar trabalhando em serviços de casa ou assistir à últimas notícias da noite? Ler a Bíblia e orar ou desfrutar mais nove minutos de alegria no travesseiro? Concentração árdua na próxima hora e terminar o projeto ou verificar suas redes sociais (novamente)? Podemos pensar que essas poucas indulgências são meramente neutras, um parêntese inofensivo no meio de nossos labores.

Mas, quando permitimos que o preguiçoso segure a nossa mão, não somente paramos o trabalho bom, mas também produzimos ervas daninhas. Talvez, por enquanto, as ervas daninhas apareçam apenas em nossa própria alma, visto que monitoramos a nós mesmos na escola da preguiça. Ou talvez as ervas daninhas cresçam de modo que todos vejam — em trabalho feito pela metade e compromissos não cumpridos, desculpas tolas e responsabilidades abandonadas. De qualquer maneira, como diz outro provérbio: “⁹ Quem é negligente na sua obra já é irmão do desperdiçador” (Pv 18.9).

O preguiçoso, então, parece inocente muitas vezes. Certamente, não poderíamos pensar numa criatura mais inofensiva do que aquele bicho-preguiça sorridente, pendurado em seu galho. Mas o sábio consegue enxergar além disso – “Se eu não disciplinar meu filho hoje, simplesmente deixarei que o mundo o faça amanhã.” “Se eu não iniciar esta conversa difícil, colocarei em risco este relacionamento.” “Se eu não terminar este trabalho enquanto tenho oportunidade, colocarei o fardo nos ombros de outra pessoa.”

Não estamos fazendo nada quando agimos como preguiçosos. Estamos deixando as ervas daninhas crescerem, derribando muros, rachando alicerces e cultivando espinhos, ainda que seja muito lentamente.

3. Nossos desejos nos enganam frequentemente

“O preguiçoso morre desejando.” (Pv 21.25)

Os desejos do preguiçoso parecem ser seus amigos mais íntimos, suas ajudas mais sábias. Os desejos deles parecem tão agradáveis: “Não, não apare o grama agora. Parece que vai chover.” “Não, não fale de Jesus hoje, não nesta conversa. A ocasião oportuna virá (talvez).” “Deixe sua esposa trocar a fralda do bebê. Você está descansando do seu dia de trabalho.” Essas sugestões maravilhosas. Esses assassinos sedutores.

A sabedora expõe a questão francamente: “O preguiçoso morre desejando” (Pv 21.25). Morre expressa em parte uma hipérbole, talvez, mas apenas em parte. Naquela cultura e naquele tempo, sobrevivência dependia do trabalho, de mãos calejadas, campos arados, safras colhidas e dias longos. O mundo era, naquele tempo, um lugar mais áspero para preguiçosos.

Preguiça não é tão letal em nossos dias, pelo menos não em muitos lugares. Mas o sábio reconhece que, se o desejar do preguiçoso não tira a sua vida, tira quase tudo mais. Tira a alegria do bom suor de um dia. Tira a paz de relacionamentos preservados com cuidado. Tira a recompensa de talentos bem administrados. O preguiçoso pode até desfrutar de uma existência mais fácil — por alguns dias ou alguns minutos. Mas, depois, cada parte da vida se torna dolorosa.

Portanto, quando desejos preguiçosos aparecerem, em toda a sua aparente doçura, o sábio prende esses desejos em algum lugar mais firme do que os prazeres momentâneos de sono, comida ou entretenimento. Ele ouve ao Senhor Jesus; considera os conselhos do seu Espírito e suas promessas de fortalecimento. Depois, com um vigoroso “Para trás de mim, preguiçoso!”, ele se levanta e faz seu trabalho.

4. Trabalho árduo flui do coração

“Mais sábio é o preguiçoso a seus próprios olhos do que sete homens que sabem responder bem.” (Pv 26.16).

Até agora, as nossas armas contra o preguiçoso têm sido forjadas principalmente com base no senso comum — e isso é compreensível, devido ao fato de que o preguiçoso é um “homem falto de entendimento” (Pv 24.30). Mas agora chegamos ao âmago da questão, que é a questão do coração.

Quando Provérbios nos diz que o preguiçoso é sábio “a seus próprios olhos”, o livro inspirado coloca o labor piedoso no âmbito da sabedoria, um âmbito em que Deus reina como Senhor. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência” (Pv 9.10). Por que o preguiçoso dorme demais e chega atrasado? Por que ele é dominado por distração e procrastinação? Em última análise, é porque ele não tem a sabedoria que procede do temor do Senhor.

Deus não ocupa um lugar importante na estrutura de referência do preguiçoso — um lugar que não é tão importante quanto o sofá ou o guarda-louça. O sábio, por contraste, lembra-se de que “os caminhos do homem estão perante os olhos do Senhor” (Pv 5.21). E ele se deleita em que seja assim. Deus enche a perspectiva dele como o azul enche um céu sem nuvens. O Senhor é o começo e o fim para o sábio, o alfa de suas manhãs e o ômega de suas noites, aquele em quem ele vive, se move e trabalha. Ele é o Deus que, em Cristo, santificou nossos labores em carne humana e agora nos enche com seu Espírito laborioso.

Portanto, quando o sábio sente que está se afastando em direção ao preguiçoso, ele sabe que trabalho dedicado é muito mais do que uma questão de senso comum e autocontrole. Ociosidade revela uma falta de lealdade; preguiça mostra não somente um corpo, mas também um coração adormecido. E, por isso, o sábio usa a adaga que faz uma ferida profunda no coração do preguiçoso: “Tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.17).

Em Cristo, o que quer que façamos tem importância espiritual, desde a oração em secreto a acordar-nos com o alarme do despertador, desde comunhão a fazermos o dobro em nosso trabalho. Vivemos e trabalhamos diante dos olhos de nosso bom Senhor Jesus. Seu reino nos chama. Seu Espírito nos enche. Suas promessas nos dão poder. E sua força nos compele a mortificarmos diariamente o preguiçoso que habita dentro de nós.

Por: Scott Hubbard. ©️ Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Get Behind Me, Sluggard: Four Lessons Against Laziness. Todos os direitos reservados. Tradução: Franscisco Wellington Ferreira. Revisão e edição por Vinicius Lima.