A causa primordial

É possível provar a existência de Deus?

“No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1)

 

Uma dúvida muito comum que se instala no coração de alguns jovens cristãos quando adentram o meio universitário é se a ciência já descartou a existência de Deus. A dúvida é compreensível, pois o ambiente acadêmico não é neutro quanto a possibilidade da existência de um Criador, ao contrário, é fortemente inclinado ao naturalismo. Com frequência, as respostas obtidas para essa indagação são afirmativas e desprovidas de fundamentação científica. Por vezes sou indagado a respeito dessa questão, e prontamente respondo que a ciência nunca demonstrou a inexistência de Deus. Em geral isso é suficiente para acalmar o coração de alguns, porém às vezes a resposta leva a outra pergunta mais complicada: há alguma evidência científica que ao menos indique concretamente que Deus possa de fato existir? Como esta pergunta reflete uma dúvida recorrente e legítima na mente de muitos, mesmo daqueles que não frequentam o meio universitário, quero oferecer uma resposta e um conselho, na esperança que possa trazer alguma luz àqueles que estão sendo tentados ou quase sucumbindo às trevas do naturalismo materialista. Inicio meu argumento com uma pequena história atribuída a Isaac Newton.

Conta-se que certa vez um ilustre visitante, homem de ciência, e assumido ateu, visitou Newton com o intuito de conhecer o famoso modelo planetário que o próprio Newton projetara e mandara fazer, o qual ornamentava sua biblioteca. O visitante, ao observar o planetário, surpreendido com a maravilhosa engenharia exibida pelo dispositivo mecânico, desmanchou-se em elogios e perguntou ao anfitrião quem foi o artífice que criou as peças e o montou. Newton respondeu que o planetário não exigiu um criador, mas que se montara sozinho; um dia ao entrar na sua biblioteca o encontrou já montado. O visitante, ofendido com a resposta, retrucou que era impossível um planetário tão complexo não ter sido montado, posto que sua existência naquela sala exigia um mestre artífice. A isso Newton respondeu: se este simples modelo planetário demanda um artífice, quanto mais o universo. A própria existência do universo, com sua impressionante complexidade, exige necessariamente, e em maior nível, um Criador. Aviso aos leitores que ainda que não haja evidências diretas que o próprio Newton tenha relatado essa história em primeira pessoa, o relato se constitui em uma boa ilustração de uma das características fundamentais do universo a depor a favor da existência de Deus. Explico.

Vivemos em um universo causal e contingente, onde os eventos ocorrem em uma sucessão direta de causa e efeito. Essa característica é chamada na física de causalidade, um princípio muito caro para a ciência, pois considera que qualquer fenômeno existente é resultante de uma causa anterior. Sem esse princípio, qualquer investigação séria falharia em produzir uma descrição coerente de um fenômeno observado. O método científico, em muitos aspectos, consiste na validação das causas que levaram a um determinado fenômeno e na replicação desse fenômeno a partir das mesmas causas. Em resumo, dentro do escopo da ciência, não existe um evento que não seja causado. Embora à primeira vista um evento possa parecer aleatório, uma vez investigado minuciosamente, sempre conduzirá a uma causa plausível. O visitante ilustre da história acima estava certo ao retrucar que a existência do planetário exigiria uma causa que o criou, e pelo mesmo princípio Newton estava certo ao afirmar que a existência do universo demanda uma causa primordial, um Criador. O princípio da causalidade assim o exige, pois se existe alguma coisa certamente há algo que a causou.

Até o início do século XX, nos círculos acadêmicos mais elevados, evitava-se abordar a questão da origem do universo assumindo que este era eterno, estático e, portanto, sem causa. Einstein era um dos grandes defensores dessa interpretação, o que lhe rendeu um engano histórico. Ao desenvolver a teoria da relatividade, percebeu que a interpretação da curvatura espaço-tempo poderia implicar em uma expansão do universo, sugerindo assim uma origem. Para manter o universo dentro da perspectiva estática, acrescentou uma constante cosmológica em suas equações para evitar sua contração ou expansão (anos mais tarde reconheceu essa adição como um erro e a removeu). Sua alegria não durou muito, pois na década de vinte o astrônomo Edwin Hubble, utilizando o telescópio Hooker no Observatório Mount Wilson, observou que galáxias distantes estavam se afastando umas das outras. Em seguida, o padre e astrônomo Georges Lemaître, baseando-se nas observações de Hubble, propôs a teoria que um evento primordial dera origem ao universo (em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson, trabalhando no Bell Labs, descobriram acidentalmente a radiação cósmica de fundo, um eco remanescente deste evento e foram agraciados com o Nobel). Em vista desses fatos, no linguajar descolado de hoje, uma treta cósmica foi instaurada: se o universo não é eterno, então houve um momento em que não existia. No entanto, dado que ele existe, e o princípio da causalidade não pode ser negado, o que causou sua existência? A questão, tão simples no âmbito da teologia, onde o Senhor Deus é reconhecido como a origem e a causa primordial de todas as coisas, se instalou ruidosamente e desencadeou debates acalorados nos círculos de cosmologia. E nesse ponto destaco aos jovens algo digno de nota: até então somente a Bíblia advogava que houvera um princípio para o universo. Todas as demais religiões e filosofias sempre defenderam um universo eterno ou sujeito um ciclo interminável de ordem e desordem. Quem melhor descreveu o desencanto da academia com a descoberta de um evento primordial foi o astrofísico Robert Jastrow: “Para o cientista que tem vivido sua fé no poder da razão, a história termina como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância, está prestes a conquistar o pico mais alto; quando sobe a última rocha, é recebido por um bando de teólogos que estão sentados ali há séculos[1]. Sim, os adoradores de Yahweh quarenta séculos atrás, já tinham conhecimento que o universo tivera uma origem, um princípio.

Durante aproximadamente dez anos após Lemaître, a teoria de um universo com princípio foi alvo de debates acalorados e zombarias, não por falta de lógica ou incoerência com algum princípio físico, mas porque desafiava a mentalidade naturalista a aceitar algo para o qual não estava pronta para admitir: a existência de um Criador. Ironicamente, em 1949, em um programa de rádio da BBC, o astrofísico britânico Fred Hoyle, um forte crítico das ideias de Lemaître (e árduo defensor do universo estacionário), chamou jocosamente de Big-Bang com o intuito de ridicularizar a teoria. O termo pegou, e com o tempo foi aceito pela academia. Estabelecido um início inequívoco para o universo, os esforços dos adeptos do naturalismo desde então têm sido direcionados a obscurecer o princípio da causalidade ou a contornar a questão da causa primordial. Os argumentos vão do puro desdém, passando por ficção científica, até a mais completa incongruência lógica. Eis alguns exemplos:

O universo pode ter até uma origem, mas uma causa? Isso é conversa de fanático religioso, esqueça isso, não perca seu tempo! – e, com esse arremedo de argumento, alguns acadêmicos tentam desviar a atenção do princípio da causalidade, na esperança de que ninguém perceba tal manobra. Não, não foi um deus que criou o universo! É óbvio que foram as flutuações quânticas que geraram o big-bang – Que flutuações quânticas foram essas? Se nada existia antes, como podemos saber e provar que houve flutuações quânticas? Como podemos afirmar ou provar sua existência? Se o big-bang foi uma singularidade, onde as leis físicas não se aplicavam, como afirmar que a realidade quântica estava em funcionamento? Isso é pura falácia.  Não houve início coisa nenhuma, o big-bang de Lemaître foi apenas um evento em um ciclo eterno de inflação e contração do universo! – E aqui o naturalista, que não se curva para as verdades judaico-cristãs, presta sua sólida homenagem ao hinduísmo e outras crenças similares de um universo em eterno retorno. Vivemos em um universo de inflação bolhosa, cada explosão primordial gera um novo universo, uma bolha inflada no tronco eterno do multiverso que nunca teve início e nem terá fim – e com este tipo de argumento, sempre me deixarei impressionar quando alguém da comunidade científica prefere acreditar em uma estrutura complexa, multidimensional, estática, repleta de universos bolhas em seu tronco, semelhante a uma jabuticabeira, ao invés de considerar a existência de um Deus Criador. A navalha de Ockhan é argumento quase esquecido nos círculos acadêmicos de hoje.

Além desses argumentos, há um que, por sua simplicidade e impossibilidade de ser comprovado, tem sido usado nas narrativas naturalistas com algum sucesso entre os jovens universitários: a sugestão de que o próprio universo causou a si mesmo, devido às suas próprias leis físicas. Parece algo sério, mas o argumento em si é uma aberração lógica e um atestado de ignorância acerca do funcionamento básico do universo. Entendamos: as leis da natureza não são responsáveis por produzir um determinado evento, pois não são a origem ou causa dos fenômenos. Elas simplesmente estabelecem um padrão, o comportamento ao qual cada evento, deve se conformar. Por exemplo, uma bola em movimento não está em movimento porque alguma lei da física a colocou em movimento. O papel da lei é descrever como a bola irá se mover sob ação de alguma força ou campo. O que fez a bola se mover não foi a lei, mas alguém que imprimiu força na bola, a qual se comportará segundo os princípios dessa lei. Repito: se o universo está em movimento, não foi devido as leis físicas, e sim porque Alguém o pôs em movimento. E aqui não vale usar o argumento tacanho que a causa do movimento da bola foi outra bola já em movimento, pois a fato permanece: o que causou o movimento da bola anterior? Esse argumento é semelhante às fábulas irracionais, como aquela que afirma que o universo está assentado em um casco de uma tartaruga gigante, que por sua vez repousa sobre outra tartaruga ainda maior, que está sobre outra maior, em uma sucessão infinita, sem nunca vislumbrar a causa primeira. Movimento é consequência, e não a causa. A causa primordial do movimento, por força do argumento lógico, é algo capaz de criar a leis que regem o movimento, como também ser aquele que dá o impulso inicial de todo movimento. Dizer que o universo se auto causou é revestir as leis físicas de um comportamento quase humano, o que certamente não é científico. O universo existe, e Alguém causou sua existência, e a Ciência já demonstrou sem sombra de dúvidas que houve um momento em que esse universo foi posto em movimento. Tomás de Aquino acertou quando afirmou que nada pode ser a causa de si mesmo, e cada efeito tem uma causa anterior, mas que deve haver uma causa inicial que não seja um efeito de nada mais, uma causa não causada, que é o Senhor Deus.

Quando confrontado com o princípio da causalidade do universo, o naturalista pode até defender cinicamente que somente quando tudo o que houver para saber tiver sido apreendido, compreendido e verificado, será possível descrever, quantificar e conhecer a causa primordial. Nessa linha de pensamento, negando o que a ciência já descobriu, se há alguma possibilidade de existir Deus, para o incrédulo Ele estará no fim de todas as coisas (e isso será verdade, em mais de um sentido, naquele Dia final). Por outro lado, na teologia Deus está no início de todas as coisas, Ele é a Causa Primordial, Inamovível, e sem Ele todo o conhecimento é destituído de um significado concreto maior. Se é possível fazer ciência nesse universo é porque o Senhor o criou contingente, causal, verificável e logicamente inteligível.

Termino com um conselho aos jovens que adentram as universidades: não se deixem levar pelos argumentos falaciosos e incoerentes do cientificismo naturalista. A verdadeira Ciência sempre concordará com a correta interpretação das Escrituras. Discordando ou não de algumas nuances do modelo padrão, algumas vezes chamado erroneamente de big-bang, o fato é que a boa ciência provou que este universo teve um início, uma origem, e pelas próprias evidências foi obrigada a se render, mesmo contra a vontade dos detratores do cristianismo, àquele simples, magnífico e poderoso verso: no princípio, criou Deus os céus e a terra. Não aceite menos que isso.

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[1] Robert Jastrow. God and the Astronomers. Norton & company, pag 116. NY. 1978.

Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.