Magia, energia ou onipotência divina?

Refletindo sobre energia, magia e poder

“Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.” (Cl 1.17)

O grande interesse pela magia

Algumas semanas atrás a Universidade de Exeter, no Reino Unido, anunciou que será a primeira do mundo a oferecer um mestrado em magia e ciências ocultas (MA Magic and Occult Science), com início previsto para setembro de 2024. Justificaram a criação do curso pelo crescente interesse das pessoas por magia e ocultismo. A justificativa procede, ainda que esse interesse não seja algo novo. É fato histórico que a inclinação pelo oculto e pela magia sempre esteve presente desde a mais tenra infância da humanidade, à Eva foi oferecido a oportunidade de obter um conhecimento exclusivo de Deus que a tornaria semelhante ao Criador. Porque Deus sabe… e, como Deus, sereis conhecedores... foi o engodo da antiga serpente (Gn 3.5).

A busca pelo oculto (o conhecimento) e pela magia (o poder) é coisa antiga. Egípcios invocavam combinações de palavras e de símbolos para conjurar feitiços. Gregos e romanos usavam amuletos e invocações de divindades na tentativa de manipular a realidade. No início da era cristã, o gnosticismo ensinava que havia um conhecimento oculto (gnosis) disponível aos iniciados, dotado de poder para transcender a realidade e, por esse meio, alcançar a “plenitude” ou o “pleroma” divino. A idade média mostrou-se salpicada, aqui e ali, de relatos de bruxaria, de ocultismo e de culto a demônios. Isso, sem citar as crenças celtas, em runas de poder, ao xamanismo associado a plantas, as práticas esotéricas dos persas, a astrologia caldeia ainda presente hoje, o satanismo moderno, entre tantos outros. Em comum, todas buscam alguma forma de evocar algum poder de manipular a realidade conforme seus desejos. Sereis como Deus continua sendo o mote da humanidade decaída, mesmo após cinco mil anos de história escrita. O que mudou, de lá para cá, foi apenas o grau de exposição a essa sedução. Toda série, filme, livro ou animação de sucesso tem algum personagem com um pé em algum tipo de magia, superpoder, paranormalidade ou interação com o sobrenatural. A sedução está presente até mesmo em algumas igrejas, seja para subjugar potestades, conter espíritos territoriais ou invocar unções para reivindicar prosperidade, saúde ou objetivos semelhantes. Simão, chamado de o “grande poder”, ainda persiste, nas igrejas, procurando obter poder por seus próprios meios (At 8.9-24). A promessa da serpente cala fundo em nossas almas. Essa ânsia levanta algumas questões. Listo três:

Magia é real?

É possível o conhecimento oculto capacitar o homem a manipular aspectos de natureza mágica, sobrenatural ou paranormal? Se estamos nos referindo à habilidade de um indivíduo em exercer magia, ou seja, possuir um poder intrínseco de influenciar ou manipular os aspectos físico, mental ou espiritual do mundo através de práticas ritualísticas, psíquicas, totêmicas, simbólicas ou conjurações, a resposta é simplesmente negativa. A realidade, em si, não pode ser manipulada nesse nível, pois seria necessário transcendê-la, ser-lhe dominador, e o ser humano simplesmente não exerce ou possui esse nível de controle. Qualquer poder sobrenatural ou habilidade miraculosa que o homem venha exercer deverá necessariamente ser delegada por outra fonte. A força de Sansão não advinha de preparo físico, os milagres de Elias não eram oriundos de habilidades místicas, a sabedoria de Salomão não resultou de longos anos de estudos acadêmicos. Moisés realizou grandes prodígios, no Egito, na presença de Faraó e, assim como Sansão, Elias ou Salomão, fora investido de um poder que emanava e que era controlado pelo próprio Deus. Podemos ser instrumentos dos milagres de Deus, mas certamente não somos a fonte das bênçãos e não há qualquer conhecimento esotérico que nos capacite a tal.

Existe poder além de Deus?

Será que não há outra fonte além de Deus que revista um homem de habilidades paranormais ou sobrenaturais? No episódio das dez pragas, há uma situação que pode ser de alguma ajuda nessa questão. Os magos de Faraó resistiram ao poder de Deus, exibindo certas habilidades com suas ciências ocultas (termo esse constante em Ex 8.7). Embora pareça um ponto a favor da existência de um poder paralelo, a verdade é que, com suas artimanhas, o máximo que conseguiram foi intensificar os estragos. Rios transformados em sangue pela mão de Deus, e qual a resposta da magia? Apenas mostraram ao Faraó como gerar mais sangue. Rãs vindas de todas as partes, o que eles fizeram? Contentaram-se em convencer o Faraó de que também podiam invocar rãs. Por que não sumiram com as rãs ou transformaram o sangue novamente em água? Teria sido mais proveitoso. O motivo é obvio: não detinham poder, nenhum poder além do engodo. Isso fica evidente na terceira praga, a dos piolhos, onde desistiram da malfadada estratégia, e exclamaram “Isso é o dedo de Deus” (Ex 8.18-19). O mal pode até certo ponto emular algum aspecto do poder divino, mas o resultado sempre será pobre, sem força e ineficaz. Se há alguma operação espetacular que não reconheça o Deus Vivo como fonte de poder, certamente será baseada no erro, na ilusão, no dolo e na mentira. O Senhor é o único que opera grandes maravilhas (Sl 136:4).

Manipulação da energia

O crescente fascínio, inclusive, acadêmico, pelo oculto não sugere a possibilidade de manipulação de forças paranormais ou sobrenaturais pelo homem em algum nível? É essencial que tenhamos clareza nesse ponto: a frágil condição humana é incapaz de reter e de manipular o poder divino. O nível mais próximo que o homem pode exercer é a manipulação do que chamamos de energia e, apesar de usarmos esse termo cotidianamente, sequer sabemos direito o que vem a ser. O conceito clássico de energia é apenas funcional, sendo descrito como a capacidade de realizar trabalho. Parece fazer sentido, mas o problema dessa definição é que trabalho, em física, também tem a dimensão de energia. É quase como se estivéssemos dizendo: energia é a capacidade de utilizar energia. E nesse aspecto, a termodinâmica é taxativa ao afirmar que somente uma fração da energia total existente no universo pode ser usada com proveito, todo o restante se perderá em sumidouros frios. Se não é possível usar todo o potencial de energia disponível no cosmos, que dirá acessar alguma energia “esotérica”? Filosoficamente, energia é um conceito primitivo, uma entidade abstrata, uma propriedade fundamental do universo que se manifesta de maneiras diversas – a qual podemos manipular para diversos fins – e que, de certa forma, conecta todos os fenômenos físicos. Em termos humanos, é uma forma de poder, mas não é poder, em si mesmo, é sempre derivada. Energia, por si só, não é capaz de criar, de transformar, manipular ou destruir. Tem potência, porém não apresenta direção, intenção ou controle. Por outro lado, o poder humano está associado à capacidade de exercer algum grau de controle sobre fenômenos, eventos ou circunstâncias, de manipular energia e seus efeitos. Exercer o poder remete à autoridade, uma mente com propósito e meios para atingi-los. Um revólver carregado apresenta tanto poder sobre o seu entorno quanto um descarregado, a não ser que esteja sob o controle de alguém. O problema do ser humano, ao exercer o poder, é a natureza indomável, quase volátil deste. Toda nova descoberta científica que permite ao homem acessar algum controle sobre algum aspecto da realidade física ou social, rapidamente se deteriora em uma maldição, uma nova forma de destruição, de controle desmedido, de manipulação da opinião pública, de multiplicação da iniquidade. Apenas três exemplos: a pólvora criada para fogos de artifício passa rapidamente ao uso bélico; a imprensa de Gutenberg, com o tempo, vai além da impressão da Bíblia e gera os meios de circulação de factoides, ideologias cruéis e pornografia; a internet criada para revolucionar a comunicação humana, em poucos anos, transforma-se em terra de ninguém, em um campo de ódios, de fakenews, de nichos para pedófilos, para milicianos, para golpes variados e para pornografia ilimitada. Considerando a propensão humana à corrupção e ao descontrole, mesmo com seu limitado poder, o que aconteceria se tivesse acesso à magia, à transmutação, à clarividência, por exemplo? A resposta é evidente: não teríamos sobrevivido à primeira geração de humanos poderosos, porém decaídos. Sejamos claros: não temos como exercer magia ou forças esotéricas. A prova cabal é que ainda estamos aqui.

O poder do Todo-Poderoso

Se os seres humanos não podem exercer um poder divino, quem pode? A palavra-chave aqui é poder, não me refiro ao poder delegado, oriundo de algum cargo, de alguma função ou do uso de algum equipamento, mas o verdadeiro poder, aquele capaz de dobrar a realidade segundo a sua vontade. Só é possível alguém que é, por definição, Todo-Poderoso e que vive, em estado de poder absoluto e ilimitado, exercer esse poder. E há somente Um Ser que se encaixa nessa categoria, o SENHOR Deus, que declara sobre si “Eu sou o SENHOR, e não há outro; além de mim não há Deus.” (Is 45.5a). A história da revelação divina é a história de um Deus gracioso e misericordioso, detentor de todo o poder. As Escrituras começam com um ato de poder absoluto (“No princípio, criou Deus os céus e a terra.” Gn 1:1), e, página após página, somos apresentados a um Deus que é ilimitável em seu Ser e supremo em seu poder, capaz de criar, realizar, controlar, destruir ou dirigir qualquer evento, fenômeno, criatura, em qualquer momento, em qualquer lugar, da forma que deseje, sem limitações. Ele trouxe à existência coisas que não existiam, criou todo um universo e seus fundamentos, tempo, espaço, matéria, energia, leis físicas e campos de força. Dirige a História, levanta reinos, abate nações, escolhe para si um povo, faz seu Nome conhecido na terra. E na plenitude dos tempos realiza um ato de poder inaudito que vai além de todas as escalas do portentoso criar. Aquele que é, antes de todas as coisas, no qual tudo subsiste (Cl 1.17), o Maior, que nem mesmo os céus dos céus podem conter, tornou-se o menor, um de nós. Deus infinito, incomensurável em poder, se revela na finitude e na fragilidade da figura humana. Que demonstração absurda de poder e de graça, o próprio Deus andando entre nós. Quem poderia antecipar algo tão extraordinário? A revelação mais poderosa do Deus Altíssimo não foi um monte trovejante, um relâmpago coruscante, uma voz tonitruante ou uma luz de glória ofuscante, mas um homem, um de nós, um carpinteiro, gente como a gente. Naquele homem, enquanto habitava entre nós, residia corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2.9). Detinha poder sobre as doenças (Mt 15.30), sobre matéria (Jo 2.9), sobre as leis físicas (Mt 14.26), sobre o clima (Mc 4.41), sobre as potestades (Mc 9.25), sobre o espaço (Jo 8.59; Jo 20.19), sobre o tempo (Mt 24.3; Jo 8.58), sobre a morte (Jo 11.43-44). Viveu em um mundo decaído, em meio a pessoas alquebradas pelo pecado, e, naquilo que não tínhamos poder para vencer, Ele se mostrou vencedor. Mesmo tentado, em nível inconcebível para nós mortais, não pecou. Em meio a zombarias, a torturas e à crucificação, não usou seu supremo poder em favor de si mesmo. Aquele que detinha o poder para se salvar, para destruir seus adversários, que poderia invocar legiões de anjos a seu favor, entrega-se à morte pelos que não O receberam. Mesmo este ato supremo de amor não foi destituído de poder, Ele tinha autoridade para entregar sua vida e também para reavê-la (Jo 10.18). Os grilhões da morte não eram poderosos para retê-lo na sepultura (At 2.22-24). Se, em Gênesis, o Senhor Deus exerce seu poder na criação, em Cristo, pela sua obra na cruz, vemos novamente seu poderio em ação em uma nova criação, diferente da antiga (2Co 5.17), na qual aspectos desta realidade como a morte, o luto, a dor e o pranto não terão mais lugar (Ap 21.4). Deus tem poder para fazer assim e o fará, porque o poder lhe pertence (Sl 62.11). Ele é onipotente. Nenhuma circunstância ou ser pode impedir os seus desígnios ou limitar o seu raio de ação. Agindo Deus quem O impedirá? No entanto, há um aspecto menos conhecido da onipotência divina: o poder não pode ser exercido independentemente de outros atributos divinos.

O verdadeiro poder nas mãos do verdadeiro Deus

Ao exercer o omnipoder, o Senhor o faz em consonância com sua onisciência, sua onipresença, sua justiça e sua benevolência. Ao deter todo o poder e a capacidade de exercê-lo, Ele o fará de forma a não ser contrário à sua própria natureza e atributos. Ou seja, Ele não usará esse atributo para criar coisas incompatíveis e/ou ilógicas, para ser cruel ou mesmo para ser infiel a seus próprios desígnios. Aquela velha e manjada armadilha de professores ateus que negam a existência de Deus ao indagar, em sala de aula, a adolescentes incautos, se Ele seria capaz de criar uma pedra tão grande que não pudesse levantá-la revela mais a ignorância de quem propala esse falso dilema do que a inexistência de Deus. Deixemos claro: onipotência implica que Deus só exercerá seu poder para realizar coisas que são dignas de seu poder. Ele tem o poder e a sabedoria necessários para nunca ser contraditório no seu uso. Nessa linha de pensamento há um outro dilema, às vezes atribuído a Epicuro, muito usado por filósofos naturalistas, que declara: se Deus tem poder para acabar com o mal e não o faz, é porque não é bom. E se é bom e quer acabar com o mal, mas não o faz, é porque não tem poder. O dilema novamente repousa em bases contraditórias e ignora a natureza do Senhor Deus. Deus tem poder para exterminar o mal e quer acabar com o mal e o fará, mas nos seus termos, não nos nossos. Sem entrar nos detalhes da questão do sofrimento e do mal, em certo sentido, Deus já eliminou o mal e todo o sofrimento, pela força de seu poder, da sua graça e da sua justiça. Em que aspecto? Para um Ser que transcende tempo e espaço, detém todo o conhecimento, o poder e a benevolência, o problema do mal não é uma questão moral, temporal ou local, é transcendental. Para nós, seres humanos, a realidade desdobra-se no tempo e no espaço, enquanto a ação de Deus é determinada na eternidade. Pela obra de Cristo, o mal foi julgado, o poder do pecado extinto e todos os inimigos do Senhor derrotados. Da perspectiva humana, o início dessa obra ocorreu cerca de dois mil anos atrás, seus efeitos ainda se desdobram pelas gerações e a concretização plena ainda está no futuro. Na ótica da eternidade, o Cordeiro foi escolhido e morto antes da fundação do mundo, foi manifestado no tempo designado por Deus (Ap 13.8; 1Pe 1.19-20) e está assentado, à direita do Pai, nos lugares celestiais (Ef 1.20). Um hino famoso diz, no seu refrão, “vencendo vem Jesus”, o que é verdade da perspectiva humana, mas o próprio Cristo afirma aos seus discípulos, mesmo antes de ser crucificado, que já venceu o mundo (Jo 16.33). Em termos temporais, o problema do mal parece depor contra a onipotência divina, mas as Escrituras nos incentivam a avaliar todas as coisas, inclusive o sofrimento temporário, em relação a eternidade (Rm 8.18), pois virá um tempo (e na eternidade já é algo concreto e perene) em que todo pecado será julgado e toda maldade punida (Ap 20.10, 13-15), e o problema do mal será finalmente resolvido. Nos recessos de seu poderoso Ser e na vastidão dos seus justos e graciosos desígnios, o problema do mal já foi solucionado pelo Senhor, o tempo apenas o revelará.

Universidades que oferecem cursos de magia, grupos esotéricos e ocultistas continuam a propalar suas mistificações; multidões ainda se contorcem seduzidas pela proposta da serpente, cientistas pesquisam novas formas de manipular energia, mas somente Cristo detém o poder e exerce-o com justiça e graça. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste (Cl 1.17).

 

 

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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.