Adauto Lourenço

Um homem e seu tempo

“Grandes são as obras do SENHOR, consideradas por todos os que nelas se comprazem.” (Salmos 111:2)

 

Era um homem calmo, tranquilo, voz serena, olhos azuis um tantinho melancólicos, claramente um manso no sentido bíblico do termo. Não era de levantar a voz, não amava contendas e nem discussões sem fim, mas não fugia do debate quando necessário. Quando contradito não era do seu feitio replicar asperamente, mas buscava ouvir seu interlocutor e por fim respondia quase sempre usando uma analogia ou ilustração, com clareza e lógica, que desarmava ou calava seu oponente.

Tivemos um embate em 2007, em Porto Alegre, entre duas palestras que ele daria em uma igreja. Ele defendendo um argumento que citara na palestra anterior, eu mostrando que este argumento não tinha evidência suficiente para ser utilizado no criacionismo e que não deveria ser transmitido para os leigos como se fosse uma verdade final. Ele calmo, eu exaltado. Ele um reconhecido e amado palestrante de fé & ciência, eu um professor universitário que ninguém ouvira falar. Ouviu o argumento, fez uma ou duas perguntas, escutou minhas respostas, pesou as palavras e silenciou. Sai da conversa com a impressão que meu argumento não fora ouvido. Interpretei mal o seu silêncio. Na palestra que se seguiu fez uma breve inserção e citou seu argumento anterior e, para minha surpresa, esclareceu que não fora feliz em sua argumentação e que o ponto necessitava de maior ponderação e dirigiu-me um rápido olhar no meio da plateia. Nunca esqueci aquela lição de humildade científica e cristã. Sete anos depois, em Campinas, nos encontramos novamente, desta vez no histórico 1° Congresso Brasileiro do Design Inteligente, eu agora na categoria de palestrante. Cerca de trezentas pessoas estavam presentes, acadêmicos de vários calibres, palestrantes estrangeiros e alguns pesquisadores premiados também. Em meio a tantos doutores, ele que não tinha doutorado (era mestre em física do estado sólido, grau obtido nos Estados Unidos, e com sólidas pesquisas em alguns institutos de renome no exterior), não era mais o único a falar de fé & ciência, e parecia pequeno, acabrunhado, desprestigiado. Mas o Senhor honra os seus, e a palestra de encerramento fora destinada a ele, e todos se perguntavam o que iria falar sobre design inteligente, uma teoria desconhecida do grande público, e que ele mesmo pouco dissertava em suas palestras. Durante sua preleção, falando sobre o ajuste ultrafino do universo, não citou o Design Inteligente em nenhum momento e tudo parecia indicar que se constituiria em uma palestra de criacionismo, foco maior de seu ministério. Como era do seu feitio, levantou os argumentos, usou analogias, mostrou dados, contrapôs falácias e, em um crescendo, nos levou paulatinamente à inexorável conclusão lógica que as leis da natureza não poderiam ser de origem natural. Terminou calmamente com a frase: a única explicação possível? E apontando para o slide, no qual estava escrito D.I. (Design Inteligente), respondeu calmamente: certeza! Resposta óbvia. O auditório em pé, explodiu em palmas demoradamente, e naquele momento não havia doutores e pesquisadores premiados no recinto, éramos todos alunos, orientandos, aprendendo com o doutor, experiente no assunto, como se demonstra o experimento. Que encerramento, que palestra! Ele abriu a porteira para outros percorrerem o caminho que estava trilhando há anos e deu boas-vindas à santa concorrência que ali se estabelecia.

Adauto Lourenço, foi um homem que entendeu a importância e o peso da ciência em seu tempo, especialmente na dimensão cristã. Compreendia que a ciência não era contrária às Escrituras, e alertava que alguns homens é que eram contrários a Deus ao se utilizar indevidamente da ciência. Em um tempo onde o cientificismo tomou ares de religião e arautos do naturalismo afirmam desavergonhadamente que a Ciência é a resposta última para tudo, ele ousava afirmar que toda ciência, devidamente estabelecida, e toda Bíblia, corretamente interpretada, nunca entrariam em contradição. Da mesma forma, em uma época onde um crescente número de cristãos, inseguros da veracidade das Escrituras e envergonhados do poder de Deus, buscam na ciência naturalista uma validação para sua fé, Adauto não tinha problema em afirmar reiteradamente a inerrância e infalibilidade da Bíblia. E se a ciência não concordava em algum ponto das Escrituras, Adauto acrescentava que era apenas uma questão de tempo, até que novas evidências viessem e comprovassem que a Bíblia sempre estivera com a razão. Para ele a ciência era fonte de louvor ao Senhor, e os pastores deveriam se esforçar em obter um bom conhecimento científico, além do teológico, para poder identificar as falácias das narrativas cientificistas e alertar seus rebanhos dos perigos de uma fé cega e de uma ciência manca.

Por muitos anos Adauto esteve sozinho na seara do diálogo saudável entre fé e ciência no Brasil, e de muitos modos foi um pioneiro na divulgação do criacionismo e na inserção de muitos jovens nos primeiros passos da apologética cristã. Dono de uma base científica sólida, um falar articulado e defendendo uma teologia correta, palestrou em todos os cantos do nosso país e em vários lugares do exterior. Era amado por onde passava e sua presença era sempre sinônimo de grande audiência. Foi palestrante várias vezes nas Conferências da Fiel e na Consciência Cristã, para ficar apenas entre as maiores, mas também palestrava em igrejas pequenas, em eventos pouco badalados, em cidades interioranas, em associações, em congressos de mocidades. Não era afetado, não se considerava um popstar, não fazia exigências para poder falar em algum evento. Sua mensagem era sempre a mesma: Deus criou todas as coisas com inteligência e poder, e deu ao homem a ciência para investigar as obras de suas mãos e, maravilhado, engrandecê-lO com alegria e louvor.

Em julho de 2022 nos encontramos novamente no 3° Congresso da Sociedade Brasileira do Design Inteligente, no Rio de Janeiro. Eu estava doente e com fortes dores, mas devido ao compromisso assumido, engoli a dor e me fiz presente para palestrar. Ninguém suspeitou de meu quadro de saúde e inicialmente não fiz saber a ninguém. Em uma das sessões, ouvindo uma das palestras e controlando a dor, não percebi que Adauto estava sentado ao meu lado. Ao fim, ele se voltou a mim e perguntou: você está bem? Parece que está sofrendo. Desmoronei. Saímos, conversamos, compartilhei da dor e recebi forças para continuar o dia. À noite saímos para jantar e conversar. Não falamos sobre ciência, mas sobre dúvidas pessoais, dificuldades e dilemas familiares comuns, e sobre como o Senhor era poderoso para nos suster em meio às provações. Choramos, oramos e sai dali consolado, não por um profissional da ciência, mas por um homem de fé. Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão (Pv 17.17). Foi nossa última conversa presencial.

Em uma tarde de domingo, no início de dezembro de 2023, recebi um telefonema dele, dos Estados Unidos. Queria saber se eu o poderia substituí-lo na Consciência Cristã 2024 e foi econômico nas palavras, mas senti sua dor e perguntei: você está sofrendo com algo? Foi a vez de ele desmoronar. E por cerca de duas horas choramos juntos uma situação familiar comum que ambos estávamos vivendo. Por fim aceitei o desafio e todos os conselhos que me deu em como agir na conferência, especialmente com os teens (ele tinha um carinho especial pelos adolescentes). Novamente me senti como um aluno na presença do orientador veterano. Oramos e nos despedimos. Nos meses que se seguiram revelou-se um amigo preocupado com minha saúde mental, espiritual e familiar. Uma semana antes de seu falecimento, já tendo alta do hospital, devido a uma artéria entupida que o levou a um enfarto, mandou-me uma mensagem dizendo que estava indo para casa e que Deus estava no controle. Como sempre sua frase mostrou-se verdadeira em mais de um sentido, alguns dias depois foi para Casa do nosso Pai. Descansou de suas obras. Para alguém que passou a vida se alegrando e tendo prazer nas maravilhas da criação de Deus, ele agora se alegra na poderosa Presença do Maravilhoso Senhor da criação.

Há algumas pessoas que ambicionam deixar sua marca neste mundo, há outras que se esforçam em ser relevantes, seja lá o que isso signifique, em seu meio de atuação, e há pessoas que fazem seu trabalho com fidelidade e mansidão e, sem o perceber, se tornam marcantemente relevantes para toda uma geração. Adauto era dessa última estirpe. Professor, cientista, compositor, pregador, cristão, desbravador… deixou um legado que não será facilmente esquecido. Um homem de seu tempo, que nos ensinou que é possível fazer ciência e ser um cristão fiel. Sobre ele é verdadeiro o verso “Grandes são as obras do SENHOR, consideradas por todos os que nelas se comprazem.” (Sl 111:2).  Fará falta nos tempos sombrios que virão.

Nos veremos Lá outra vez, meu irmão!


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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.