Escolha, um ídolo dos nossos dias

Depositando a esperança nas escolhas de Deus e não nas nossas

O autor inglês e crítico social Os Guinness diz: “A escolha na vida moderna é central, poderosa, inquestionável e consagrada na forma como pensamos e em tudo o que fazemos”.[i] Sabemos que isso é verdade porque você e eu temos inúmeras escolhas todos os dias e em todos os lugares para onde vamos. Não é só no supermercado. Nossas escolhas são quase ilimitadas nos restaurantes, quando pintamos nossas unhas, quando inscrevemos nossos filhos em esportes, no cinema, na Starbucks, na televisão e no médico. Se estamos considerando comida, igrejas, esportes ou escolas – o poder de escolha impera.

Para nós, pessoas privilegiadas do Ocidente, “a vida se tornou um buffet com uma variedade infinita de pratos. E mais importante ainda, a escolha não é mais apenas um estado de espírito. A escolha se tornou um valor, uma prioridade, um direito. Ser moderno é ser viciado em escolha e mudança. Essa é a essência inquestionável da vida moderna”.[ii] Em nosso contexto cultural atual, ser impedido de ter escolha é como ser violado.

Não me entenda mal: ter opções é bom. Sou grata por poder escolher como e onde educar minhas meninas nos Estados Unidos. Estou aliviada por termos opções para tratar a escoliose da minha filha. Votar e expressar minha opinião na política local é importante para mim. Vivi em lugares onde ter essas opções não era a regra, e me sentia sufocada.

Nós, no Ocidente, estamos convencidas de que a escolha nos dará liberdade, maior poder e até mesmo controle. E em muitos aspectos ela dá. O mercado revela a melhor opção. A competição leva à qualidade. A voz do povo faz uma verdadeira diferença.

Mas você já notou que, em vez de sermos donas das nossas escolhas, elas frequentemente são as nossas donas? Em vez de nos tornarmos verdadeiramente livres, ficamos encurraladas? Experimentamos uma espécie de paralisia ao ter que analisar todas as opções disponíveis a nós. E sentimos uma pressão imensa para fazer a melhor escolha.

Não apenas perguntamos: Que tipo de cereal devo comprar, mas também, o que devo fazer com a minha vida? Quem sou eu? Que pessoa eu devo marcar on-line? Como posso determinar e ditar a melhor vida para mim? Como posso me proteger e proteger aqueles que amo de todos os males? Como posso obter o melhor para mim e para minha família?

A escolha em si não é o problema. O problema surge quando você e eu começamos a acreditar que somos onipotentes por termos poder de escolha. Como uma miragem no deserto, a escolha lança uma imagem de poder que não é sustentada por nossa realidade.

Em princípio, o buffet de opções parece atraente, mas, em última análise, nos deixa num frenesi; frenéticas e frágeis. Porque você e eu não somos Deus.

Somos limitadas pela nossa falta de poder real – fazendo escolhas na esperança de que possamos governar nossas vidas, sabendo, no fundo, que não podemos. Não temos o poder real que pensamos que as escolhas nos dariam. E por isso estamos muito cansadas. A pessoa moderna está exausta de tentar preencher o vácuo de poder com uma substância que ela simplesmente não tem.

Escolha: o deus que nos exaure

O exemplo do supermercado sobre molhos para salada é bobo e leve. Representa, todavia, a enorme variedade de opções que temos em nossa cultura do consumismo. James K. A. Smith diz que precisamos auditar a nós mesmas quando se trata de es- colha. Precisamos avaliar o ethos de nossas famílias. Como é o ambiente em nossas casas? Ele diz que muitos lares têm “ritmos frenéticos […] zumbindo com o mito consumista da produção e do consumo”.[iii] Temos a tendência de crer que nosso valor é equivalente ao que podemos produzir e consumir. Olhamos para nós mesmas, para os produtos que escolhemos e compramos, para os métodos que escolhemos para viver, para as coisas que podemos produzir e para as escolhas de estilo de vida que fazemos em busca de nosso valor e de nossa identidade.

Como pessoas modernas tentamos encontrar a nossa identidade naquilo que produzimos e consumimos, e olhamos para as nossas opções e escolhas como se fossem antídotos para os nossos medos. Está com medo de algo? Existe um aplicativo para isso. Sempre existe algo que você pode consumir ou produzir para melhorar a situação. Você tem opções.

Nós vivemos segundo uma equação de variedades: tememos algo, pesquisamos as opções para resolver o que tememos, escolhemos uma, e queremos que funcione para o nosso bem. Por exemplo, em nossas vidas pessoais, tememos a rejeição dos amigos e da família. Portanto, tentamos ser quem eles querem que sejamos. Nós pintamos um personagem que acreditamos vão amar mais. Você e eu acreditamos que podemos controlar a quantidade de aceitação, afeto e afirmação que recebemos.

Em nossa vida profissional, temos medo de não sermos suficientemente boas, de que nossos colegas descubram o fracasso que realmente somos. Portanto, clamamos para provar a nós mesmas, para tornar os nossos nomes conhecidos. Em última análise, você e eu acreditamos que podemos controlar a forma como os outros nos percebem.

Em nossa vida pública, tememos não ser apreciadas – ou, devo dizer, não receber likes o suficiente? Queremos que nosso nome, nossa marca, nossa imagem sejam admirados. Filtramos fotos, criamos legendas e cortamos a vida real, simples assim. Minha amiga Carrie chama isso de “gerenciamento de impressão”. Mais uma vez, você e eu tentamos controlar o que os outros pensam de nós.

Tememos uma quebra na economia ou a perda do emprego, por isso diversificamos os investimentos, observamos o mercado de ações, raspamos o tacho, economizamos e gastamos demais. Tememos o aquecimento global, ou o desmatamento, ou a nossa própria pegada de carbono, e por isso fazemos compras locais, usamos fraldas de pano e banimos o plástico de nossas casas.

Tememos um declínio ou uma crise em nossa saúde – câncer, depressão, Alzheimer, ganho de peso excessivo ou qualquer que seja a doença diagnosticada pelo site do Web-MD no meio da noite. Por isso comemos comida com baixo teor de carboidrato, com pouca gordura, muita gordura, superalimentos, comida sem açúcar, apenas substitutos do açúcar, nenhum substituto do açúcar. É desnorteador.

Temos medo do que pode acontecer com os nossos filhos. Queremos apenas o que for melhor para eles. Por isso andamos como um helicóptero em volta de nossos filhos com menos de cinco anos de idade, coagimos os professores quando lhes dão notas ruins e deixamos que eles voltem a morar conosco quando fracassam ao partirem para a vida adulta.

Nós nos preocupamos com o nosso próprio futuro. Temos fundos de aposentadoria, planos de aposentadoria privada e seguro saúde de longo prazo. Pagamos adiantado pelos nossos funerais, escrevemos testamentos e tentamos deixar o suficiente para os nossos filhos.

Temos a síndrome de FOMO (do inglês, fear of missing out) – o medo de perder algo divertido neste exato momento. Portanto, ficamos sintonizadas com as mídias sociais, enviamos mensagens de texto aos nossos amigos e documentamos cada momento.

Nossos medos vão desde o bobo e superficial até o do tipo de vida ou morte e da eternidade sendo pesada na balança. E nossas opções para combater esses medos vêm em muitas formas e tamanhos. Nossa cultura de consumo comercializa uma miríade de destruidores de problema para você e para mim. Tudo, desde o molho de salada ao LinkedIn, até o coquetel de vitaminas certo, nos ajuda a sentir que estamos no controle.

Mas ao final do dia, após termos estudado todas as nossas escolhas, comprado o melhor que pudemos encontrar e trabalhado arduamente para evitar nossos medos mais profundos, ficamos um pouco ocas. Quando nossas cabeças encostam no travesseiro, suspeitamos que realmente não temos a última palavra – que não podemos, de fato, produzir ou consumir nosso meio de nos livrarmos de nossos medos mais profundos.

Fazer tudo o que podemos talvez não seja suficiente. É um fardo pesado a ser suportado.

Escolhidas em vez de escolher

Em resposta ao nosso vício de escolha e ao frenesi e a fragilidade que o acompanham, Os Guinness diz: “Em última análise, apenas uma coisa pode conquistar a escolha – ser escolhido”[iv]. Somente uma coisa pode nos dar a verdadeira paz: sermos escolhidas, em vez de fazermos todas as escolhas por nós mesmas.

Ser escolhida por quem? Por Deus, o bom e soberano Rei do universo. No final das contas, são as escolhas de Deus que levam a uma paz real e duradoura. Isso é especialmente verdadeiro para o cristão. Quando colocamos toda nossa fé e esperança no Senhor, ele nos dá uma paz para guardar nosso coração que o mundo não pode compreender (Fl 4.7).

Sabemos que ele está fazendo com que todas as coisas cooperem para o nosso bem (Rm 8.28). Mas mesmo os não cristãos experimentam a realidade de que Deus é ativo em nosso mundo. Eles podem não ter olhos para ver, mas Deus entrega a graça comum a todas as suas criaturas.

São as escolhas de Deus – as ações dele, a história dele, a vontade dele – que dão a paz; não nossas escolhas. O bom caráter, a soberania e a vontade de Deus oferecem o único antídoto suficiente a todos os nossos medos. Seguir a Cristo “neutraliza o veneno fundamental da escolha na vida moderna. ‘Eu te escolhi’, disse Jesus, ‘não fostes vós que escolhestes a mim’. Não somos de nós mesmos, fomos comprados por um preço”.[v] E assim nós, que cremos, procuramos seguir a Cristo, não a nós mesmas.

Nós somos escolhidas. Não precisamos depositar toda a nossa confiança em nossa própria escolha.

Sabemos que Tiago, o irmão de Jesus, estava certo quando disse: “Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa. Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo” (Tg 4.14-15).

De fato, não sabemos o que o amanhã trará. Não sabemos se seremos verdadeiramente aceitas por nossos entes queridos. Se seremos consideradas suficientemente boas no trabalho. Se nossos seguidores da mídia social irão “gostar” de nós. Se a economia, o meio ambiente e o governo serão fortes e estáveis. Se estaremos saudáveis e seguras. Se os nossos filhos ficarão bem. Se o nosso futuro será bom. Se estamos perdendo uma vida e um momento melhor do que aquele que estamos vivendo.

Mas Tiago diz, se o Senhor quiser. Não sabemos sobre as nossas vidas e o nosso futuro. Mas Deus sabe. Você e eu podemos descansar, pois a vontade de Deus é boa. Qual é a vontade dele? A vontade dele é a boa-nova. A vontade dele é o evangelho. Você e eu podemos descansar por causa do evangelho. Podemos descansar porque estamos enraizadas, edificadas e estabelecidas em Cristo.

Artigo adaptado do livro Que Eu Diminua, de Jen Oshman. Publicado pela Editora Fiel.

[i] Os Guinness, The Call: Finding and Fulfilling the Central Purpose of Your Life (Nashville: W Publishing Group, 1998), 167.

[ii] Guinness, The Call, 165.

[iii] James K. A. Smith, Você é Aquilo que Ama: O Poder Espiritual do Hábito (São Paulo, SP: Vida Nova, 2017).

[iv] Guinness, The Call, 167.

[v] Guinness, The Call, 167.