O perfil do casamento de Margaret e Richard Baxter

Um casamento puritano

Por várias razões, o casamento de Richard e Margaret se tornou o assunto de Londres. Havia a diferença de idade entre eles: Richard era velho o suficiente para ser pai dela. Havia também a disparidade entre a situação social de ambos: a morte da mãe dela, em 1661, lhe deu uma riqueza considerável. Finalmente, era conhecido de todos que Baxter tinha advogado o celibato para ministros, devido à necessidade de se devotarem sem reservas aos seus ministérios.[1] Embora Baxter nunca tivesse afirmado a visão católica romana de que o casamento dos ministros era ilegal, advertia-os com o desejo de supervisionar o rebanho:

O trabalho do sagrado ministério é suficiente para ocupar o homem inteiro, se ele tivesse a força e os atributos de muitos homens… Acredite, aquele que tiver uma esposa deverá passar muito de seu tempo em sua companhia, em oração e outras obrigações familiares… E, se ele tiver filhos, ó, quanto cuidado, tempo e trabalho eles irão demandar.[2]

Porém, uma vez que se casou, Baxter descobriu que o casamento estava em bastante sintonia com ele. Como ele escreveu depois da morte de sua esposa: “Vivemos em amor inviolável e mútua complacência, cientes do benefício do auxílio mútuo. Nesses quase dezenove anos, não me lembro de uma única vez que tenhamos divergido em questão de amor ou de interesse”.[3]

Essa afirmação, contudo, deve ser lida à luz do fato de que nem Richard nem Margaret eram pessoas tranquilas. Richard, estudioso e, de certa forma, recluso, não era muito treinado no trato social. Às vezes, era mal-humorado e tinha uma língua afiada, possivelmente um efeito colateral por viver regularmente com dores.[4] Margaret, então, o repreendia gentilmente quando ele se mostrava descuidado ou precipitado em seu discurso. Baxter escreve: “Se minha aparência não estivesse agradável, ela fazia com que eu me ajeitasse (o que meu estado físico fraco e doloroso me deixava indisposto a fazer)”.[5] Baxter aprendeu uma lição valorosa sobre o casamento por meio da correção de Margaret em relação às suas faltas. Não foi nada menos do que uma escola de santificação. E aconselhou maridos e esposas em Christian Directory:

Não ocultem o estado de suas almas, nem escondam suas falhas um do outro. Vocês são como uma carne e devem ter um coração: e, assim como é tão perigoso para um homem ser desconhecido para si mesmo, também é muito nocivo para o marido ou a esposa serem desconhecidos um do outro; nesses casos, eles necessitam de ajuda. Não passa de uma tola sensibilidade de sua parte quando você esconde a doença de seu médico ou de seu amigo prestativo; e quem deveria ser gentil e prestativo para você como vocês deveriam ser um para o outro? De fato, em alguns poucos casos, em que revelar uma falta ou um segredo não fará nada além de extinguir a afeição, e não promover o auxílio do outro, é sábio ocultar; mas esse não é o caso mais corriqueiro. Abrir o coração um para o outro é necessário para a ajuda mútua.[6]

Margaret, por outro lado, estava geralmente sobrecarregada por medos irracionais obsessivos, pesadelos e pavor. Parte disso foi causada por haver quase morrido pelo menos quatro vezes antes de conhecer Richard, além de um incidente traumático, em especial na Guerra Civil, quando o castelo de sua mãe foi cercado, invadido e saqueado, e “homens foram mortos bem na sua frente”.[7] E ela também sofria de várias enfermidades, em especial ataques regulares de enxaqueca e congestão dos pulmões.[8] De resto, tinha “uma perspicácia extraordinária, aguda e contundente” e era capaz de avaliar o caráter de homens e mulheres bem rapidamente. Ela tendia, segundo Baxter, a ser quieta e reservada, e dado o dom dela de compreender os outros, esperava “que todos compreendessem sua mente sem [ela] expressá-la”. Como era de se esperar, quando as pessoas, inclusive seu marido, falhavam em entender o que ela estava pensando, sentia-se frustrada.[9] Apesar disso, ao contrário de seu marido, ela não tinha problemas com a raiva.

Ademais, as circunstâncias em que foram criados deram a eles expectativas bem distintas acerca de como cuidar da casa, o que, sem dúvida, causava certa tensão. Baxter escreve sobre si mesmo:

Fui criado em meio a pessoas simples, inferiores [quer dizer, humildes], e acreditava que lavar tanto as escadas como os quartos, para mantê-los limpos como tábuas de cortar pão ou louça, e toda a falação a respeito de limpeza e ninharias, tudo isso era curiosidade pecaminosa e gasto de tempo dos servos, os quais poderiam, durante aquele tempo, ler algum bom livro. Mas ela, que fora criada de outra forma, tinha outro modo de pensar.[10]

Os anos que passou sozinho deixaram Baxter indiferente quanto às questões de cuidar de uma casa. Apesar disso, ele ficou feliz de ter alguém eficiente que cuidasse de seus assuntos. A casa dos Baxter, como todas as outras, tirando as mais pobres daquela época, tinha servos. Margaret se mostrava uma senhora extremamente gentil e carinhosa em relação a eles, quase sempre deixando passar suas faltas e erros.[11] Ela insistia em que Richard os catequizasse uma vez por semana e lhes ensinasse a Bíblia. Havia ocasiões em que Baxter estava tão envolvido em seus estudos que se esquecia de sua obrigação. Então, Margaret o lembrava gentilmente com uma expressão de “encrenca” no rosto.[12]

Os servos no lar dos Baxter eram tratados como família: “Ela nutria um desejo sincero pela conversão e a salvação de seus servos”, escreveu Baxter, “e se sentia muito preocupada com a possibilidade de que tantos deles (embora toleráveis em seu serviço) fossem embora tão ignorantes, ou alheios em relação à verdadeira piedade, quanto tinham chegado; e aqueles que se convertiam genuinamente conosco, ela amava como se fossem filhos”.

Eles também viveram tempos muito difíceis quando os conhecidos como puritanos se viram atirados em uma fornalha de perseguição. Richard, conhecido como o principal líder entre os puritanos, viu-se perseguido por espiões, era alvo frequente de calúnias e, em pelo menos uma ocasião, foi detido e aprisionado. Eles precisavam mudar de casa frequentemente e, mais de uma vez, viveram no que só podia ser chamado de circunstâncias miseráveis. Pode-se ter uma boa ideia da natureza do caráter de Margaret quando Baxter nos conta que, por ocasião de sua primeira prisão, em 1669, Margaret “alegremente foi comigo para a prisão; ela levou sua melhor cama para ali e se esforçou muito para remover as inconveniências da prisão. Acho que, poucas vezes, ela passou um período mais agradável na vida do que quando esteve lá comigo”.

 

Este artigo é um trecho adaptado e retirado do livro 8 Mulheres de fé, de Michael Haykin, Editora Fiel.

 

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[1] Autobiography of Richard Baxter, 173–74; Wilkinson, Richard Baxter and Marga- ret Charlton, 109. Mas, mesmo após o seu próprio casamento, ele conseguia encora- jar os ministros a pensarem duas vezes antes de se casar: Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 155–58; Christian Directory II.1, em Practical Works of the Rev. Richard Baxter, 1:400–401. Ver também Beougher, “Puritan View of Marriage”, 152.

[2] Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 155–56.

[3] Ibid, 110.

[4] Ibid., 132, 135-36, 142.

[5] Ibid. 129.

[6] Christian Directory II.7, em Practical Works of the Rev. Richard Baxter, 1:436.

[7] Wilkinson, Richard Baxter and Margaret Charlton, 106-7. Ver também 116-17, 134-35, em que Baxter dá outras razões para o medo dela.

[8] Ibid., 146.

[9] Ibid., 106.

[10] Ibid., 137.

[11] Ibid., 132, 135.

[12] Ibid., 129.

Por: Michael Haykin. ©MinistérioFiel. Website: ministeriofiel.com.br. Todos os direitos reservados. Revisão: Vinicius Lima. Editor: Renata Gandolfo.