A Revolução Sexual e o corpo da mulher e do bebê

Os bebês não nascidos são pessoas?

A legalização do aborto é apenas uma parte de um quadro cultural mais amplo. A Revolução Sexual — enquanto mudança social maciça e abrupta em si mesma — nasceu de uma longa sequência de mudanças que priorizavam o eu autônomo acima do bem comum, como vimos no capítulo 2. O advento da pílula anticoncepcional e o divórcio sem culpa trabalharam juntos para desvincular o sexo das consequências da gravidez e do contexto do casamento.

Mas aqui está o que perdemos de vista hoje quando falamos sobre contracepção: a pílula foi feita para as mulheres. Desde o seu advento, a contracepção tem sido o fardo das mulheres, não dos homens. As mulheres o ingerem; as mulheres são afetadas por ele. É o corpo feminino que é considerado quebrado, desalinhado, precisando de conserto.

Seja por conveniência, por propósito ou subconscientemente, rotulamos coletivamente o corpo masculino como normal, preferido, bom do jeito que está. Era o corpo da mulher que precisava ser mudado, sua biologia alterada, não o dele. O grito por igualdade no feminismo de segunda onda foi uma declaração de que a fisiologia feminina é um problema e a solução é encontrada em ter um corpo que pode funcionar mais como o de um homem.

Como a história poderia ser diferente se, em vez disso, naquele momento, ficássemos com nosso Criador e proclamássemos que o corpo feminino era muito bom? E se, em vez de suprimir o que as mulheres podem fazer, celebrássemos? E se, em vez de prevenir a gravidez, a protegêssemos? E se trocássemos inconveniência por admiração?

Todavia, sabemos o que aconteceu. Na busca por sexo desenfreado, começamos a sacrificar tanto mulheres quanto crianças. Em vez de ajustar o corpo masculino, ou melhor ainda, nossa sociedade — nossos valores, nossos apetites, nosso limite para a violência legalizada — legalizamos o aborto.

Consagrado em lei

Aos vinte e um anos, Norma McCorvey estava grávida de seu terceiro filho. Ela queria um aborto, mas não era algo legalizado no Texas em 1969, a menos que fosse para salvar a vida da mãe. Depois de buscar um aborto ilegal em uma clínica clandestina e descobrir que havia sido fechada recentemente, ela começou a trabalhar com um advogado de adoção para se preparar para o nascimento de seu filho. Por acaso, seu advogado a conectou a um advogado que estava se preparando para desafiar a lei de aborto do Texas.

McCorvey recebeu o pseudônimo de Jane Roe (o Roe em Roe x Wade), e um processo foi aberto em seu nome contra o promotor do condado de Dallas, Henry Wade (o Wade em Roe x Wade). McCorvey nunca compareceu ao tribunal, nunca testemunhou e não queria necessariamente que o aborto fosse amplamente legalizado — ela só queria fazer um.

Por fim, em 23 de janeiro de 1973, a Suprema Corte americana emitiu uma decisão com o placar de 7 a 2 em favor de Jane Roe, legalizando o aborto em todo o país.[1] Os ministros determinaram que as mulheres têm o direito fundamental de optar por interromper a própria gravidez, sem restrição governamental excessiva. Eles argumentaram que proibir o aborto infringia o direito de privacidade de uma mulher grávida, por causa da angústia e das dificuldades associadas a uma criança indesejada ou não planejada.

Ao longo do caso, McCorvey deu à luz seu bebê e o colocou para adoção. Ela nunca fez um aborto.

Em uma reviravolta surpreendente e amplamente desconhecida dos eventos, depois de trabalhar em uma clínica de aborto e testemunhar em primeira mão seu impacto nas mulheres, McCorvey rejeitou o movimento pelo direito ao aborto e foi trabalhar em um centro de recursos de gravidez pró-vida. Em 2005, perante o Comitê Judiciário do Senado, ela prestou este testemunho:

Acredito que fui usada e abusada pelo sistema judicial na América. Em vez de ajudar as mulheres em Roe x Wade, eu trouxe destruição para mim e milhões de mulheres em toda a nação […]. Em vez de me ajudar financeiramente ou profissionalmente, em vez de me ajudar a largar as drogas e o álcool, em vez de trabalhar para uma adoção aberta ou me dar outra ajuda, meus advogados […] estavam procurando uma jovem mulher branca para ser cobaia de uma grande nova experiência social […]. Você tem alguma ideia de quanto sofrimento emocional eu experimentei? É um inferno saber que você desempenhou um papel, embora em algum sentido eu fosse apenas um peão do sistema legal.[2]

Os bebês não nascidos são pessoas?

No coração da decisão Roe x Wade estava uma pressuposição prevalecente, embora provavelmente subconsciente, em toda a sociedade de que definimos a nós mesmos. Temos acreditado cada vez mais ao longo do último século que nossa identidade, nossa realidade, quem realmente somos, é autoinventada e autorrealizada. Em 1973, as mulheres americanas ganharam o direito de abortar por não se definirem como mães.

Pouco importa que os bebês existam. Pouco importa que as mulheres estejam realmente grávidas. Sentimentos, não fatos, moldam a realidade.

A opinião majoritária, escrita pelo juiz Harry Blackmun, diz que “a palavra ‘pessoa’, conforme usada na Décima Quarta Emenda, não inclui os não nascidos […]. Se a sugestão de personalidade for estabelecida […], o direito do feto à vida seria então garantido”.[3] Os bebês não nascidos, ele argumentou, podem ser humanos, mas não são pessoas, porque não têm capacidade de se autodefinir. Inspirando e expirando o ar cultural da época, a Suprema Corte decidiu que uma pessoa é alguém que define sua própria existência. Para ser uma pessoa, é preciso ser capaz de pensar, não apenas de ser.[4]

Dualismo: corpo e mente

Decorre dessa cosmovisão, então, que um aborto é um ato do corpo e não gera nenhuma consequência para a mente. Achamos que não deve haver nenhum desdobramento mental ou emocional de um aborto, porque nós não somos nossos corpos. Além disso, podemos acabar com uma vida não nascida sem quaisquer efeitos nocivos, porque é apenas um humano, não uma pessoa. Não é algo danoso, porque fetos abortados são apenas corpos.

Essa filosofia da personalidade tem consequências reais. Até o momento, mais de 60 milhões de mulheres na América fizeram uma escolha sobre quem querem ser e infligiram essa escolha aos seus próprios corpos e aos corpos de seus bebês.[5] Os conselheiros nas clínicas de aborto dizem às mulheres todos os dias que o aborto é uma boa opção. Dizem que é seguro, não é muito doloroso, é emocionalmente menos prejudicial do que dar à luz o bebê. Mulheres com gravidezes não planejadas são convencidas de que o ato físico não ferirá seus corações e almas imateriais.

Mas o que tem sido louvado como uma escolha empoderadora desde 1973 provou ser um arrependimento devastador. As vítimas do aborto não são apenas os bebês. São também as mães que acreditam nos conselheiros pró-aborto, seus parceiros, amigos e familiares, e uma cultura que diz: “Você tem que fazer isso. É melhor assim. Afinal, não é uma pessoa. Você pode eliminar esse erro e seguir em frente com sua vida como se nunca tivesse acontecido. Você pode fazer e celebrar a escolha de determinar o seu destino.

Aborto: os dados

Meio século após sua legalização, devemos finalmente, e plenamente, admitir que o aborto é uma falsificação cultural, uma promessa vazia. O que se segue não é um relato definitivo de todos os efeitos nocivos do aborto, mas espero que seja esclarecedor. Devo avisar-lhe agora que provavelmente será uma leitura desanimadora. Geralmente não somos abertas e honestas sobre as tristes realidades do aborto. Esse é um tema pesado.

Então, aqui está o que devemos lembrar: “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo 1.5). Temos que ser honestas e realistas sobre o que está obscuro, para que a luz possa brilhar. Jesus é a luz do mundo. Ele é vitorioso e está vivo. Ele é o doador da vida. Nem mesmo a escuridão do aborto pode vencê-lo.

Meu desejo é que nós, mulheres, saibamos mais do que apenas frases de efeito e estejamos prontas com a verdade para que possamos oferecer esperança real a nós mesmas, nossas irmãs, nossas amigas, nossas filhas e qualquer desconhecida na rua que não saiba o que fazer com a criança não planejada em seu ventre.

O aborto rebaixa o genuíno feminismo. Ninguém dentro do movimento diz mais que o aborto destrói “apenas um aglomerado de células”. Bioeticistas, médicos, conselheiros e ativistas sabem que um embrião é um bebê de verdade. Uma integrante do grupo Feminist for life [Feministas pela vida] disse que vincular o feminismo ao aborto é criar “feminismo terrorista”, porque força a feminista a estar “disposta a matar pela causa em que acredita”.[6] Enquanto as feministas originais protegiam mulheres e crianças, eram ativistas antiescravidão, reformadoras sociais e sufragistas, o feminismo de segunda onda não pode ser separado do assassinato.

A maioria das mulheres se sente pressionada a abortar, despreparada para isso e culpada por isso. Um estudo revela o seguinte sobre mulheres após o aborto nos Estados Unidos:[7]

  • Mais de 90% disseram que não receberam informações suficientes para fazer uma escolha consciente;
  • Mais de 80% disseram que provavelmente não teriam abortado se não tivessem sido tão fortemente encorajadas a fazê-lo;
  • 83% disseram que teriam continuado a gestação se tivessem tido mais apoio.

O aborto aumenta consideravelmente os riscos à saúde mental das mulheres. Um estudo do British Journal of Psychiatry descobriu que o aborto causa:[8]

  • 81% de aumento no risco de doenças mentais;
  • 34% de aumento no risco de ansiedade;
  • 37% de aumento no risco de depressão;
  • 110% de aumento no risco de uso de álcool;
  • 155% de aumento no risco de suicídio.

As mulheres procuram abortos por razões que podem ser aliviadas com outros serviços sociais e apoios. De acordo com a Care Net, uma organização que reúne milhares de centros de recursos de gravidez, as mulheres são levadas ao aborto pelas seguintes razões:[9]

  • finanças (40%);
  • tempo (36%);
  • razões relacionadas ao parceiro (31%);
  • a necessidade de se concentrar em outras crianças (29%);
  • várias razões (64%);
  • um evento traumático recente, como desemprego, rompimento ou atraso no aluguel ou hipoteca (57%);
  • um problema físico ou de saúde (12%);
  • estupro (1%);
  • incesto (<0,5%).

O aborto tem um passado e um presente racistas. Margaret Sanger fundou a Planned Parenthood[10] [Parentalidade planejada] e defendeu o controle de natalidade no início dos anos 1900. Os motivos de Sanger eram racistas e enraizados no movimento eugenista, cujo lema era: “Mais do apto, menos do inapto”. Embora eu esteja certa de que a maioria dos funcionários da Planned Parenthood atualmente não seja intencionalmente racista, os números atuais de aborto relacionados à raça deveriam causar um clamor público.

O aborto é responsável por 61% das mortes de negros americanos e 64% das mortes de hispânicos/latinos.[11] Enquanto os negros americanos representam apenas 13% da população dos EUA, as mulheres negras praticam 36% de todos os abortos. Esses desequilíbrios grosseiros deveriam fazer cada americano parar e pensar. Por que permitimos que os provedores de aborto se aproveitem de mulheres negras?

Deixe-me ser bastante direta: essas estatísticas não são porque as mulheres negras ou hispânicas/latinas são mais egoístas ou mais violentas. É porque elas, como todas nós, foram moldadas por uma cultura e um contexto que dizem que o aborto é melhor para você do que um bebê. Para as mulheres com menos recursos, como muitas vezes é o caso das mulheres que estão entre as minorias nos Estados Unidos, o aborto muitas vezes parece o único caminho a seguir.

Todas nós precisamos nos perguntar o que estamos fazendo para apoiar mulheres necessitadas. Como podemos nos juntar às mulheres à margem da sociedade para que o aborto não pareça sua melhor opção?

Abortos em casa

O número total de abortos nos Estados Unidos está em declínio, o que provavelmente se deve a um aumento no uso de contraceptivos, à recessão sexual discutida no capítulo 5 e à subnotificação de abortos em casa (discutidos a seguir). O ano mais recente para o qual as estatísticas de aborto dos Estados Unidos estão disponíveis (2017) revela que a vida de 862.000 bebês foram encerradas apenas naquele ano.[12] Esse número “reduzido” ainda é trágico e não inclui uma contagem abrangente de abortos induzidos por medicamentos, que são cada vez mais rotineiros, mas difíceis de rastrear.

A crescente disponibilidade de abortos em casa faz com que o enfrentamento da falsificação que é o aborto pareça mais urgente do que nunca. O aborto por medicação está atualmente disponível para as mulheres através de clínicas de aborto, seus médicos, do correio via telemedicina ou de um pedido pela internet. Em 2023, por lei, as clínicas universitárias públicas do campus na Califórnia começarão a oferecer abortos induzidos por medicamentos aos seus alunos (a pílula do dia seguinte, que é diferente de um aborto medicamentoso, já está disponível em máquinas de venda automática em campi universitários em todo o país).

Uma mulher que dá fim a sua gravidez por medicação ingere primeiro uma pílula contendo mifepristona para excluir de seu corpo a progesterona, que é necessária para apoiar uma gravidez. No dia seguinte, a mulher toma um comprimido contendo misoprostol, que induz o aborto espontâneo. A aparente facilidade e anonimato tornaram o processo atraente, mas ele permanece muito perigoso. As mulheres experimentam cólicas (muitas vezes extremas e debilitantes), hemorragia e o parto de um bebê morto. Embora a Planned Parenthood pressione as mulheres a ingerir a primeira pílula antes de deixarem seus escritórios, tudo isso pode acontecer na privacidade de sua própria casa (ou talvez no banheiro não tão privado de um dormitório), o que significa que as mulheres e meninas estão ainda mais isoladas e em risco físico e emocional com esses chamados abortos autoconduzidos. Permitir que uma mulher suporte tal risco e trauma por si só deve ser impensável. Em que outra esfera da medicina isso é sequer imaginável?

Mulheres e seus bebês merecem muito mais.

 

Artigo adaptado do livro Feminilidade distorcida, de Jen Oshman. Publicado pela Editora Fiel.


[1] [N.T.] Em 24 de Junho de 2022 (após a publicação original deste livro), a Suprema Corte americana decidiu, no caso conhecido como Dobbs x Jackson Women’s Health Organization, reverter a decisão de Roe, afirmando que a constituição americana não confere direito ao aborto; a questão, portanto, deveria voltar às legislaturas de cada estado.

[2] Norma McCorvey, “Testimony of Norma McCorvey”, June 23, 2005 (disponível em:  https://www.judiciary.senate.gov/imo/media/doc/McCorvey%20Testimony%20062305.pdf, acesso em 2 set.2022).

[3] Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).

[4] Devo os créditos à autora e filósofa Nancy Pearcey, que dá a esse dualismo um tratamento completo em seu livro Love Thy Body (Grand Rapids, MI: Baker, 2018) [em português: Ama teu corpo (Rio de Janeiro: CPAD, 2020)].

[5] “Reported Annual Abortions 1973–2017”, National Right to Life Educational Foundation, 2018 (disponível em:  https://nrlc.org/uploads/factsheets/FS01AbortionintheUS.pdf, acesso em 3 set.2022).

[6] Randy Alcorn, “It Is Possible to Be a Feminist and Be Prolife,” Eternal Perspective Ministries (blog), June 11, 2018 (disponível em: https://www.epm.org/blog/2018/Jun/11/prolife-feminist, acesso em 3 set. 2022).

[7] “Key Facts about Abortion”, Elliot Institute, n.d., www.afterabortion.org, citado em Randy Alcorn, Why Pro-Life?: Careing for the Unborn and Their Mothers (Peabody, MA: Hendrickson, 2012), p. 77.

[8] Priscilla K. Coleman, “Abortion and Mental Health: Quantitative Synthesis and Analysis of Research Published 1995–2009”. Cambridge University Press, January 2, 2018 (disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/the-british-journal-of-psychiatry/article/abortion-and-mental-health-quantitative-synthesis-and-analysis-of-research-published-19952009/E8D556AAE1C1D2F0F8B060B28BEE6C3D, acesso em 3 set. 2022).

[9] Care Net, “Facts on Abortion”, 2019 (disponível em: https://www.care-net.org/hubfs/Downloads/Top_40_Abortion_Statistics.pdf, acesso em 23 set. 2022).

[10] [N.T.] Organização americana que é a maior responsável pela realização de abortos no país.

[11] Danny David, “Study: Abortion Is the Leading Cause of Death in America”, Live Action News, August 11, 2016 (disponível em: https://www.liveaction.org/news/unc-study-demonstrates-effect-of-abortion-on-minorities-and-public-health/, acesso em 3 set. 2022).

[12] “Induced Abortion in the United States, Fact Sheet”, Guttmacher Institute, set.2019 (disponível em: https://www.guttmacher.org/fact-sheet/induced-abortion-united-states, acesso em 3 set. 2022).

 


Por: Jen Osham ©MinistérioFiel. Website: ministeriofiel.com.br. Todos os direitos reservados. Revisão: Vinicius Lima. Editor: Renata Gandolfo.