Um blog do Ministério Fiel
Lendo e interpretando a Bíblia corretamente
Capítulo 2 da série As epístolas do Novo Testamento
Este é o segundo de 09 capítulos da série da revista Tabletalk: As cartas do Novo Testamento.
É frequente ouvir a acusação de que não podemos crer na Bíblia porque pessoas podem fazê-la dizer o que desejam que ela diga. Essa acusação seria verdadeira se a Bíblia não fosse a Palavra objetiva de Deus e, em vez disso, fosse simplesmente um texto que pode ser moldado, mudado e distorcido para ensinar os nossos próprios preceitos. A acusação seria verdadeira se não fosse uma ofensa a Deus, o Espírito Santo, ler na Escritura Sagrada algo que não está lá. Entretanto, a ideia de que a Bíblia pode ensinar tudo que desejamos que ela nos ensine não é verdadeira se nos aproximamos da Escritura com humildade, e tentar ouvir o que a Bíblia diz por si mesma.
Às vezes, a teologia sistemática é rejeitada por ser vista como uma imposição imprópria de um sistema filosófico às Escrituras. A teologia sistemática é vista como um sistema preconcebido, um padrão arbitrário no qual as Escrituras têm de ser forçadas a enquadrar-se pela mutilação de textos e partes que a tornam incapaz de enquadrar-se. No entanto, a abordagem apropriada à teologia sistemática reconhece que a própria Bíblia contém um sistema de verdade; e o dever do teólogo é não impor à Bíblia um sistema, mas formular uma teologia por entender o sistema que a própria Bíblia ensina.
No tempo da Reforma, para cessar interpretações inverificadas, especulativas e fantasiosas da Escritura, os reformadores apresentaram um axioma fundamental que deve reger toda interpretação bíblica. Chama-se a analogia da fé e significa basicamente que a Escritura Sagrada é seu próprio intérprete. Em outras palavras, devemos interpretar a Escritura de acordo com a própria Escritura. Ou seja, o árbitro supremo em interpretar o significado de um versículo específico da Escritura é o ensino geral da Bíblia.
Por trás do princípio de analogia da fé, está a confiança de que a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus. Se ela é a Palavra inspirada de Deus, tem, portanto, de ser lógica e coerente. Céticos, porém, dizem que “a coerência é o espantalho das pequenas mentes. Se isso fosse verdade, eles teriam de dizer que a menor mente de todas é a mente de Deus. Mas não há nada essencialmente pequeno ou fraco a ser achado na coerência. Se a Escritura é a Palavra de Deus, podemos esperar com razão que toda a Bíblia seja coerente, inteligível e unificada. Nossa pressuposição é que Deus, por causa de Sua onisciência, nunca seria culpado de contradizer a Si mesmo. Logo, é calunioso ao Espírito Santo escolhermos uma interpretação de uma passagem específica que a coloca de forma desnecessária em conflito com o que foi revelado em outras passagens. Por isso, o princípio que rege a hermenêutica ou a interpretação reformada é a analogia da fé.
Um segundo princípio que rege uma interpretação objetiva da Escritura se chama o sensus literalis. Muitas vezes, pessoas já me disseram sem acreditar: “Você não interpreta a Bíblia num sentido literal, não é mesmo?”. Nunca respondo essa pergunta dizendo: “Sim”. E nunca a respondo dizendo: “Não”. Sempre respondo dizendo: “É claro, existe outra maneira de interpretar a Bíblia?”. Sensus literaris não significa que cada texto da Escritura recebe uma interpretação “rigidamente literal”. Em vez disso, significa que temos de interpretar a Bíblia no sentido em que está escrita. Parábolas devem ser interpretadas como parábolas, símbolos como símbolos, poesia como poesia, literatura didática como literatura didática, narrativa histórica como narrativa histórica, cartas ocasionais como cartas ocasionais. Esse princípio de interpretação literal é o mesmo princípio que usamos para interpretar com responsabilidade qualquer fonte escrita.
O princípio de interpretação literal nos dá outra regra, ou seja, que, em um sentido, a Bíblia deve ser lida como qualquer outro livro. Embora a Bíblia não seja como qualquer outro livro porque leva consigo a autoridade da inspiração divina, a inspiração do Espírito Santo em um texto escrito não torna verbos em substantivos, nem substantivos em verbos. Nenhum sentido especial, secreto, enigmático e esotérico se acha em um texto apenas porque é divinamente inspirado. Não, não existe a habilidade mística que chamamos “grego do Espírito Santo”. Não, a Bíblia deve ser interpretada de acordo com as regras normais de linguagem.
Intimamente relacionado a este ponto, está o princípio de que o implícito deve ser interpretado pelo explícito, em vez de o explícito ser interpretado pelo implícito. Essa regra específica de interpretação é violada sempre. Por exemplo, lemos em João 3:16 que “todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, e muitos de nós concluem que, se a Bíblia ensina que todo aquele que crê será salvo, isso significa, portanto, que qualquer pessoa pode exercer fé sem a obra anterior de regeneração do Espírito Santo. Ou seja, se o chamado para crer é dado a todos, isso sugere que todos têm a capacidade natural de obedecer a esse chamado. No entanto, o mesmo autor do evangelho nos mostra, três capítulos depois, a explicação de Cristo que ninguém pode vir a Ele se isso não lhe for dado pelo Pai (6:65). Isto é, a nossa capacidade moral para vir a Cristo é ensinada explícita e especificamente como algo que não temos sem a soberana graça de Deus. Por conseguinte, todas as implicações que sugerem o contrário têm de ser subordinadas ao ensino explícito, em vez de forçarmos o ensino explícito a se conformar com as implicações que extraímos do texto.
Por fim, é sempre importante interpretar passagens obscuras à luz daquelas que são claras. Embora afirmemos a clareza básica da Escritura Sagrada, não afirmamos, ao mesmo tempo, que todas as passagens são igualmente claras. Inúmeras heresias se desenvolveram quando pessoas insistiram na conformação com passagens obscuras, em vez das passagens claras, ao distorcer toda a mensagem da Escritura. Se algo não é claro em um texto da Escritura, provavelmente é esclarecido em outras passagens. Quando temos duas passagens da Escritura que podemos interpretar de maneiras diferentes, queremos sempre interpretar a Bíblia de uma maneira que não viole o princípio básico de unidade e integridade da Escritura.Estes são alguns princípios básicos e práticos de interpretação bíblica que apresentei anos atrás em meu livro O conhecimento das Escrituras. Menciono esse livro aqui porque muitas pessoas me disseram como o livro lhes foi útil em guiá-las a uma prática responsável de interpretação bíblica. Aprender os princípios de interpretação é extremamente útil para nos guiar em nosso próprio estudo.