Um blog do Ministério Fiel
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Falamos muito no podcast sobre fugirmos de uma vida de trivialidade, abandonarmos esse desejo de sermos entretidos a todo instante. Mas aqui está uma pergunta única sobre o assunto, com uma perspectiva que até agora não abordamos. Esta pergunta vem de um jovem anônimo, ele diz: “Olá, Pastor John! Com sua ênfase no hedonismo cristão, minha pergunta é sobre como você pensa acerca do tédio. Muitas vezes me pergunto o que é isso exatamente e por que Deus criou o mundo com o tédio sendo uma característica principal da vida diária – pelo menos nesta época, pós-queda. Não estou falando de depressão, mas do tédio geral nesta vida, comum a todos nós.
“Buscamos nos ocupar com trabalho, família e hobbies para não senti-lo. Mas o tédio está sempre lá. Basta um momento em que fiquemos inativos e o tédio nos encontra novamente. Tal tédio neste mundo parece levar a todos os tipos de comportamentos que os cristãos consideram pecaminosos: uso de drogas, excesso de busca por prazer em smartphones, mídias sociais, entretenimento e jogos, relacionamentos pecaminosos, fofocas e conversas banais. Pensando de maneira mais profunda, o que é o tédio? O que causa isso? O que isso significa? E você acha que Deus tem um propósito para seus filhos em relação a todo esse tédio que sentimos?”
Eu realmente gostei de pensar sobre essa questão, em parte porque eu nunca pensei sobre isso antes. Eu nunca considerei como a palavra (ou a experiência de) tédio é tratada na Bíblia. Isso não é incrível? Acho que nunca me fiz essa pergunta até me preparar para este programa. Eu nunca tinha feito uma pesquisa sobre a palavra ou sobre o tema do tédio na Bíblia, então isso não foi chato para mim, o que nos diz algo imediatamente sobre o significado do tédio – ou seja, tem a ver com a monotonia. Tem a ver com repetições maçantes que não têm interesse para nós. Então, a razão pela qual pensar sobre o tédio não era chato para mim é porque não foi algo monótono, maçante ou repetitivo. Eu nunca fiz isso antes, e eu queria saber o que a Bíblia tem a dizer. Aliás, este verbo “querer” é uma palavra-chave para o “não-tédio”.
E aposto que nossos ouvintes já adivinharam o que eu descobri – ou seja, essa palavra não está na Bíblia. Tanto a palavra “tédio” como a palavra “chato” não estão na Bíblia. Portanto, é interessante para mim o fato de que a Bíblia não tem a palavra chato e também não tem a palavra interessante em lugar algum. Não tem a palavra excitante. Não há a palavra fascinante em nenhum lugar dela. (A propósito, estou me baseando na ESV. Pode haver outras traduções em inglês que eu desconheça que possam ter algumas dessas palavras, mas não a ESV).
Livro do Tédio
Embora a palavra tédio não seja encontrada na Bíblia, há na Bíblia um livro inteiro dedicado ao tédio. É chamado Eclesiastes. Escute esses versículos logo na introdução do livro:
Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?
Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. (Eclesiastes 1.2-8).
Agora, essa é provavelmente a coisa mais próxima que você tem da palavra tédio: “Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol… Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento.” (Eclesiastes 1.8-9, 14). Essa é uma descrição muito poderosa de uma vida que buscou o não-tédio e não o encontrou debaixo do sol – isto é, sem Deus.
Eclesiastes é um livro sobre como é a vida se Deus não for o sol brilhante em nosso céu e se sua Palavra não for a carta de nossas vidas. E acho que isso está na Bíblia porque o homem que nos enviou essa pergunta está certo. A experiência do tédio é universal – não que todo mundo o experimente o tempo todo, mas todo mundo já experimentou o tédio. E ele também tem razão quando diz que, por sua própria natureza, ninguém gosta dele. O tédio, por sua própria natureza, é insatisfatório. Se você está satisfeito, não está entediado.
E ele também está certo de que, como ninguém gosta de ficar entediado, todos nós tomamos medidas – de acordo com nossas personalidades, circunstâncias e crenças – para nos livrarmos disso. Se formos muito enérgicos, talvez nos esforcemos para superar o tédio ou nos divertiremos como loucos para nos livrarmos dele. E se formos mais letárgicos, talvez nos sentemos no sofá, nos tornemos um viciado em televisão, liguemos a TV e tentemos nos livrar do tédio com filmes e mais filmes, streamings e mais streamings.
Por que estamos entediados?
Então, ele pergunta: “Na raiz, o que é tédio? O que significa? Deus tem um propósito para seus filhos” – e eu acrescentaria, para o mundo?
E minha resposta é que, na raiz, o tédio é a experiência implacável de não encontrar satisfação neste mundo. Algo começa sendo excitante, satisfatório, mas logo nos cansamos disso e precisamos de outra coisa. Tiramos férias nos Alpes, ficamos maravilhados por talvez dois ou três dias, e antes que uma semana acabe, as cortinas são puxadas e estamos sentados na frente da TV, tentando obter o estímulo que não estamos recebendo dos Alpes mais. Mesmo grandes coisas podem se tornar chatas para o coração humano caído.
O que significa? Qual é o significado? O que Deus tinha em mente quando ordenou a experiência universal de tédio em um mundo de pecado e rebelião contra Deus? Qual é o propósito dele? Vou dar três respostas: uma da Bíblia, uma de C.S. Lewis, e uma do poeta do século XVII George Herbert (meu favorito, eu acho). E eles são todos a mesma resposta em diferentes formas.
1. A eternidade em nosso coração
Eclesiastes 3.11 diz: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim.” Agora, eu não sei tudo o que esse versículo significa, mas o mínimo que significa, parece-me, é que Deus planeja que os seres humanos sejam frustrados com sua experiência neste mundo até que percebam que eles foram feitos para Deus.
2. Feito para outro mundo
Aqui está a maneira como C.S. Lewis diz: “Se nos encontramos com um desejo que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fomos feitos para outro mundo” (Cristianismo Puro e Simples). Ou para dizer de outra maneira (parafraseando Lewis), se descobrirmos que nada neste mundo é uma solução de longo prazo para o problema do tédio, provavelmente fomos feitos para outro mundo. O tédio aponta para Deus. Esse é o propósito de Deus para o tédio neste mundo caído: nos apontar para outro mundo – ou seja, para Deus e sua pessoa e trabalho infinitamente interessantes e infinitamente satisfatórios.
3. O dom da inquietação
Aqui está o jeito que um dos maiores poetas ingleses colocou em um poema chamado “A Polia.” E a razão pela qual se chama “A Polia” é porque tenta descrever de forma poética a maneira como Deus puxa as pessoas para si. E, claro, a resposta é que ele os puxa através do tédio. Mas ele não usa a palavra tédio; ele usa a palavra inquietação. E ele claramente acha que Deus nos deixou inquietos ou entediados por uma razão. Então, aqui está o poema, e vou terminar com isso:
Quando Deus fez o homem pela primeira vez,
Com um copo de bênçãos à mão,
“Vamos”, disse ele, “derramar sobre o homem tudo o que pudermos.
Que as riquezas do mundo, que se dispersaram,
Se contraiam em um palmo.”
Antes, primeiro a força abriu caminho;
Então a beleza fluiu, depois a sabedoria, a honra e o prazer.
Quando quase tudo se esgotou, Deus fez uma pausa,
Percebendo que, de todo o seu tesouro, só ele,
O descanso estava no fundo.
“Pois se eu devesse”, disse ele,
“Conceder esta joia também à minha criatura,
Ele adoraria meus presentes em vez de mim;
E descansaria na Natureza, não no Deus da Natureza:
Assim, ambos seriam perdedores.
“No entanto, deixe-o ficar com o resto,
Mas que o conserve com inquietação;
Que ele seja rico e cansado, pelo menos isso,
Se a bondade não o guiar, ainda assim o cansaço
Que ele possa se lançar em meu peito.”
Ou poderíamos dizer: “Se a bondade não nos guiar, o tédio pode nos levar ao peito de Deus”. Penso, então, qual é o desígnio de Deus nesta experiência universal do tédio: apontar-nos para a origem de tudo o que é interessante, para o mundo onde nunca mais ninguém ficará entediado – a presença de Deus através de Jesus Cristo.
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