Um blog do Ministério Fiel
O Senhor e Pastor que é sensível às circunstâncias de nossa vida | parte 5
O perigo das banalizações
Quando pelo muito ler, ouvir, falar e presenciar fatos alegres ou dolorosos, tendemos a nos acostumar com tais acontecimentos. Por isso mesmo, não é estranho que passemos a considerar natural determinado assunto ou constatação. Assim, é possível que os banalizemos.
Isso pode acontecer com as bênçãos de Deus que, por serem “naturais” e rotineiras aos nossos olhos, perdemos o senso de nos maravilhar com o cuidado providente de Deus e, por isso, nos esqueçamos de ser-lhe agradecidos.
Em outro extremo, podemos banalizar o mal. Nos acostumamos com ele de tal forma, que já nem o percebemos por que já o vimos com tanta frequência e em doses tão intensas que o mal passa a fazer parte natural da paisagem próxima de nossa existência. Tornamo-nos indiferentes.
Isso ocorre com a miséria, vícios, imoralidade, corrupção, mentiras, interesses escusos, violência, criminalidade, guerras, mortes, epidemias pandêmicas, etc.
Comum x normal
Por trás desta prática quase imperceptível, há uma confusão linguística que, na realidade, revela conceitos bastante diversos, referentes à identificação entre o conceito de “comum” e “normal”. É preciso que entendamos que o que se tornou comum – pela sua frequência desejada ou não − não passa, necessariamente, a ser normal. O “normal” envolve um conceito de ética, de norma e padrão.
Por isso, é que quando alguém age de forma inesperada como devolvendo uma maleta que fora esquecida cheia de dinheiro, podemos definir esse ato como algo anormal. No entanto, para aquele que devolveu o objeto seguindo o princípio de que a mala não o pertencia, acha normal o seu comportamento embora o mesmo não seja comum em nossa sociedade.
Retornando ao comum que pode se tornar “normal” em nossa prática, podemos ilustrar:
- Médicos e enfermeiros: com a dor humana e a morte.
- Pastores: Sofrimentos e angústias espirituais.
- Policiais: Com a violência.
- Advogados e Juízes: Com a maldade humana: violência, injustiça, crimes hediondos, corrupção, fraudes.
- Assistente Social: Com a miséria humana.
- Administradores: Com a, por vezes, injustiças empresariais: Salários injustos, exigências desumanas, exploração, demissões, etc.
- Político: Com a manutenção de um fosso social entre as classes, adotando um discurso, quando muito, puramente estético que termina em sua beleza retórica.
É preciso que não nos acomodemos ao mal. Se assim procedermos, em nome de nossa suposta sã sobrevivência, estaremos nos desumanizando, perdendo a capacidade de sensibilizar-nos com o nosso próximo, e de buscar vivenciar e anunciar o remédio para a cura da humanidade perdida: Jesus Cristo, o nosso Senhor e Salvador.
Deus não nos é indiferente
Voltando à nossa linha principal, com alegria podemos ver nas Escrituras que Deus não se acomoda ao mal nem é indiferente à situação humana de opressão e dor.
O Senhor nos salva.
O ponto marcante e decisivo da libertação e salvação do povo de Israel, é a libertação da escravidão no Egito, culminando na travessia do Mar Vermelho: “Assim, o SENHOR livrou (yasha)[1] Israel, naquele dia, da mão dos egípcios; e Israel viu os egípcios mortos na praia do mar” (Ex 14.30).
Esse ato poderoso de Deus passou a identificar o povo da Aliança; a nação santa de Deus.
Povo salvo pelo Senhor
Moisés quando se despede do povo, o qualifica como “Povo salvo pelo Senhor”: “Feliz és tu, ó Israel! Quem é como tu? Povo salvo (yasha) pelo SENHOR, escudo que te socorre, espada que te dá alteza. Assim, os teus inimigos te serão sujeitos, e tu pisarás os seus altos” (Dt 33.29).
O salmista narrando a libertação dos judeus das mãos dos egípcios, escreve: “Mas Ele os salvou (yasha) por amor do seu nome, para lhes fazer notório o seu poder. (…) Salvou-os (yasha) das mãos de quem os odiava e os remiu do poder do inimigo” (Sl 106.8,10).
O fato bíblico e vivenciado diversas vezes pelos servos de Deus, é que o Senhor não se afasta daqueles que o temem e o buscam com integridade: “Perto está o SENHOR de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade (‘emeth). Ele acode à vontade dos que o temem; atende-lhes o clamor e os salva (yasha)” (Sl 145.18-19).
Deus se manifesta, por vezes, nos momentos nos quais nos sentimos mais aflitos, quebrantados, oprimidos, angustiados, fracos, necessitados e indigentes:
Clamou este aflito, e o SENHOR o ouviu e o livrou (yasha) de todas as suas tribulações. (Sl 34.6).
Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado e salva (yasha) os de espírito oprimido (= esmagado, contrito).[2] (Sl 34.18).
Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou (yasha) das suas tribulações. (Sl 107.13/Sl 197.19).
Ele tem piedade do fraco e do necessitado (‘ebyon) e salva (yasha) a alma aos indigentes (‘ebyon). (Sl 72.13).
A alegria de Deus em cuidar de nós
Conforme já expusemos, Deus se agrada de nós. Ele se alegra; sente prazer em cuidar de seu povo: “Porque o SENHOR se agrada (ratsah) do seu povo e de salvação (yeshuah) adorna (paar) os humildes (anav)[3] (Sl 149.4).
Em última instância, a nossa salvação está sempre em Deus. “Não há rei que se salve (yasha) com o poder dos seus exércitos; nem por sua muita força se livra o valente” (Sl 33.16/Sl 62.1,2,6,7/Sl 140.7).
A nossa salvação está, por vezes, em nos abrigar em Deus quieta e pacientemente. Davi sendo atacado, reafirma a sua fé: “De Deus dependem a minha salvação ([v;y<E) (yesha) e a minha glória; estão em Deus a minha forte rocha e o meu refúgio” (Sl 62.7/Sl 18.2/Sl 28.8)
O salmista conhece o seu Deus. Ele é o Senhor, o seu libertador que o salva. Deus o livrou de seus inimigos: “O SENHOR é a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador (palat); o meu Deus, o meu rochedo em que me refúgio; o meu escudo, a força da minha salvação (yasha), o meu baluarte” (Sl 18.2).
Salmo 6
Não sabemos quando Davi escreveu o Salmo 6. Ainda que isso não seja o aspecto mais relevante,[4] é possível que Davi o tenha redigido no mesmo contexto do Salmo 3, quando fugia de Absalão[5] ou, após o seu pecado com Bate-Seba, quando, aos poucos, Deus vai manifestando o seu desagrado para com o pecado do rei.[6]
De qualquer modo, a impressão que se tem é que este Salmo foi redigido após o autor ter passado pela aflição descrita, por isso a sua exultação no final do Salmo, quando obteve a resposta e livramento divino.[7]
O fato é que Davi sabe que o seu livramento é impossível por si mesmo. Ao mesmo tempo, considerando a gravidade de sua situação mesclada com a sua fé em Deus, clama ao seu Senhor: “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me (yasha) por tua graça (hesedh)” (Sl 6.4).
Não é à toa que nos dez versículos deste salmo o salmista repete o nome de Deus 8 vezes, sendo que 5 delas nos quatro primeiros versos, onde a sua situação é mais tragicamente descrita. “A salvação é (…) o amor de Deus em ação”, resume Hartley.[8]
Ao povo que havia se aliado com os egípcios, pensando que poderia ser protegido contra os assírios, o Senhor diz: “Congregai-vos e vinde; chegai-vos todos juntos, vós que escapastes das nações; nada sabem os que carregam o lenho das suas imagens de escultura e fazem súplicas a um deus que não pode salvar ([v;y”) (yasha)” (Is 45.20/Is 44.12-20).
Uma das evidências repetidas no Antigo Testamento a respeito dos falsos deuses, é que eles nada poderiam fazer; ou seja: não podem salvar. São totalmente inertes e inermes.
Salvação preventiva
A “salvação” propiciada por Deus envolve preventivamente o ser guiado em ensinado por Deus. Precisamos cultivar o desejo de ser instruído e dirigido pela Palavra de Deus: “Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação ([v;y”) (yasha), em quem eu espero todo o dia” (Sl 25.5). Outra vez: “Suspiro, SENHOR, por tua salvação (yeshuah); a tua lei é todo o meu prazer” (Sl 119.174).
Há um histórico do livramento efetuado por Deus. O salmista apela amparado nos atributos de Deus revelados:
Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo; salva–me (yasha) por tua misericórdia (hesed). (Sl 31.16).[9]
Quanto a mim, porém, SENHOR, faço a ti, em tempo favorável, a minha oração. Responde-me, ó Deus, pela riqueza da tua graça; pela tua fidelidade em socorrer (yesha`). (Sl 69.13).
Em ti, SENHOR, me refugio (natsal); não seja eu jamais envergonhado.2Livra-me por tua justiça e resgata–me (palat); inclina-me os ouvidos e salva-me (yesha`). (Sl 71.1-2).[10]
Ele nos fornece o escudo da salvação: “Também me deste o escudo (!gEm’) (magen) da tua salvação ([v;y”) (yasha), a tua direita me susteve, e a tua clemência me engrandeceu” (Sl 18.35).
O ingrato esquecimento dos atos de Deus
Por outro lado, o povo de Israel é acusado de se esquecer do livramento de Deus, não considerar os feitos de Deus em sua história. “Esqueceram-se (shakach) de Deus, seu Salvador (yasha), que, no Egito, fizera coisas portentosas (gadol)” (Sl 106.21).
Por meio de Sofonias, no início das reformas do rei Josias, Deus conclama o povo ao arrependimento, anunciado uma palavra de esperança e salvação: “O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te ([v;y”) (yasha); ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sf 3.17).
Perseverança e louvor
Positivamente, a salvação do Senhor é um estímulo à perseverança como canta o salmista testificando a sua fé:
O SENHOR é a minha luz e a minha salvação (yasha); de quem terei medo? O SENHOR é a fortaleza da minha vida; a quem temerei? (Sl 27.1/ Sl 27.9).
Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado e salva ([v;y”) (yasha) os de espírito oprimido. (Sl 34.18).
A salvação propiciada por Deus deve nos alegrar nele, louvar e bendizer o seu santo nome:
No tocante a mim, confio na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação (yasha). (Sl 13.5/Sl 35.9/Sl 88.1).
Vive o SENHOR, e bendita seja a minha rocha! Exaltado seja o Deus da minha salvação (yasha). (Sl 18.46).
Bendito seja o Senhor que, dia a dia, leva o nosso fardo! Deus é a nossa salvação (yeshuah). (Sl 68.19).
O SENHOR é a minha força e o meu cântico, porque ele me salvou (yeshuah). (…) 21Render-te-ei graças porque me acudiste e foste a minha salvação (yeshuah). (Sl 118.14, 21).
Vinde, cantemos ao SENHOR, com júbilo, celebremos o Rochedo da nossa salvação (yasha). (Sl 95.1/Sl 98.1; Sl 106.47).
Considerar a salvação de Deus é um convite a transformar a nossa existência em um hino de louvor a Deus.
Salvação e missões
A salvação do Senhor é um imperativo às missões; ao anúncio de seus feitos em nossa vida. Vemos isso na oração pela bênção de Deus sobre todos os povos: “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto; 2 para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação (yeshuah)” (Sl 67.1-2).
Do mesmo modo, na proclamação do reinado universal de Deus o salmista conclama o povo a cantar o seu louvor considerando a sua salvação: “1Cantai ao SENHOR um cântico novo, cantai ao SENHOR, todas as terras. 2Cantai ao SENHOR, bendizei o seu nome; proclamai a sua salvação (yeshuah), dia após dia” (Sl 96.1-2).
A vida cristã se constitui para todos em um testemunho do cuidado salvador de Deus:“2O SENHOR fez notória a sua salvação (yeshuah); manifestou a sua justiça perante os olhos das nações. 3Lembrou-se da sua misericórdia e da sua fidelidade para com a casa de Israel; todos os confins da terra viram a salvação (yeshuah) do nosso Deus” (Sl 98.2-3).
O Antigo Testamento aponta para Jesus Cristo, o nosso Salvador, aonde encontramos um sentido mais completo e amplo. Ele é o Senhor e nosso Salvador. Esta é a mensagem do anjo aos pastores conforme narrativa bíblica:
8 Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite. 9 E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. 10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: 11 é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador (σωτήρ), que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.8-11/Jo 4.42; 5.31; 13.23; Fp 3.20; 2Tm 1.10; Tt 1.4; 2.13; 3.6; 2Pe 1.1,11; 2.20; 3.18; Jd 25).
O nosso Pastor tem nos guardado continuamente. Em nossa salvação e livramento vemos de forma prática aspectos de seu caráter santo. Devemos confiar em Deus e anunciar os seus feitos.
[1] A ideia originária da palavra é de “alargar”. Por associação está embutido o conceito de libertação de algo ou alguém que esteja preso, aflito. Veja-se o excelente artigo: John E. Hartley, Yãsha’: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 680-684.
[2] Is 57.15.
[3]“Fraco”, “pobre”, “humilde”), Conforme já indicamos, a palavra caracteriza um estrangeiro, sem-terra, sem cidadania, órfão. Descreve não raras vezes uma condição social, ainda que não uma classe social.
[4] Veja-se: Alexander Maclaren, Psalms: In: W.R. Nicoll, ed., The Expositor’s Bible, [CD-ROM], (Rio, Wi: Ages Software, 2002), (Sl 6).
[5] Cf. J.A. Motyer, Os Salmos: In: D.A. Carson, et. al., eds. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2009, (Sl 6), p. 743; Derek Kidner, Salmos 1-72: introdução e comentário, São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, 1980, p. 76.
[6]Cf. C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), v. 5, (I/III), (Sl 6), p. 130ss.
[7]Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6), p. 123; William S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1975, p. 94.
[8] John E. Hartley, Yãsha’: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 682.
[9]“Socorre, SENHOR, Deus meu! Salva-me (yasha) segundo a tua misericórdia (Hesed)” (Sl 109.26).
[10] “5Com tremendos feitos nos respondes em tua justiça, ó Deus, Salvador (yesha) nosso, esperança de todos os confins da terra e dos mares longínquos; 6 que por tua força consolidas os montes, cingido de poder; que aplacas o rugir dos mares, o ruído das suas ondas e o tumulto das gentes” (Sl 65.5-7).