O Senhor e Pastor que nos livra dos enganos do mundo

Prosperidade e sucesso à luz da Palavra de Deus

A prosperidade e o sucesso têm os seus encantos naturais além daqueles que podem ser forjados pela nossa prodigiosa imaginação. E com todos estes ingredientes, há, certamente ‒ não sejamos ingênuos ‒, as tentações próprias reforçadas pela nossa maneira de visualizar o mundo e pelas eloquentes promessas envolvidas pelo simples fato de ter.

No entanto, a Palavra nos mostra que o ser bem-sucedido está relacionado ao proceder conforme os preceitos de Deus. Jamais seremos frustrados naquele que não tem planos frustrados (Jó 42.2). Não há genuíno sucesso fora da Palavra de Deus, de nossa obediência a Deus (Gn 39.2,3,23).

O segredo do sucesso está no alimento de nossa alma na Palavra. Devemos, portanto, permanecer “plantado junto a corrente de águas”. Deus pela graça nos preserva e conduz a bom termo o que Ele mesmo colocou em nosso coração a levar adiante. “Portanto, é tão somente pela bênção divina que alguém pode permanecer numa condição de prosperidade”, ensina Calvino.[1]

Lembremo-nos sempre de que o “sucesso” mencionado pelo salmista está associado mais especificamente à sua vida espiritual e, também, o que ele faz de acordo com o conselho da Lei do Senhor (Sl 1.1-3).

No entanto, por vezes temos a impressão de que a vida cristã em sua caminhada caracterizada pela busca por obedecer a Deus, assemelha-se à difícil e desumana condução do boi para o abate, especialmente no Brasil, onde a condução, não raramente, durante dias, em caminhões mal aparelhados, pode ser mais terrificante do que o abate.

Isso porque, mesmo nos dizendo cristãos, com frequência o critério de avaliação que adotamos com bastante naturalidade, diga-se de passagem, é perfeitamente secularizado, aculturado aos valores hodiernos.[2] Assim, nos esquecemos de que, “A vida nesse mundo só pode ser analisada de verdade à luz do outro mundo”, conforme pontua Lloyd-Jones.[3]

A situação do cristão, com frequência, parece de alguém que não está em sintonia consigo. Por mais espantoso que isso possa soar, na verdade essa é a nossa realidade.

Fomos transformados por Deus e, por isso, nos deparamos com uma luta interna contra o pecado sobrevivente e, por vezes, com expressões bastante fortes dentro de nós. O perigo evidente para nós é nos agarrar a um padrão secular, a uma cosmovisão concorrente, pensando que, pela nossa acomodação racionalizante, as tensões íntimas diminuíram; agora estamos em paz.

Esse subcristianismo é destruidor de uma identidade cristã, sendo puramente artificial, violentando sua natureza transformada.[4]

Dúvida quanto à Escritura e categorias estranhas à fé

Sem percebermos, incorporamos categorias estranhas à Palavra para reger a nossa vida. Nesse caso, a nossa fé permanece apenas abrigada (ou escondida?) em um recanto de nosso coração, de onde a invocamos apenas para nos consolar em alguns momentos de angústia e dor ou em demonstrações públicas de alegria por algum ritual aprendido e repetido, apontando o indicador para os céus.

Quando a fidelidade a Deus e a confiança em seus mandamentos geram situações socialmente desagradáveis tais como a injustiça, perseguição, desemprego, abandono, ostracismo e o consequente desprestígio, pobreza e, o considerado insucesso, parece que obedecer às Escrituras não é para ser levado amplamente a sério.

Nessas situações, buscamos uma série de casuísmos para justificar a nossa interpretação já bastante contaminada por uma mente secular.[5]

Por outro lado, quando a esperteza mundana, em pouco ou nada diferindo dos poderosos que tanto combatemos, fornece um evidente sucesso a uma mente secularizada, com uma cosmovisão pagã, também justificamos isso com adjetivos nobres: habilidade, destreza, inteligência, etc., omitindo outros valores, tão auto-evidentes, tais como: capacidade de fechar os olhos para favorecer os jogo de interesse, troca de favores, perpetuação no poder, nepotismo, tolerância pecaminosa assistida pela prática de fazer vista grossa, etc.

Montoya faz uma advertência pertinente:

Numa era de pragmatismo no mundo secular, onde os fins justificam os meios, existe a tentação de prostituir o caráter cristão em favor do sucesso. E mais, numa cultura que aclama cada vez mais o sucesso a qualquer custo e renega as virtudes como alvos valiosos, os líderes podem perseguir, sem perceber, os holofotes do sucesso e perder a alegria de servir a Cristo.[6]

Na realidade, as nossas cosmovisões, conscientes ou não, iluminam e pavimentam o nosso caminho a fim de que possamos justificar nossas escolhas.

Essas podem ser algumas tentações para nós: avaliar a realidade pelos fins que julgamos, com critérios bastante corrompidos e contraditórios, a serem alcançados.

O pior, como acentuou Bavinck, é que a “estrutura de pensamento de determinado indivíduo muitas vezes nada mais é do que a história de seu coração”.[7]

O mal devastador de uma esquizofrenia mental e espiritual

Essa esquizofrenia mental e espiritual é terrível para a igreja.

Primeiro porque a sua construção é silenciosa, inodora, incolor e repleta de aparentes nobres propósitos.

Segundo, porque os seus efeitos são danosos em todas as áreas da igreja, a descaracterizando, a transformando em agência de promoção social – onde o serviço à igreja torna-se em servir-se da igreja –, a desviando totalmente de sua missão de glorificar a Deus por meio de sua obediência ao seu Senhor, sendo sal da terra e luz do mundo.

Gramsci (1891-1937), o grande teórico do Marxismo no século XX, obviamente com referencial totalmente distinto do nosso e com propósitos contrários, disse algo de relevo a que devemos dar atenção: “Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra….”.[8]

Isso sendo assim, no caso cristão, deixamos de ter uma mente cristã orientada por um coração inflamando pela Palavra. Cedemos totalmente ao secularismo. Cultivamos um mosaico de ideias, sentimentos e valores contraditórios e, pior, excludentes daquilo que deveria caracterizar a nossa fé: a fidelidade bíblica.

É preciso com urgência refletir seriamente sobre como lemos as Escrituras e como construímos a nossa forma de ver a chamada realidade.

Os salmistas em diversas condições adversas reconheciam que Deus, dentro de seus critérios justos e santos é quem lhes daria a vitória.

Porém, vitória não significa necessariamente a mesma coisa. É preciso que avaliemos a nossa maneira de ver à luz das Escrituras.

Continuaremos no próximo post…


[1] João Calvino, O Livro dos Salmos, v.  1 (Sl 1.3), p. 54. “Há nas palavras um contraste implícito entre o vigor de uma árvore plantada num sítio bem regado e a aparência decaída de uma que, embora viceje prazenteiramente por algum tempo, no entanto logo murcha em decorrência da aridez do solo em que se acha plantada” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v.  1 (Sl 1.3), p. 54). “…. Os filhos de Deus vicejam constantemente, e são sempre regados com as secretas influências da graça divina, de modo que tudo quanto lhes suceda é proveitoso para sua salvação…. ao passo que, embora os ímpios aparentem precoce fecundidade, contudo nada produzem que conduza à perfeição” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v.  1 (Sl 1.3), p. 54-55).

[2] “O fato é que as  pressões sociais podem e de fato corroem a ortodoxia cristã, provavelmente mais que qualquer verdadeiro argumento intelectual. De modo irônico e trágico, as tentações do mundo aumentam em proporção direta ao sucesso da pessoa. Quando um cristão começa a ter sucesso – academicamente, financeiramente, politicamente ou profissionalmente – o mundo lhe fica cada vez mais sedutor. (…) Eu acredito de fato que os cristãos podem ser bem-sucedidos, mas eles devem ficar alertas a respeito das tentações que enfrentarão. Eles também precisarão do ministério da Igreja”  (Gene Edward Veith, Jr.  De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 90).

[3]D.M. Lloyd-Jones, Não se perturbe o coração de vocês, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2016, p. 74. Trago novamente à baila o comentário de Calvino:

“….os filhos de Deus, onde quer que estejam, não passam de hóspedes deste mundo. De fato, no primeiro sentido ele (Pedro), no início da Epístola, os chama de peregrinos, como transparece do contexto; aqui, porém, o que ele diz é comum a todos eles. Pois as concupiscências da carne nos mantêm enredados quando em nossa mente permanecemos no mundo e cremos que o céu não é nossa pátria; mas quando vivemos como forasteiros ao longo desta vida, não vivemos escravizados à carne” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 22, (1Pe 2.11), p. 78).

[4] Veja-se: J.I. Packer, A Redescoberta da santidade, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 69.

[5]Tchividjian diz que uma “sociedade secularizada é aquela que determinou transformar aquilo que Deus diz em algo socialmente irrelevante, mesmo que permaneça pessoalmente envolvente. Ela restringe a relevância de Deus à esfera privada” (William G. Tullian Tchividjian, Fora de Moda, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 45). “A rejeição da autoridade bíblica invariavelmente leva à secularização da sociedade. Secular, em termos de conversação sociológica e intelectual contemporânea, refere-se à ausência de qualquer autoridade ou crença teísta vinculativa. É uma ideologia e um resultado. Secularização não é uma ideologia; é uma teoria e um processo sociológico pelo qual as sociedades se tornam menos teístas à medida que se tornam mais modernas. À medida que as sociedades entram em condições de modernidade mais profunda e progressiva, elas saem de situações nas quais existe uma força vinculativa de crença religiosa, e crença teísta em particular. Essas sociedades se mudam para condições nas quais há cada vez menos crença e autoridade teístas, até que quase não há lembrança de que alguma autoridade vinculativa tenha existido. A cultura ocidental secularizou além da autoridade do Deus da Bíblia e quase além da memória de tal autoridade” (R. Albert Mohler Jr.  Foreword: In: John M. Frame, A History of Western Philosophy and Theology,  Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing Company, 2015, p. xxii).

[6] Alex D. Montoya, A Liderança: In: John MacArthur, Jr.  et al. Redescobrindo o Ministério Pastoral, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1998, p. 321.

[7]H. Bavinck,  A Certeza da fé,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 42.

[8]Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, v. 1, p. 94.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.