“Sejam perfeitos”?

A santidade que Deus requer de nós

Encontramos uma das afirmações mais difíceis de Jesus em Mateus 5.48: “sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês, que está no céu” (NAA). E ele dá essa difícil ordem imediatamente após nos ordenar a “amar os [nossos] inimigos” (Mateus 5.43). Se pensarmos na santidade como um salto em altura, é como se Jesus colocasse a barra a seis metros – mais do que o dobro da altura que qualquer ser humano já alcançou – e depois a elevasse ainda mais.

Tendo sido cristão por meio século, devo admitir honestamente que não sou perfeito. De fato, quanto mais velho fico, mais consciente me torno do quanto sou “rodeado de fraquezas” (Hebreus 5.2), o que também parece ser a autoavaliação dos cristãos mais maduros que conheci. Nunca conheci um cristão perfeito. E você também não.

Portanto, considerando o padrão aparentemente impossível que Jesus estabeleceu para nós e o fato de que nenhum santo falível, dentro ou fora das Escrituras, o superou, como devemos pensar em sua ordem de que devemos “ser perfeitos”? O que ele espera de nós?

Não se espera perfeição sem pecado

Temos um vislumbre importante da expectativa de Jesus em relação a nós na oração que ele nos ensinou a fazer: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6.12). Sabemos que tipo de “dívidas” Jesus tem em mente porque a versão de Lucas da oração diz: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós mesmos perdoamos a todos os que nos devem” (Lucas 11.4). Jesus claramente não espera que seus seguidores sejam perfeitos sem pecado se ele nos instrui a confessar regularmente nossos pecados.

Também vemos nas Epístolas como os apóstolos, alguns dos maiores saltadores de santidade da história, entendiam as expectativas de Jesus. Tiago nos diz que “todos nós tropeçamos em muitas coisas” (Tiago 3.2). João diz que “se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1 João 1.7-8). Ao falar sobre a perfeição que experimentaremos na ressurreição, Paulo diz sobre si mesmo: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.” (Filipenses 3.12).

O Novo Testamento não ensina nem fornece modelos de perfeição sem pecado nos santos redimidos. Para pessoas como eu, essa é uma boa notícia, pois sei que não tenho esperança de superar o alto padrão de santidade de Jesus. Mas se pararmos por aqui, ainda não teremos respondido à pergunta sobre o mandamento de Jesus de “sermos perfeitos”. Será que Deus nos deixa livres porque não conseguimos superar essa barreira? De forma alguma. E é aqui que as coisas ficam realmente boas.

É necessária uma perfeição sem pecado

Embora seja verdade que o Novo Testamento não ensina que os cristãos alcançarão a perfeição sem pecado nesta era, ele ensina que Deus exige perfeição de nós – que “sejamos perfeitos, como [nosso] Pai celestial é perfeito”. Portanto, temos um problema: Deus exige uma perfeição moral impossível de ser alcançada por nós. Esse é um grande problema. E resolver esse problema está no centro da mensagem da Bíblia.

As Escrituras frequentemente se referem à perfeição moral de Deus como sua justiça. E a questão central que ela aborda é como Deus, em sua perfeita justiça (perfeição sem pecado), pode se reconciliar com os humanos injustos (pecadores) sem se tornar ele mesmo injusto. A Bíblia revela que a solução de Deus para esse problema é o que Jesus e todos os seus seguidores fiéis depois dele chamaram de “boas novas”, resumidas aqui nas famosas palavras de Paulo:

pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. (Romanos 3.23-26)

Na morte expiatória e substitutiva de Cristo, o próprio Deus removeu a barra alta da santidade para nós, satisfazendo a justiça que ele mesmo exigia para o pecado – “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). E na ressurreição triunfante de Cristo, Deus pode conceder com justiça àqueles que têm fé em Jesus a recompensa dos justos – “o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6.23). Em outro lugar, Paulo capta em uma frase como Deus é capaz de justificar pecadores injustos como nós e manter sua justiça perfeita e justa:

“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Coríntios 5.21)

‘progredir cada vez mais’

Essa é uma notícia muito, muito boa para os pecadores. É a maior história já contada na história do mundo. No entanto, as implicações para nós, cristãos, ainda podem ser mal compreendidas. Porque parece que, quando se trata de buscar a perfeição, estamos livres. Jesus pagou tudo; Jesus alcançou tudo; não precisamos mais nos esforçar. Temos a justiça de Cristo; o que poderíamos esperar acrescentar a isso? De fato, todos os nossos pecados aumentam o quanto a graça de Deus é extraordinariamente grande! Todos os nossos esforços para matar o pecado e lutar pela santidade não são apenas justiça das obras – tentando expiar nosso pecado por meio de nossos atos de obediência? A resposta de Paulo para isso é “de modo algum!” (Romanos 6.5). Ao contrário,

Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. (Romanos 6.12-14)

É maravilhosamente verdadeiro que Deus não exige que alcancemos a perfeição sem pecado para que sejamos salvos de seu julgamento contra o pecado. Mas ele exige de nós “a obediência da fé” (Romanos 1.5), que Paulo descreve acima. A obediência da fé não é a justiça das obras. A obediência é o externar da fé genuína quando a vivemos na vida real. É por isso que Tiago diz: “A fé sem as obras [de obediência] é morta” (Tiago 2.26). E por que Jesus diz: “Se vocês me amam, guardarão os meus mandamentos” (João 14.15).

Uma vez que o Filho de Deus “amou a justiça e odiou a iniquidade” (Hebreus 1.9), aqueles que realmente depositam sua fé nele buscarão cada vez mais viver de acordo com o que Jesus ama e odeia, sabendo que nunca alcançarão – ou serão obrigados a alcançar – a justiça perfeita nesta era. Isso faz parte do que significa ser “conformado à imagem do Filho [de Deus]” (Romanos 8.29). E é por isso que há tantas maneiras diferentes de o Novo Testamento exortar os cristãos a “continuar progredindo cada vez mais” na busca da semelhança com Cristo (1 Tessalonicenses 4.1).

‘Fácil de agradar, difícil de satisfazer’

Portanto, por causa de Jesus, Deus nos livra de ter que alcançar seu alto padrão de santidade. Mas, uma vez que ele ainda exige que “continuemos progredindo cada vez mais” para viver a obediência da fé, como nós, cristãos, assolados por fraquezas e tropeçando de muitas maneiras, sabemos se Deus está ou não satisfeito com nosso nível atual de obediência?

Não existe uma resposta única para todos. Aprender a discernir o que o Espírito está nos dizendo é algo particular de cada um de nós. Mas algo que li anos atrás, escrito por C.S. Lewis, me ajudou a lembrar a disposição geral de Deus para com seus filhos:

Deus, que, a longo prazo, ficará satisfeito com nada menos do que a perfeição absoluta, também ficará encantado com o primeiro esforço fraco e tropeçante que você fizer amanhã para cumprir o dever mais simples. Como um grande escritor cristão (George MacDonald) observou, todo pai fica satisfeito com a primeira tentativa do bebê de andar: nenhum pai ficaria satisfeito com nada menos do que um andar firme, livre e viril de um filho adulto. Da mesma forma, ele disse: “Deus é fácil de agradar, mas difícil de satisfazer”. (Cristianismo Puro e Simples)

Quando se trata da obediência da fé, Deus está mais preocupado com o crescimento de nossa fé nele do que com a aparência impressionante e escrupulosa de nossos atos de obediência. Assim como aconteceu com a viúva e suas duas moedas de cobre (Lucas 21.1-4), Deus pode, por uma série de razões, ficar muito satisfeito com o ato aparentemente menor de obediência fiel de uma pessoa e menos impressionado com o ato aparentemente mais significativo de obediência fiel de outra.

Mas se virmos Deus como um Pai gracioso que nos ama tanto que fez tudo o que era necessário para que nos tornássemos seus filhos, um Pai que prometeu compartilhar conosco o seu reino (Lucas 12:32), receberemos suas exortações para “continuarmos progredindo cada vez mais” como convites para experimentar alegrias mais plenas e prazeres maiores (Salmo 16.11) à medida que crescermos em maturidade cristã. Porque a verdade é que o fato de Deus ser fácil de agradar e difícil de satisfazer são dois lados da mesma moeda de valor inestimável de seu prazer paternal em nos fazer o bem.

Por: Jon Bloom. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: ‘Be Perfect’? Revisor e Editor: Vinicius Lima.