Um blog do Ministério Fiel
A identidade definida por Deus
O poder de definir a identidade
Mas o que significa mesmo o termo identidade?
A identidade pode ser entendida como o “estado de semelhança absoluta e completa entre dois elementos com as mesmas características principais”. A palavra identidade, portanto, revela o idêntico, a “semelhança absoluta”. Como seres humanos, reconhecer nossa identidade, contar a nós mesmos quem somos, é “uma das formas mais importantes de como tentamos ver sentido na nossa vida”. E “a busca pela identidade pessoal tem o propósito de nos levar de volta ao Criador”.
Para fins de identificação do indivíduo na sociedade, sua apresentação se dá por meio de um “cartão expedido por autoridade competente, com dados impressos e uma foto que identificam seu portador”. A esse cartão, chamamos carteira de identidade, contendo dados como nome, sexo, filiação e nacionalidade, o que permite que o indivíduo seja reconhecido socialmente. A usurpação desse documento por outro indivíduo é considerada crime de falsidade ideológica.
A data, a naturalidade e a filiação descritas na carteira de identidade provam a importância desses dados. Assim, a data revela que essa identidade está acoplada a um tempo, o começo visível do indivíduo neste mundo: dia/mês/ano do seu nascimento. A naturalidade nos revela a importância do espaço que esse indivíduo assumiu quando veio fazer parte deste mundo: lugar de nascimento, país/estado/cidade. A filiação nos revela a importância social desse indivíduo, como pertencente a um dado círculo. Portanto, a carteira de identidade revela a posição fixa do indivíduo no tempo e no espaço, bem como a origem de sua linhagem na sociedade. O que a carteira de identidade não nos revela, por exemplo, é a progressão desse indivíduo nesse recorte temporal e espacial, e o alvo que esse indivíduo tem para sua vida, além do entendimento de sua normalidade — ou seja, se ele é considerado normal perante a sociedade.
Construção da identidade
Por muito tempo, a psicologia atribuiu à ciência e à biologia, aos “princípios da ciência médica”, o poder de definir a identidade do indivíduo. No entanto, considerando “o homem enquanto sujeito social”, os estudiosos se deram conta de que nossa identidade como indivíduos se encontra acoplada ao tempo em progressão, ao espaço compartilhado com outros indivíduos e a uma sociedade em progresso constante, com mudanças frequentes.
Nesse contexto, os estudiosos alteraram a etimologia do termo identidade no que diz respeito àquilo “que permanece”, com o fim de assegurar “a continuidade do indivíduo” inserido na sociedade como pessoa singular no tempo e no espaço. Dessa forma, somos assegurados de que a identidade do indivduo“não é, mas vai sendo construída”, abandonando-se, assim, “a noção da imutabilidade”. Portanto, visto que nos encontramos em mudança constante, a semelhança absoluta prevista no termo “identidade” precisa de mais do que somente o respaldo da imutabilidade dos termos descritos em nossa carteira de identidade — naturalidade, filiação e data de nascimento. O ser humano, por estar preso no tempo e espaço, numa sociedade em constante mudança, sente-se, muitas vezes, perdido ao tentar encontrar a própria identidade, pois sua vida é fluida e mutável. Nos dias de hoje, essa mutabilidade se encontra até mesmo na carteira de identidade, quando, por exemplo, é concedida ao indivíduo a possibilidade de mudar de nacionalidade ou até mesmo de gênero.
Então, a que, ou a quem, o indivíduo deve associar [acoplar] sua identidade, se ela não pode ser buscada nos outros, em sua carteira, que o identifica, e nem mesmo no próprio “eu” em questão? Com quem ele deve se identificar? De que forma sua identidade deve ser construída?
Identidade e coesão interna
Existe um elemento essencial à construção da identidade: a coesão interna. Em psicologia, a identidade, o idêntico, a semelhança absoluta, tudo isso é traduzido como “autoidentidade, coesão interna, respeito próprio”. Mesmo “em meio a um mundo em constante mudança interna e externa”, os indivíduos tentam, constantemente, fundamentar sua identidade, encontrar essa coesão interna, a fim de encontrar a “paz consigo mesmo, com Deus e com os outros”. Mas como essa paz pode ser encontrada em um mundo em ebulição, em constante mudança e repleto de insegurança?
Como seres inseridos no tempo em progressão, nossa identidade, nossa semelhança absoluta, não pode estar inteiramente associada aos termos descritos na carteira de identidade. Além disso, a coesão interna dessa nossa identidade fica prejudicada quando entendemos nossa dependência de terceiros, os quais também se encontram no tempo em progressão e, portanto, em mudança constante. Essa dependência de terceiros é percebida assim que observamos o nome dado ao indivíduo, conferido a ele por terceiros. Desde o berço, até mesmo essa parte de sua identidade está atrelada ao comportamento externo de terceiros. Alguns tentam acoplar a identidade de um indivíduo à atividade de nomear, realizada por terceiros. Laurenti, por exemplo, observa que “a identidade (…) é o próprio comportamento, é ação, é verbo”, em que o homem só será capaz de se reconhecer como tal “se os outros assim o reconhecerem”. No entanto, ao analisar a questão mais de perto, percebe-se que a identidade intrínseca de um ser humano vai além dessa nomeação e não está vinculada puramente às ações daqueles que deram nome ao indivíduo, assim como a identidade do elefante não se encontra presa ao nome que lhe foi conferido. Esse nome tão somente simplificou sua identificação perante terceiros, pois o elefante continuaria sendo elefante mesmo que lhe fosse conferido outro nome. Igualmente, o nome dado a um ser humano o identifica frente a ele mesmo e a outros seres como ele, mas sua identidade vai muito além desse nome e do ato de nomear. Pois, mesmo antes da nomeação e até mesmo da concepção do indivíduo, que também depende de terceiros, sua identidade está ligada a algo maior, ao Criador. Portanto, a identidade está realmente associada a um ato — não, porém, ao ato da nomeação, mas, sim, ao ato da criação. É aqui que entra a cosmovisão bíblica sobre o mundo, o homem e Deus, para nos proporcionar um quadro mais completo sobre o enigma da identidade humana. Ao analisar a identidade do indivíduo sob a perspectiva bíblica, reconhecemos que ela não tem sua base em pessoas, nem em sua nomeação por pessoas, mas naquele que o formou. A identidade do Criador precede a existência dos antecessores do indivíduo. Portanto, a identidade do homem não está no verbo, na atividade de nomear, mas no Verbo por meio de quem tudo foi criado (Jo 1.1-3). Não está no ato de nomear o elefante, ordem dada por Deus a Adão no paraíso, mas interligada ao Criador, que lhe concedeu as características necessárias para ser identificado como tal. Nossa identificação, portanto, está atrelada ao Criador, que nos fez à sua imagem e conforme sua semelhança (Gn 1.26-27). Fez-nos à semelhança do Verbo, por meio de quem tudo foi criado, e que, na plenitude do tempo, adentrou o seu mundo para que a Luz raiasse sobre o homem e sua existência, mostrando, por meio dele, de forma palpável, sua verdadeira identidade. Não é uma identidade imposta por terceiros ou obtida pelo próprio eu e, portanto, mutável em sua essência. É uma identidade dada pelo próprio Criador, conferindo-lhe, após a Queda, em Cristo, o Verbo encarnado, a possibilidade de experimentar a coesão interna tão desejada e a semelhança absoluta que lhe será conferida e restabelecida progressivamente por Deus, o Criador.
A experiência de coesão interna provém de “uma percepção de coerência interna” e da “aceitação de sua pessoa como tendo valor”. Essa coerência interna e a consequente aceitação de si mesmo são de grande importância quando o indivíduo depara com circunstâncias adversas em seu dia a dia. Como seres humanos pensantes, temos a necessidade de compreender quem somos para, assim, podermos, conscientemente, agir em conformidade com o que somos. Temos a necessidade intrínseca de ser coerentes. E a coerência interna definirá se uma pessoa vai depender daquele que lhe oferece essa coerência ou de terceiros e/ou circunstâncias para vencer as dificuldades.
Entre os problemas relacionados à identidade, um fator essencial e crítico é “o relacionamento quebrado entre a humanidade e Deus”. Essa ruptura deixou o indivíduo à deriva, com uma identidade fraca, doentia e ansiosa. Essa identidade fraca o leva a viver tentando “se encontrar ou se fortalecer (…) se gabando, manipulando”, na tentativa de se autoafirmar e de que os outros o ajudem a conquistar essa tão desejada coesão interna. A tentativa de um sentimento de confirmação para que essa coesão interna seja conquistada provém de um senso desintegrado de identidade, o que pode causar, sem exagero, profunda dor psicológica. Portanto, é preciso apresentar algo que realmente traga sustento para o entendimento de uma identidade sólida.
O estudo da identidade em Cristo, portanto, é de grande importância, pois ajuda o indivíduo a reconquistar a coesão interna por meio do entendimento coerente de sua identidade como ser humano criado à imagem de Deus e, portanto, encontrada em Deus. Dessa forma, ele pode assumir, conscientemente, sua verdadeira identidade e a “autocoerência e [a] autoaceitação”, que trazem paz em meio ao caos da vida, sem permanecer na dependência doentia de terceiros. Trata-se de uma coerência com “moralidade, modelos, domínio e amor”, provenientes da fonte correta para base e sustento, em que a morte — ameaça final e definitiva da identidade —51 não mais o assombra.
É devastador, tanto para o indivíduo como para os demais membros de uma comunidade cristã, quando não compreendem quem são e qual é sua nova posição em Cristo, ou seja, como membros de seu corpo. Entender a posição em Cristo, no tempo e no espaço, os ajudará no incansável trabalho progressivo rumo a uma mudança de valores e de dependência. Uma vez que a identidade em Cristo é definida, a coerência e a coesão interna que provêm desse entendimento serão de grande ajuda, não somente para mudar ativamente atitudes e ações, mas também para livremente aceitar ser trabalhado e mudado pelo seu Criador.
O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Eu sou quem Deus diz que sou, de Minka Lopes, Editora Fiel