O Senhor e Pastor que firma nossos corações em suas promessas

Encarando a realidade por meio das promessas de Deus

Salmo 10

No salmo 10, convivendo em uma sociedade totalmente corrompida, cujos valores representam um ateísmo teórico e prático, que se materializava em perseguição e ridicularização, o salmista revela a sua experiência e fé no cuidado do Deus que ouve as suas orações: “Tens ouvido (shama), SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás (kûn)[1] o coração e lhes acudirás (qashab)(Sl 10.17).

Deus firma os nossos passos

Ao cultivarmos a certeza de que Deus nos ouve, nos apropriamos não simplesmente de modo psicológico de algo irreal mas, que subjetivamente nos traz algum bem. Não. Mas, do fato de que Deus mesmo firma os nossos corações para que não sejamos levados pelas circunstâncias e precipitadamente pela aparência dos fenômenos que por vezes já chegam a nós superlativamente mensurados.

Calvino está correto ao nos trazer uma palavra pastoral a respeito: “É uma bênção singular a que Deus nos confere quando, em meio às tentações, Ele nutre nossos corações, não os deixando retroceder dele, nem buscando em outra fonte algum outro apoio e livramento”.[2]

Acaz: Desespero e idolatria

Num exemplo oposto, podemos citar o caso do rei Acaz que bem impressionado com o poderio da Assíria, perdeu o resto de bom senso: copiou um altar conforme o modelo de Damasco para construir em Jerusalém, tendo o próprio rei oferecido sacrifícios ao deus pagão e construiu também diversos altares em Jerusalém (2Cr  28.24).[3]

Relata o narrador e o cronista:

Então, o rei Acaz foi a Damasco, a encontrar-se com Tiglate-Pileser, rei da Assíria; e, vendo ali um altar, enviou dele ao sacerdote Urias a planta e o modelo, segundo toda a sua obra. Urias, o sacerdote, edificou um altar segundo tudo o que o rei Acaz tinha ordenado de Damasco; assim o fez o sacerdote Urias, antes que o rei Acaz viesse de Damasco. (2Rs 16.10-11).

No tempo da sua angústia, cometeu ainda maiores transgressões contra o SENHOR; ele mesmo, o rei Acaz. Pois ofereceu sacrifícios aos deuses de Damasco, que o feriram, e disse: Visto que os deuses dos reis da Síria os ajudam, eu lhes oferecerei sacrifícios para que me ajudem a mim. Porém eles foram a sua ruína e a de todo o Israel. (2Cr 28.22-23).

A experiência dos fiéis servos de Deus é de confiança perseverante em Deus. Ele fortalece os nossos corações para nos firmar os passos:

Tirou-me de um poço de perdição, de um tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou (kûn) os passos. (Sl 40.2).

O Senhor firma (kûn) os passos do homem bom, e no seu caminho se compraz. (Sl 37.23).

Firme (kûn) está o meu coração, ó Deus, o meu coração está firme (kûn); cantarei e entoarei louvores. (Sl 57.7).

Quando nosso coração é firmado pelo Senhor nas suas promessas, nos dispomos a entoar-lhe louvores com integridade:Firme (kûn) está o meu coração, ó Deus! Cantarei e entoarei louvores de toda a minha alma” (Sl 108.1).

Deus ouve as nossas orações e fortalece o nosso coração com as sua Palavra que envolve os seus atos poderosos e suas promessas. As suas palavras não são vazias, antes, são os fundamentos de sua ação: Ele nos acode, nos socorre de fato.

Portanto, devemos ter cautela em nossos juízos a respeito do que consideramos ser o silêncio de Deus. Na realidade, Deus não está em silêncio. Ele fala e age. O seu testemunho permeia toda a história (At 14.17). A ação de Deus, tão frequentemente imperceptível a nós em sua abrangência, obviamente não é indiferença ou incapacidade. Antes, pode ser uma manifestação de longanimidade dentro de seu propósito pedagógico (Sl 10.1). Além disso, a nossa capacidade perceptiva, mesmo da fé, não se constitui em parâmetro para mensurar os atos de Deus na história.

Aqui (Sl 10.17) o salmista se vale de um sinônimo para reforçar a mesma ideia. Deus nos tem ouvido (shama) e, por isso, nos acode (qashab) em nossas reais necessidades. Ele dá atenção a nós e à nossa súplica.

Ansiedade vencida

Ainda que nem sempre sejamos ouvidos pelos nossos pares em suas limitações, incluindo a sua pesada agenda, o Senhor mantem-se próximo de nós e ouve com atenção as nossas súplicas.

Conforme já vimos, essa verdade é o que revela o salmista Davi, confessando a sua ansiedade e como foi ela vencida com perseverança nas promessas de Deus. Deus nos ouve: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste (shama) a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22/Sl 10.17).[4]

Jonas, disciplina e oração

Deus nos ouve até mesmo quando estamos sofrendo devido à nossa desobediência. Portanto, mesmo sob disciplina, podemos e devemos orar a Deus. Ele é misericordioso. O Senhor não cria uma barreira intransponível entre nós e Ele. Pelo contrário, constrói pontes para que voltemos a nos relacionar com Ele.

A disciplina divina não cria uma barreira de contenção, onde ficamos em um lugar totalmente isolado e incomunicável. A disciplina visa nos aproximar por meio do arrependimento e fé.

Certamente uma das narrativas mais marcantes sobre esse assunto, é a de Jonas desesperado no ventre do peixe.

O profeta que não aceitava a misericórdia de Deus para com seus inimigos, agora em situação calamitosa devido à sua rebeldia para com Deus, clama ao Senhor amparado nessa mesma misericórdia: “Então, Jonas, do ventre do peixe, orou ao SENHOR, seu Deus, 2e disse: Na minha angústia, clamei ao SENHOR, e ele me respondeu; do ventre do abismo, gritei, e tu me ouviste (shama) a voz” (Jn 2.1-2).

Devemos aprender a confiar em Deus, expor-lhe em oração as nossas angústias[5] e aguardar com fé a sua resposta. Ele entende as nossas necessidades − que muitas vezes nem sequer são percebidas por nós e, portanto, não são manifestas em nossas orações −, e nos responde em sua misericórdia.[6]

Portanto, não tenhamos a pretensão de estabelecer para Deus o caminho da justiça. Davi não se vingou de Saul a despeito de duas oportunidades concretas e da interpretação favorável de seus amigos. Ele deixou a execução do que seria considerado justo nas mãos de Deus. (1Sm 24.1-18; 26.5-12).

Não podemos deixar que as nossas experiências mutáveis se constituam apressadamente em parâmetros para a nossa teologia que, na realidade deve ser proveniente das Escrituras. As Escrituras é que devem avaliar, instruir e corrigir as nossas experiências.[7]

Poder do Pai na ressurreição

Oramos ao nosso Pai que é glorioso e, também, Todo-Poderoso. Paulo destaca o poder do Pai na ressurreição de Jesus Cristo o glorificando, conforme o próprio Jesus orara antes de sua entrega em favor de seu povo (Jo 17.4-5).[8]

Escreve o apóstolo:

19E qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder,  o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais. (Ef 1.19-20).

Desonra e glória

O Senhor Jesus, desacreditado por quase todos, cruelmente torturado e morto desumanamente como um criminoso da pior espécie, é o glorioso Filho de Deus, Aquele que inverte a sentença de condenação para um ato de vitória e glória: a ressurreição do nosso Senhor.[9]

Na ressurreição de Jesus Cristo temos a poderosa manifestação pública de sua filiação divina, da aprovação de seu Ministério e a demonstração de sua glória.[10]

O Pai glorificou o Filho na ressurreição: “Assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tornar sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb 5.5).

O Deus a quem oramos é o Senhor das coisas que podem parecer impossíveis a homens, demônios e anjos, mas, não Àquele que é a razão e fundamento e manutenção da existência de todas as coisas: O Deus soberano.

Todas as coisas, todos os eventos; os aparentes acasos e circunstâncias aos nossos olhos, estão nas mãos e controle de Deus.[11] Todo poder é derivado de Deus, não existindo autonomia fora de Deus.[12]

A certeza da soberania de Deus nos permite vê-lo como de fato é;[13] de nada nem de ninguém precisando, antes, se bastando a si mesmo em sua total capacidade de criar, preservar, dirigir, perpetuar e extinguir todas as coisas.

A certeza da soberania absoluta de Deus, deve nos encher de uma profunda alegria e confiança. Nada acontece por acaso.

O desejo de Deus é o melhor para nós. Deus concretiza o seu propósito em santo amor. Por isso, “sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Abraão creu

Quando Deus disse a Abraão que Sara teria um filho (Gn 18.14), Abraão creu, apesar de Sara ser estéril e estar demasiadamente idosa para gerar um filho (Gn 12.4-5; 17.1,16-19; 18.11-14; 21.1-7).  Como bem sabemos, Sara concebeu a Isaque, conforme a promessa de Deus.

No Novo Testamento, Paulo comentando a fé de Abraão, disse: “Não duvidou da promessa de Deus, por incredulidade; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera” (Rm 4.20,21).

Portanto, ainda que não entendamos clara e perfeitamente o que nos está acontecendo, o sentido dos fatos e da história, devemos sempre manter a nossa confiança alicerçada no Deus Soberano. Devemos cultivar em nosso espírito uma atitude de alegre confiança em ação de graças, como recomenda Paulo em duas ocasiões:

Dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. (Ef 5.20).

Eu tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. (1Ts 5.18).

Nas Escrituras, há constante demonstração do poder de Deus tendo isso um aspecto pedagógico: para que aprendamos a depositar a nossa confiança no Deus soberano.

Calvino observa que “em virtude de nosso coração incrédulo, o mínimo perigo que ocorre no mundo influi mais em nós do que o poder de Deus. Trememos ante a mais leve tribulação, pois olvidamos ou nutrimos conceitos mui pobres acerca da onipotência divina”.[14]

É preciso que entendamos que a soberania de Deus não significa algo abstrato. É na realidade o seu cuidado para conosco: “….os seus olhos estão atentos, as suas pálpebras sondam os filhos dos homens” (Sl 11.4).

O poder de Deus é algo concreto e real em nossa vida diária, no nosso sustento e preservação. Essa compreensão de fé deve guiar a nossa perspectiva da realidade e, consequentemente a nossa atuação no mundo.

Não há problemas, por demais complexos que sejam, que se configurem como grandes demais para Deus.

É a este Deus a quem oramos. Ele é o Rei Majestoso; o Senhor de todas as coisas. Ele é também o nosso Pai.

Exponhamos a Deus a nossa fé e, não nos envergonhemos de lhe contar até mesmo a respeito de nossas dúvidas, por vezes, falta de fé e ansiedades.

Deus é o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo; é o Pai da glória e, o Pai Todo-Poderoso. Ele nos recebeu em Cristo. Ele conhece as nossas limitações. Ele cuida paternalmente de nós. Descansemos nele.

Que a certeza do salmista faça parte de nossa fé e experiência:    “Pois o SENHOR não há de rejeitar o seu povo, nem desamparar (azab) a sua herança” (Sl 94.14).

Assim, conforme a própria Escritura nos relata, Deus é livre para usar os anjos, os eleitos, os ímpios, Satanás, uma jumenta, os montes, etc. Ele é quem determina os fins e os meios pelos quais atuará. Portanto, ainda que as evidências apontassem para outra direção, Davi tinha como fundamento de sua fé a certeza da soberania do Deus santo, Aquele que ouve o nosso clamor.

 


[1]A palavra tem o sentido de estabelecer, firmar, manter-se reto.

[2] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 10.17), p. 230.

[3] “Ajuntou Acaz os utensílios da Casa de Deus, fê-los em pedaços e fechou as portas da Casa do SENHOR; e fez para si altares em todos os cantos de Jerusalém” (2Cr 28.24).

[4]8Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR ouviu (shama) a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu (shama) a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (Sl 6.8-9).

[5]“Na minha angústia, invoquei o SENHOR, gritei por socorro ao meu Deus. Ele do seu templo ouviu (shama) a minha voz, e o meu clamor lhe penetrou os ouvidos” (Sl 18.6).

[6]Responde-me quando clamo, ó Deus da minha justiça; na angústia, me tens aliviado; tem misericórdia de mim e ouve (shama) a minha oração” (Sl 4.1/Sl 4.3). “Pois não desprezou, nem abominou a dor do aflito, nem ocultou dele o rosto, mas o ouviu (shama), quando lhe gritou por socorro” (Sl 22.24). Ouve (shama), SENHOR, a minha voz; eu clamo; compadece-te de mim e responde-me” (Sl 27.7). (Vejam-se também: Sl 28.2,6; 34.6,17; 39.12; 40.1; 54.2; 55.17; 61.1; 116.1; 119.149; 130.2 143.1; 145.19).

[7]“A teologia cristã oferece uma estrutura pela qual as ambiguidades da experiência podem ser interpretadas. A teologia visa interpretar a experiência. É como uma rede que podemos lançar sobre a experiência, a fim de capturar seu sentido. A experiência é vista como algo para ser interpretado, em vez de algo que em si é capaz de interpretar. A teologia cristã visa assim a dirigir-se a, interpretar e transformar a experiência humana” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 66-67).

[8]4Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; 5e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.4-5).

[9]“A ressurreição é a inversão divina da sentença que o mundo impôs a Jesus” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP.  2001, p. 405).

[10] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 2.7), p. 68-69. “A ressurreição é o ponto que marca o começo de uma nova época na existência do Filho de Deus. “Sendo antes Filho de Deus em debilidade e humilhação, pela ressurreição torna-se o Filho de Deus em poder” (Anders Nygren, Commentary on Romans, 5. ed. Philadelphia: Fortress Press, 1980, p. 51). “Por meio de sua gloriosa ressurreição, sua investidura com poder não só foi realçada, mas também começou a resplandecer em toda sua glória” (William Hendriksen, Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm 1.4), p. 58-59). “Gerar [Sl 2.7], aqui, tem referência àquilo que foi feito conhecido. (…) Cristo foi declarado Filho de Deus pelo exercício público de um poder verdadeiramente celestial, ou, seja, o poder do Espírito, quando Ele ressuscitou dos mortos” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 1.4), p. 39,40).

[11]“O mundo pertence a Ele e ainda está em suas mãos; nosso tempo está totalmente em Suas mãos” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma nação sob a ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 47).

[12] “O coração da rebelião de satanás e do homem estava no desejo de ser autônomo” (F.A. Schaeffer, O Deus que intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 256). Veja-se: John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 41).

[13]Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A soberania de Deus e a responsabilidade humana, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[14]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 68.17), p. 658.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.