“Com longanimidade” — o que é ser uma pessoa longânima?

Capítulo 5 da série "O caminhar do povo de Deus aqui e agora: estudos em Efésios 4.1-6"

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“Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade….” (Ef 4.1-2).

A palavra empregada por Paulo é makrothymia, formada por: Makro = (“longe”, “distante”) e thymos = (“ira”, “indignação”, “cólera”, “furor”). Makrothymia significa, portanto, manter longe de nós a cólera e o furor, perseverando na paciência. Esta palavra enfatiza o contraste com a ira ou hostilidade.[1]

Ela acentua aquele que mesmo podendo retribuir a maldade alheia de forma semelhante, suporta o sofrimento e manifesta-se com clemência, sem retaliação ou vingança. Essa palavra ressalta a paciência que devemos ter com as pessoas e, também, a perseverança que deve nos guiar no aguardo das promessas de Deus, ainda que as circunstâncias pareçam antagônicas.

Estudemos um pouco o que as Escrituras nos ensinam sobre a longanimidade:

A longanimidade de Deus

No Antigo Testamento[2] essa palavra era usada especialmente para Deus, referindo-se à sua clemência a qual era objeto do clamor dos pecadores arrependidos, que buscavam o perdão de Deus.

A longanimidade de Deus é ressaltada no fato dele não manifestar a sua ira de forma imediata. Deus é chamado de “longânimo”, “clemente”, “compassivo” (Ex 34.6; Ne 9.17; Sl 86.15; 103.9; 145.8; Jl 2.13; Jn 4.2; Na 1.3).[3]

A) A riqueza da longanimidade de Deus

As Escrituras nos ensinam que Deus é rico em sua longanimidade. Paulo usa esse argumento para evidenciar o desejo de Deus de que os homens se arrependam de seus pecados e tornem-se para Ele. Indaga aos romanos: “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade (makrothymia), ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4).

À frente o apóstolo demonstra que Deus na sua soberania suportou com longanimidade os vasos de ira a fim de realçar a Sua glória por meio dos vasos de misericórdia: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade (makrothymia) os vasos de ira, preparados para a perdição” (Rm 9.22).

B) Paciência, arrependimento e perdão

Pedro nos diz que foi pela sua paciência que Deus aguardou a construção da Arca de Noé, oferecendo oportunidade para que os homens se arrependessem de seus pecados: “Os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade (makrothymia) de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água” (1Pe 3.20).

Deus é longânimo conosco, visando à nossa salvação: Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo (makrothymei para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9,15/Rm 2.4).

O objetivo de Deus em sua clemência é levar os homens ao arrependimento e conversão, tornando-se assim para Ele.

A longanimidade de Deus é perdoadora.  Vemos isso ilustrado na Parábola do Credor Incompassivo, na qual o servo suplica ao seu senhor pedindo-lhe “paciência”: “Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente  (Makrothymēson) comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se (splanchnistheis) (ter profunda compaixão), mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18.26-27).[4]

Esse servo, ainda que bem intencionado, tinha uma falsa suposição de que poderia pagar a sua dívida. O Senhor, no entanto, rico em sua paciência, se compadeceu dele e o perdoou.

A longanimidade de Deus não é conivência ou ato de aprovação à prática pecaminosa.[5] Portanto, não devemos abusar da longanimidade de Deus. Como vimos, ela consiste na oportunidade que Deus concede para que nos arrependamos. No entanto, o juízo chegará (2Pe 3.9/Rm 2.4).

Calvino está correto ao declarar que “a pessoa que ora por perdão de uma forma meramente formal, prova ser ignorante do que realmente o pecado merece”.[6]   A compaixão de Deus se revela no tempo próprio.

Deus é sempre ativo em sua compaixão. Ele manifesta-se de forma concreta no alívio de nossa dor nos socorrendo e recebendo para si.

A Parábola do Filho Pródigo, não isoladamente ilustra isso. Quando o pai viu o seu filho voltando para casa… narra Lucas: Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido (esplanchnisthē) dele, correndo, o abraçou, e beijou” (Lc 15.20).

Notemos que a longanimidade de Deus não significa indecisão, antes, dentro do seu propósito, ela é exercitada a fim de que todos aqueles que constituem o seu povo escolhido, se arrependam de seus pecados e sejam salvos. Paulo dá o seu testemunho pessoal: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade (makrothymia), e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.16).[7]

Do mesmo modo, Pedro escreve: “Tende por salvação a longanimidade (makrothymia) de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada” (2Pe 3.15).

Paradoxalmente, o fato é que às vezes os servos de Deus tinham dificuldade em aceitar a longanimidade de Deus demonstrada para com o outro: “Tu, ó SENHOR, o sabes; lembra-te de mim, ampara-me e vinga-me dos meus perseguidores; não me deixes ser arrebatado, por causa da tua longanimidade (LXX: makrothymia); sabe que por amor de ti tenho sofrido afrontas” (Jr 15.15).

O profeta Jonas com o seu nacionalismo exacerbado, reclama com Deus pelo fato dele ter perdoado os ninivitas. Assim descreve o texto:

E orou ao SENHOR e disse: Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se (LXX: makrothymos), e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. (Jn 4.2).

Na realidade, o juízo de Deus virá no tempo determinado por Ele mesmo. Portanto, a longanimidade de Deus, longe de estimular a nossa indiferença, deve nos conduzir ao arrependimento sincero e à súplica pelo seu perdão.

É sobre essas considerações que Joel conclama o povo ao arrependimento: “Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se (LXX: : makrothymos), e grande em benignidade, e se arrepende do mal” (Jl 2.13).[8]

A longanimidade dos filhos de Deus

As Escrituras apontam para o fato de que a longanimidade primeiramente beneficia quem a tem:[9] “O longânimo (LXX: makrothymos) é grande em entendimento, mas o de ânimo precipitado exalta a loucura” (Pv 14.29) e, também, àqueles que lhe estão próximo, promovendo a comunhão e a paz: “O homem iracundo suscita contendas, mas o longânimo apazigua a luta” (Pv 15.18/Ec 7.8).

“Longanimidade é a suavidade de mente, a qual nos dispõe a levar tudo com otimismo, não permitindo a suscetibilidade”, define Calvino (1509-1564).[10]

O longânimo é comparado a um herói de guerra, sendo considerado superior, certamente devido à dificuldade que o ser humano tem em controlar a sua ira: “Melhor é o longânimo do que o herói da guerra, e o que domina o seu espírito, do que o que toma uma cidade” (Pv 16.32). “O homem que pode dominar a si mesmo é o homem que pode governar aos outros”, interpreta Barclay.[11]

Podemos ilustrar isso na vida de Saul, rei de Israel, que conseguiu grandes vitórias sobre seus inimigos, mas foi incapaz de controlar seu temperamento, agindo precipitadamente ao sabor das circunstâncias, desobedecendo a Deus, perdendo por isso o trono (1Sm 13.8-14).

O homem longânimo é considerado inteligente: “Quem retém as palavras possui o conhecimento, e o sereno de espírito (LXX: makrothymos) é homem de inteligência” (Pv 17.27).

A longanimidade é um antídoto contra a arrogância, constituindo-se num estímulo à humildade: “Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; melhor é o paciente (LXX: makrothymos) do que o arrogante” (Ec 7.8).

A Longanimidade é uma obra do Espírito em nosso coração que se manifesta em nossa atitude: “O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade (makrothymia)….” (Gl 5.22). Isso significa que a nossa comunhão com Deus e o enchimento do Espírito revelam-se em nossa longanimidade.

O amor, como fruto do Espírito, também é longânimo: “O amor é paciente (makrothymei), é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece” (1Co 13.4/Gl 5.22).

A clemência que faz com que Deus nos perdoe, torna-nos também responsáveis por exercitar a nossa longanimidade de forma perdoadora para com o nosso próximo. Na já citada parábola do Credor Incompassivo, vemos que o Senhor que perdoou aquele servo que clamou por sua longanimidade, foi posteriormente recriminado justamente porque não atendeu igual clamor de um conservo, conforme relata o texto bíblico:

O reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente (makrothymei) comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários;[12] e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente (makrothymei) comigo, e te pagarei. Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida. Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito e foram relatar ao seu senhor tudo que acontecera. Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão. (Mt 18.23-35/Pv 19.11).

A) A longanimidade em relação a Deus

Devemos esperar perseverantemente nas promessas de Deus. Abraão alcançou a promessa que esperou com longanimidade. O escritor de Hebreus exorta os seus leitores:

Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade (makrothymia), herdam as promessas. Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei. E assim, depois de esperar com paciência (makrothymēsas) obteve Abraão a promessa. (Hb 6.11-15).

Notemos que a nossa perseverança em esperar o cumprimento da promessa de Deus é resultado de nossa vivência com Ele, sabendo que Deus é fiel, que nada promete sem pretender ou poder cumprir. Essa convicção que tem a sua prova evidente e objetiva na Palavra, adquire um sentido especialmente real para o crente a partir do exercício de sua fé no Deus a quem conhece como Senhor fiel e poderoso para cumprir todos os seus propósitos, sabendo que não há impossíveis para Deus.

A nossa paciência tem um fim escatológico. Devemos aprender com a paciência do lavrador. A expectativa jubilante da volta de Cristo deve ser um combustível constante para a nossa alegria e perseverança.

A paciência da Igreja não é estimulada com falsas promessas ou com meras probabilidades. Devemos esperar em Deus, aguardando a volta triunfante de Cristo, conforme Ele mesmo prometeu:

Sede, pois, irmãos, pacientes (Makrothymēsate), até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador aguarda com paciência (makrothymōn) o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes (makrothumēsate) e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima. (Tg 5.7-8).

Àqueles que eram tentados a abandonar a sua fé ou a se entregar a uma letargia resultante de uma dúvida paralisante, o escritor de Hebreus escreve estimulando-os a seguirem o modelo dos servos de Deus que deram exemplo de longanimidade:

Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade (makrothymia), herdam as promessas. (Hb 6.11-12).

A Longanimidade fortalece a nossa fé: No exercício dessa confiança perseverante em Deus, fortalecemos os nossos corações e nos alegramos em Deus, crescendo mais em nossa experiência proveniente da Palavra e vivida em nossa cotidianidade.

As promessas de Deus são para serem cridas e vivenciadas por todo o povo de Deus: quem crê verá! É nesse sentido que Paulo intercede pelos colossenses:

Desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus; sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda a perseverança e longanimidade (makrothymia); com alegria, dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz. (Cl 1.9-12/Hb 6.12-15)

B) A longanimidade em relação ao serviço de Deus

a) Devemos pregar a Palavra com longanimidade: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade (makrothymia) e doutrina” (2Tm 4.2). “Nenhum homem pode pregar ou ensinar sem makrotumia”, aconselha-nos Barclay.[13]

Não podemos simplesmente desistir por causa das dificuldades ou porque julgamos que aquela pessoa a quem pregamos está “empedernida”. Devemos persistir em nossa tarefa. Notemos que o que distingue a nossa longanimidade é a doutrina. A perseverança ensinada e vivida por Paulo associava-se à doutrina que ensinava – que recebera de Cristo (1Co 11.23; 15.3; Gl 1.12/1Co 9.1; 15.8; Gl 1.15-16) -, não a um conjunto de lendas por ele inventado.

Portanto, o senso de urgência deve orientar e ser o combustível de nossa tarefa: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não”. Nós não temos o controle do tempo; não sabemos até quando teremos essa oportunidade ou se teremos outra; a urgência no anúncio da Palavra deve nos impulsionar a fazê-lo com toda longanimidade e doutrina

Anos antes, Paulo quando reuniu os presbíteros de Éfeso em Mileto, relembra como foi contínuo o seu trabalho naquela cidade, declarando que mesmo sobre fortes provações e perseguições permaneceu inabalável em sua missão: “Jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. (…) porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus. (…) Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um” (At 20.20,21,27, 31)

Os profetas, também nesta perseverança, se constituem num exemplo para nós: “Irmãos, tomai por modelo (upodeigma)[14] no sofrimento e na paciência (makrothymia) os profetas, os quais falaram em nome do Senhor” (Tg 5.10).

Paulo em outro contexto, revela a sua longanimidade no Ministério:

Em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade (makrothymia), na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido. (2Co 6.4-6). 

C) A Longanimidade em relação ao nosso próximo

O texto de Paulo aos efésios nos fala como devemos andar, com toda longanimidade (Ef 4.2). Como o contexto direciona-se para as nossas relações, deixei esta parte para o final a fim de realçar biblicamente como deve ser a nossa convivência social:

Devemos ser longânimos para com todos. No entanto, esse sentimento deve vir acompanhado de outros, para que não confundamos longanimidade com frouxidão moral ou tolerância pecaminosa. É desse modo que Paulo instrui os tessalonicenses:  “Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos (1Ts 5.14). A longanimidade deve acompanhar a prática das demais atitudes.

Devemos nos revestir desse e de outros sentimentos. A longanimidade deve ser a nossa vestimenta diária com a qual tomamos as nossas decisões: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade (makrothymia) (Cl 3.12).

Em contraste com o modelo dos falsos mestres, Paulo estimula Timóteo a continuar seguindo o seu exemplo de longanimidade: “Tu, porém, tens seguido, de perto, o meu ensino, procedimento, propósito, fé, longanimidade (makrothymia), amor, perseverança”(2Tm 3.10).

Por intermédio do exemplo de Paulo, aprendemos que devemos orar pelos nossos irmãos nesse sentido:

Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus; sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda a perseverança e longanimidade (makrothymia); com alegria, dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz. (Cl 1.9-12).

Aqui podemos destacar o contraste estabelecido entre o homem grego e o cristão conforme interpreta Barclay (1907-1978):

A grande virtude grega era megalopsuchia, que Aristóteles define como a recusa em tolerar qualquer ofensa ou injúria. Para os gregos o grande homem era aquele que procurava a vingança com todas as suas forças. Para o cristão, o grande homem é aquele que, mesmo quando tem a oportunidade, recusa-se a agir assim.[15]

O homem na sua vida terrena deve reproduzir a paciência incansável de Deus para com as pessoas, e a paciência que não perde a coragem com os eventos.[16]

A longanimidade, portanto, não é uma postura de fraqueza, mas de força e convicção. Não se trata de aceitar passivamente a injustiça ou a maldade, mas de agir com paciência e amor, mesmo diante de provocações e ofensas. É uma virtude que exige de nós um coração disposto a suportar, perdoar e perseverar, sempre buscando o bem-estar do próximo e o cumprimento da vontade de Deus.

Essa postura é refletida nas palavras de Paulo aos Colossenses, onde ele ora para que os crentes sejam fortalecidos com poder para toda a perseverança e longanimidade (Cl 1.11). A oração é, assim, um meio pelo qual podemos pedir a Deus que nos conceda a capacidade de ser longânimos, sustentando-nos em tempos de dificuldades e conflitos.

Assim, a longanimidade deve ser cultivada e praticada em nossa vida diária, influenciando nossas interações e decisões. Ao buscar a orientação divina e seguir o exemplo de Cristo e dos apóstolos, podemos nos tornar exemplos vivos dessa virtude, inspirando outros a também praticá-la.

 


[1]Cf. Russel Shedd, Andai Nele: Exposição Bíblica de Colossenses, São Paulo: ABU, 1979, p. 24.

[2]Ex 34.6; Nm 14.18; Ne 9.17; Sl 7.12; 86.15; 103.9; 145.8 (“tardio em irar-se”); Pv 14.29; 15.18; 16.32; 17.27; Ec 7.8; Jl 2.13; Jn 4.2 (“tardio em irar-se”); Na 1.3.

[3] E, passando o SENHOR por diante dele, clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade” (Ex 34.6). “Recusaram ouvir-te e não se lembraram das tuas maravilhas, que lhes fizeste; endureceram a sua cerviz e na sua rebelião levantaram um chefe, com o propósito de voltarem para a sua servidão no Egito. Porém tu, ó Deus perdoador, clemente e misericordioso, tardio em irar-te e grande em bondade, tu não os desamparaste” (Ne 9.17). “Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio de graça, paciente e grande em misericórdia e em verdade” (Sl 86.15).

[4] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

[5] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 7.11), p. 149.

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 51.8-9), p. 436.

[7] “Paulo é um exemplo vivo da paciência divina, uma prova da misericórdia de Deus para com os pecadores” (U. Falkenroth, et. al. Paciência: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 376).

[8] “Não obstante a confusão reinante no mundo, é certo que Ele jamais cessa de exercer a função de Juiz. Todos quanto se derem ao trabalho de abrir seus olhos para contemplarem o governo do mundo, verão distintamente que a paciência de Deus é muito diferente de aprovação ou conivência. Seguramente, pois, seu próprio povo, confiadamente, a Ele recorrerá a cada dia” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 7.11), p. 149).

[9] “Deve-se dizer que na Grécia antiga makrothymia se ocupa primariamente com a formação do caráter do próprio homem, não sendo uma virtude que se exerce para com o próximo” (U. Falkenroth; e C. Brown, et. al. Paciência: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, [p. 370-382], p. 374). Este mesmo sentido é encontrado na Literatura Sapiencial

[10]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 5.21-23), p. 171.

[11] William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 90.

[12]Um talento equivalia a seis mil denários, que correspondia a um dia de trabalho (Mt 20.2,13). Portanto, a dívida perdoada de 10 mil talentos correspondia à quantia de 60 milhões de denários. O servo que recebeu este perdão não quis perdoar aquele que lhe devia o equivalente a 1/600 mil avos da dívida perdoada.

[13]William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 92. Atenho-me ao conselho de Barclay quanto à perseverança, não ao conteúdo de sua pregação.

[14]u(pó/deigma (*Jo 13.15; Hb 4.11; 8.5; 9.23; Tg 5.10; 2Pe 2.6). “Exemplo”, “modelo”, “figura”, “padrão”.

[15]William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 140.

[16]William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 93. Em outro lugar: “A paciência humana é um reflexo da paciência divina que arca com todos os nossos pecados e jamais nos rejeita” (William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 11, (Cl 3.9b-13) p. 169).

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.