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“Com toda a mansidão” — o que é ser uma pessoa com mansidão?
Capítulo 4 da série "O caminhar do povo de Deus aqui e agora: estudos em Efésios 4.1-6"
“Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão….” (Ef 4.1-2).
Significado da palavra mansidão
O Novo Testamento dispõe de duas palavras que são empregadas indistintamente: prautētos (que é usada neste texto) e prautés, que significam: gentileza, humildade, cortesia, consideração, amabilidade, meiguice, brandura. Elas indicavam uma “amizade suave e gentil”.
Barclay (1907-1978) traz uma palavra esclarecedora:
No grego clássico, esta é uma palavra encantadora. A respeito dos objetos significa “suave”. É usada, por exemplo, a respeito de uma brisa ou uma voz suave. A respeito das pessoas significa “brando” ou “gracioso”. Há um fragmento de Menandro que diz: “Quão doce é um pai que é meigo e jovem de coração”. Seria verdade dizer que no grego clássico é uma palavra carinhosa. Na realidade, Xenofonte usou o plural neutro do adjetivo no sentido de “carinhos”. É caracteristicamente uma palavra de bondade e graciosidade.[1]
Aristóteles (384-322 a.C.), seguindo a sua metodologia de encontrar o meio termo virtuoso entre os extremos, a colocou como o ponto central entre a ira excessiva orgilótês [2] e a total passividade aorgêsía [3].[4] Sócrates (469-399 a.C.) dizia que o amor incute em nós a “brandura”, excluindo a rudeza.[5] Esta virtude, apreciada de modo especial nas mulheres, era uma característica comum atribuída às deusas gregas.[6]
Portanto, podemos dizer que “Praus é a palavra em que força e suavidade estão perfeitamente combinadas”.[7]
Mansidão x fraqueza
Mansidão não é sinônimo de fraqueza, indolência ou indiferença. Facilmente podemos confundir tais comportamentos. A mansidão não é apenas uma atitude externa, antes, é uma atitude interior, um controle interno dos impulsos vingativos e reivindicatórios que inesperadamente nos assaltam.
Lloyd-Jones comenta:
A mansidão é compatível com grande força de caráter. A mansidão é compatível com grande autoridade e poder. (…) O homem manso é aquele que acredita em defender com tal empenho a verdade que se dispõe até a morrer por ela, se for necessário. Os mártires foram pessoas mansas, mas jamais foram débeis. Foram homens fortes, e, contudo, mansos.[8]
Nas páginas do Novo Testamento, encontramos Tiago contrastando a mansidão com a ira:
Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar (orgēn).[9] Porque a ira (orgēn) do homem não produz a justiça de Deus. Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade (kakias),[10] acolhei (dexasthe),[11] com mansidão (prautēti), a palavra em vós implantada (emphyton[12]= “semeada”), que é poderosa para salvar a vossa alma. (Tg 1.19-21).
Dentro de outra perspectiva, podemos observar que muitas vezes enfrentamos alguns problemas, não pelo que dissemos, mas pelo modo como dissemos. Fomos ásperos e agressivos. Devemos enfatizar que amabilidade, gentileza e doçura não se contrapõem necessariamente à firmeza. Devemos ser firmes nas coisas que envolvem a Palavra de Deus e a sua causa, no entanto, não devemos ser grosseiros. Muitas vezes, somos levados a pensar que a convicção de estarmos certos elimina a necessidade de sermos cordatos e amáveis em nossa posição. A verdade não necessita ser grosseira e iracunda.
Hendriksen (1900-1982) comenta:
Mansidão não é sinônimo de fraqueza. A mansidão não consiste em falta de firmeza de caráter, uma característica da pessoa que está pronta a curvar-se ao sabor de toda brisa. Mansidão é submissão ante qualquer provação, a disposição de sofrer dano ao invés de causá-lo. A pessoa mansa deixa tudo nas mãos daquele que ama e que se importa.[13]
Do mesmo modo, Lloyd-Jones (1899-1981): “’Mansidão’ significa realmente prontidão para sofrer o mal, confiando tudo a Deus”.[14]
Mansidão e firmeza na defesa de nossa fé
Pedro, escrevendo às igrejas perseguidas, diz que a nossa resposta aos que nos caluniam e perseguem deve ser dada com firmeza e mansidão, apresentando a razão de nossa esperança em Cristo:
Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal. (1Pe 3.14-17).
Mansidão no ensino e no exercício da disciplina
Do mesmo modo, devemos corrigir os infratores com espírito de brandura: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura (prautētos); e guarda-te para que não sejas também tentado” (Gl 6.1). Não pensemos que mansidão é sinônimo de acomodação ao erro. A mansidão se revela na correção que visa à restauração do irmão faltoso, com brandura e humildade.
Em outro lugar Calvino orienta-nos:
Não há nada pior no conselho fraternal do que um espírito azedo e arrogante, pois ele nos leva a desdenhar e a sentir enfado por aqueles que se acham em erro, e nos leva a ameaçá-los com o ridículo em vez de corrigi-los. A aspereza também, seja em palavras, seja em expressão, priva nosso conselho de seus efeitos. Ainda quando excedamos em espírito humanitário e em cortesia, jamais seremos as pessoas certas para ministrar conselhos, a não ser que cultivemos muita sabedoria e adquiramos muita experiência.[15]
À rebelde igreja de Corinto, Paulo pergunta de forma severa: “Que preferis? Irei a vós outros com vara ou com amor e espírito de mansidão (prautētos)?” (1Co 4.21).
De forma análoga, a orientação àqueles que pensam diferentemente deve ser feita com brandura e oração, a fim de que Deus possa, por meio da Palavra, dar-lhes discernimento – conhecendo a verdade – livrando-os do cativeiro intelectual e espiritual de satanás que tem os seus próprios planos destrutivos e alienantes de Deus:
Disciplinando[16] (= “ensinando”, “instruindo”) com mansidão (prautētos) os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços[17]do diabo, tendo sido feitos cativos[18] por ele, para cumprirem a sua vontade.[19] (2Tm 2.25-26).[20]
Esta instrução (disciplina) não deve ser caracterizada pela polêmica – que por si só não é edificante[21] – mas pelo desejo de conduzi-los à verdade.
Calvino nos instrui:
Os mestres precisam aprender que esse gênero de moderação deve ser sempre usado nos atos de reprovação, para que não se firam os brios dos homens no uso de excessiva austeridade. (…) Mas, acima de tudo, devem tomar cuidado para não parecer que escarnecem daqueles a quem estão a reprovar, nem sentir-se prazerosos com seu infortúnio.[22] Não! Ao contrário, devem esforçar-se para que fique evidente que a sua intenção não é outra senão a promoção de seu bem-estar. (…) Portanto, se desejamos fazer algo de positivo, ao corrigirmos as falhas das pessoas, é saudável esclarecer-lhes que as nossas críticas são oriundas de um coração amigo.[23]
O alvo de um bom mestre deve ser sempre converter os homens do mundo para que voltem seus olhos para o céu.[24]
Mansidão: o caminho da sabedoria em obediência à Palavra
Tiago nos diz que a evidência da verdadeira sabedoria é a mansidão com que ela é demonstrada: “Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre em mansidão de sabedoria, mediante condigno proceder, as suas obras” (Tg 3.13).
A mansidão deve permear as nossas atitudes. Ela deve reger o nosso comportamento e caracterizar as nossas relações, conforme Paulo instrui a Tito no sentido de ensinar qual deve ser o comportamento dos membros da Igreja em relação a todas as pessoas: “Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam prontos para toda boa obra, não difamem a ninguém; nem sejam altercadores, mas cordatos, dando provas de toda cortesia, para com todos os homens” (Tt 3.1-2).
Paulo, aplicando a teologia que ensinara, exorta os efésios: “Rogo-vos (parakaleo), pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis (peripateo) de modo digno da vocação a que fostes chamados, 2 com toda a humildade e mansidão (prautētos), com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Ef 4.1-2).
Como vimos, verbo “andar” indica uma atitude que deve ser constante, contínua, envolvendo a ideia de movimento e progresso.
Em outro texto, Paulo reforça este conceito, mostrando que assim como a humildade, a mansidão não é algo acabado e completo, devemos persegui-la diariamente: “Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue[25] a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão” (1Tm 6.11). Como vimos, Calvino comenta: “Será inútil ensinar a mansidão, a menos que tenhamos iniciado com a humildade”.[26]
O início deste caminho de vida está no acolhimento da Palavra de Deus, que deve ser feito com mansidão: “… acolhei, com mansidão (prautētos), a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (Tg 1.21).
Não há lugar para arrogância diante da Palavra. Ela nos mostra de forma absoluta os nossos pecados e a necessidade que temos de salvação em Jesus Cristo. Davi se constitui num bom exemplo de acolhimento da Palavra. Quando, devido aos seus pecados foi confrontado severa e justamente pelo profeta Natã, o salmista, de modo humilde e arrependido, disse: “Pequei contra o Senhor” (2Sm 12.13). Não há agressividade, nem desculpas. Ele pecou contra Deus e, por isso, confessou o seu pecado. O arrependimento e a consequente confissão, ainda que depois de cerca de um ano, foi antecedida por uma reflexão sincera e por uma decisão corajosa.
O modelo perfeito de mansidão nós o temos em Cristo Jesus, de quem devemos aprender como discípulo, completa e definitivamente, visto que em todo o seu ministério terreno deu-nos exemplo de mansidão sendo obediente ao Pai: “… aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.29).[27]
O caminho da mansidão passa invariavelmente pelo crescimento espiritual, já que esta é uma virtude do Espírito. Portanto, essa virtude não é natural, devendo ser cultivada pela obediência à Palavra de Deus: “O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão (prautētos), domínio próprio….” (Gl 5.22-23).
A ideia de mansidão é também a de controle. Conforme formos crescendo espiritualmente, os nossos pensamentos, emoções, desejos e comportamento vão sendo controlados por Deus. Assim, vemos que o mesmo Moisés que matou um egípcio porque maltratava um judeu, é dito depois que ele se tornou o homem mais manso de toda a terra (Nm 12.3).
A mansidão é uma virtude de grande valor diante de Deus, conforme diz Pedro: “Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus” (1Pe 3.3-4).
Os mansos, a terra e o Reino
Há uma diferença fundamental entre ter um bem e ser possuído por ele. Quando colocamos o nosso coração naquilo que temos, parece que já não mais o temos, o bem é que nos possui, dominando o centro vital de nosso pensar, sentir e agir – o nosso coração. Quando o que devemos dominar nos subjuga, nos desumanizamos.[28] Li posteriormente: “Aquele cuja paixão é a busca por possuir, será possuído”.[29]
Devemos, portanto, viver neste mundo com moderação, sem colocar o coração nos bens materiais, pois tais sentimentos nos fazem esquecer a vida celestial[30] e de “adornar nossa alma com seus verdadeiros atavios”.[31]
Os incrédulos, por sua vez, mesmo usufruindo de bênçãos materiais provenientes de Deus, estão sempre perplexos e infelizes, não conseguem desfrutar com alegria das boas coisas que Deus lhes dá.[32] Tais homens são possuídos pelos seus bens e nunca se valem dignamente desta manifestação da graça comum de Deus.
Jesus Cristo diz que os mansos herdarão a terra. No Novo Testamento, além da associação natural do verbo herdar, o substantivo herança e o adjetivo herdeiro[33] com o recebimento de posses da parte dos pais (Mt 21.37-38; Lc 12.13; Gl 4.30), encontramos, com maior ênfase, a conotação espiritual de:
- Herança do Reino de Deus e de Cristo (Mt 25.34; 1Co 6.9,10; 15.50; Gl 5.21; Ef 5.5; Tg 2.5),
- Vida eterna (Mt 19.29; Mc 10.17; Lc 10.25; 18.18; Tt 3.7; Hb 9.15),
- Salvação (Ef 1.14,18; Cl 3.24; 1Pe 1.4; Hb 1.14/Hb 6.12/At 20.32),
- Glória futura (Rm 8.17-18) e
- Bênção (1Pe 3.9/Hb 12.17/Ap 21.7).
Devemos observar que todas essas heranças advêm de Cristo, visto que ele é o herdeiro único e pleno de todas as coisas: “Nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.2).
Pois bem: Jesus Cristo, que é herdeiro de todas as coisas, terrenas e celestiais, no seu justo direito, garante que os mansos herdarão a terra. Aqui podemos dar um sentido material perceptivo afirmando que os mansos, na percepção perfeita da graça de Deus, reconhecem em tudo que tem esta manifestação. Portanto, tendo bens, não colocarão seus corações nisto, sendo, deste modo, verdadeiramente possuidores da terra, sem se deixar possuir por ela.
Há também um sentido espiritual e escatológico: o nosso bem maior, a nossa terra prometida não é esta, mas os novos céus e nova terra criados pelo Senhor, cuja vida e grandeza estarão no Senhor que com sua presença comunica vida, alegria e paz a todos os seus habitantes. Aqui somos peregrinos e estranhos, lá seremos cidadãos e herdeiros por graça. A partir da cruz histórica nasceu a renovação da terra que seremos os herdeiros.
Contudo, há algo de maravilhosamente surpreendente: a nossa herança, a rigor falando, é o próprio Senhor Jesus Cristo, senhor do céu e da terra.
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2 Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. 3 Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. 4 E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. 5 E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. (Ap 21.1-6).
Percebam o ensino antitético de Jesus Cristo. Aqueles que aos olhos naturais aparentemente nada têm, sendo desconsiderados e tidos como derrotados, são, na realidade, os que conseguem controlar suas paixões, confiando no cuidado misericordioso de Deus. Tais homens são iguais a Paulo: pobres, enriquecendo a muitos e, paradoxalmente, “nada tendo, mas possuindo tudo” (1Co 6.10). Estes são aqueles que podem dizer também com o Apóstolo Paulo, referindo-se a Jesus Cristo: “…. com ele reinaremos” (2Tm 2.12).
Considerações pontuais
A mansidão, conforme nos mostra a Escritura, é aquela qualidade do homem que suporta com paciência as aflições, confiando em Deus, tendo seus impulsos pecaminosos dominados pelo Senhor, submetendo-se com alegria aos desígnios de Deus. No entanto, insistimos: mansidão não é sinônimo de inércia. Jesus Cristo, o exemplo absoluto de mansidão, indignou-se com a incredulidade de seus ouvintes (Mc 3.5)[34] e expulsou os cambistas do templo por estarem profanando-o (Mc 11.15-17).
Ter um espírito manso significa ser totalmente controlado pelo Espírito de Deus, o que nos permite suportar com paciência os reveses da vida e, ao mesmo tempo, sermos ousados em nos manifestar contra aquilo que ofende a Deus e à sua casa.
A mansidão não é algo natural, resultado de nosso temperamento ou caráter;[35] antes, é uma qualidade espiritual aprendida de Cristo (Mt 11.29/2Co 10.1).[36] No texto de Efésios 4, Paulo nos orienta para que vivamos na Igreja de forma mansa, com gentileza e tolerância, expressando a nossa humildade em nosso trato pessoal. A mansidão é a expressão de um coração humilde e confiante em Deus. Quem assim procede, pela graça de Deus, será amplamente abençoado aqui e herdará a vida eterna. Que Deus nos capacite a viver deste modo! Amém!
[1]William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 172.
[2]Esta palavra, que não ocorre no Novo Testamento, é derivada de o)rgh/ (“ira’, “indignação”, “furor”) (Mt 3.7; Mc 3.5; Rm 1.18; 2.5,8, etc.).
[3] Esta palavra também não é empregada no Novo Testamento. Ela é formada por duas outras: a) (“não”) e o)rga/w (“estar cheio de seiva”, “arder em desejos de luxúria”). O)rga/w é derivada de o)rgh/. Somente esta aparece no Novo Testamento.
[4] “No tocante à cólera também há um excesso, uma falta e um meio-termo. Embora praticamente não tenham nomes, uma vez que chamamos calmo ao homem intermediário, seja o meio-termo também a calma; e dos que se encontram nos extremos, chamemos irascível ao que excede a irascibilidade ao seu vício; e ao que fica aquém da justa medida chamemos pacato, e pacatez à sua deficiência” (Aristóteles, Ética à Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, II.7. 1108a 6, p. 275).
[5] Platão, O Banquete, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 3), 1972, 197d., p. 35.
[6] Cf. F. Hauck; S. Schulz, Prau=j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 6, p. 646.
[7]William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 107.
[8]David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 61.
[9]O)rgh/ ocorre no mínimo 35 vezes no Novo Testamento e, qumo/j é usado no mínimo 18 vezes. Na Bíblia, ambos os termos aparecem algumas vezes relacionados: No Antigo Testamento: Dt 9.19; Sl 2.5; 78.49; Is 5.25; 7.4; 9.19; 34.2; Dn 3.13; Ez 22.31; Os 13.11; Mq 5.15. No Novo Testamento: Rm 2.8; Ef 4.31; Cl 3.8; Ap 19.15. Segundo Trench, o mesmo acontece no grego secular (Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of The New Testament, 7. ed. rev. and enlarg. London: Macmillan and Co., 1871, § XXXVII, p. 123).
Apesar de ambas as palavras serem quase sinônimas, parece-me que a distinção entre elas está na duração da irritabilidade; enquanto qumo/j descreve uma ira repentina que logo se apaga, como um “fogo de palha”, conforme diziam os gregos, o(rgh/ retrata uma ira que persiste ardendo lentamente, recusando-se a ser pacificada, tendo assim, grande propensão a se transformar em “amargura”. Contudo, essa distinção gramatical não deve ser aplicada a Deus visto que ele Se comunica conosco usando de termos humanos para descrever os seus “sentimentos” (Vejam-se: William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, (Mateo I), v. 1, p. 149-150; v. 11, p. 163; G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana, 1981, p. 162-163; F. Foulkes, Efésios: introdução e comentário, São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, (1979), p. 113 e, especialmente: H. Schönweiss; H.C. Hahn, Ira: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 441-449; Richard C. Trench, Synonyms of The New Testament, § XXXVII, p. 123-127; Hermann M. Kleinknecht, et. al., O)rgh/: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 5, p. 382-447.
[10] “Mal”, “malícia”, “maldade”, “impiedade”, “depravação”, “vício”, “malignidade”. A palavra em alguns textos significa uma depravação mental de onde decorrem todos os outros vícios. Ela tem de modo especial um sentido ético. * Mt 6.34; At 8.22; Rm 1.29; 1Co 5.8; 14.20; Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 3.3; Tg 1.21; 1Pe 2.1,16. Na literatura clássica a palavra tinha o sentido de “vício” e “injustiça” (Vejam-se: Platão, A República, 444e; Platão, Fedro, 248b; Aristóteles, Arte Retórica, II.12; Aristóteles, Ética à Nicômaco, VII.1.15; Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, II.1.21). Calvino comentando o uso da palavra em Ef 4.31, diz: “Por esse termo ele quer dizer que a depravação da mente, a qual é oposta ao espírito humano e à probidade, e a qual é usualmente chamada malignidade” (J. Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.31), p. 149).
[11]Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “… Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59).
[12] Esta palavra só ocorre neste texto em todo o Novo Testamento.
[13] William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt 5.5), p. 379.
[14]D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 38.
[15]João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, (Rm 15.14), p. 506.
[16]O substantivo paideia e o verbo paideon (de onde vem a nossa “pedagogia”), significam “educação das crianças”, e têm o sentido de treinamento, instrução, disciplina, ensino, exercício, castigo. (Para maiores detalhes, consultar: Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 270ss.).
[17]significa “armadilha”, “rede”, “laço” (* Lc 21.34 (ARA) na ACR e BJ, no verso 35; Rm 11.9; 1Tm 3.7; 6.9; 2Tm 2.26).
[18]“capturar”, “feito prisioneiro”, “prender com vida” (* Lc 5.10; 2Tm 2.26).
[19]significa “vontade”, “desejo”, “intenção”. Apesar do verbo ser amplamente empregado na literatura clássica, a forma substantiva aparece raramente. No Novo Testamento ele ocorre 61 vezes (o verbo 207 vezes). A palavra enfatiza mais o elemento volitivo do que o deliberativo, ou seja, a sua ênfase recai sobre o propósito almejado.
[20] “Satanás visa impedir a nossa visão clara da realidade, confundindo os nossos sentidos e, assim, paralisando a nossa vontade, tornando-nos presas fáceis para a execução de seus propósitos. Não é à toa que no Apocalipse Satanás é denominado de ‘o sedutor de todo o mundo’ (Ap 12.9)” (Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 89).
[21]Segundo Calvino, na polêmica pela polêmica, há algo de ardiloso por parte do maligno. De modo especial, Calvino chama a atenção dos pastores: “Essa é a trama de Satanás, ou seja: que, mediante perversa loquacidade de tais homens, ele enreda os bons e fiéis pastores com o fim de distraí-los de sua preocupação pela doutrina. Daí a necessidade de nos precavermos e não permitirmos qualquer envolvimento em argumentos polêmicos; porque, do contrário, jamais nos veremos livres para direcionar nosso labor em prol do rebanho do Senhor, nem os homens amantes de polêmicas nos deixarão de perturbar” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 3.10), p. 357). Por outro lado: “Um bom pastor deve estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutrinas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma irrefreada oportunidade de difundi-las” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 316).
[22] “…os crentes são açoitados, não para com isso satisfazerem à ira de Deus, nem para pagarem o que é devido ao juízo que ele lhes impõe, mas a fim de aproveitarem a oportunidade para arrependimento e para retorno ao bom caminho” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, (II.5). v. 2. p. 177).
[23]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.14), p. 142.
[24] J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.2), p. 301.
[25]é utilizada sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz (1Pe 3.11).
[26]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108.
[27] Do mesmo modo: 2Co 10.1: (“mansidão” = prau=+thj) e Mt 21.5: (“humilde” = prau=+j).
[28]Veja-se: Hans W. Wolff, Antropologia do Antigo Testamento, 2. ed. São Paulo, SP.; São Leopoldo, RS: Loyola; Sinodal, 1983, p. 291.
[29] Os Guinness, Sete Pecados Capitais, São Paulo: Shedd Publicações, 2006, p. 171.
[30] A alegria cristã não está simplesmente condicionada ao ter e possuir. “Ainda que os fiéis também aspirem e busquem o conforto terreno, todavia não o perseguem com imoderado e desordenado ardor, senão que, pacientemente, podem suportar ser privados dele, desde que tenham consciência de que são objetos do cuidado divino” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 4.7), p. 108).
[31] Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Rijswijk, Países Bajos: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1967 (Nueva Edición Revisada), III.10.4. “Os crentes gozam de genuína riqueza quando confiam na providência divina que os mantém com suficiência e não se desvanecem em fazer o bem por falta de fé. (…) Ninguém é mais frustrado ou carente do que aquele que vive sem fé, cuja preocupação com suas posses dilui toda a sua paz” (João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 9.11), p. 193-194).
[32]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 17.15), p. 349-350.
[33] Quanto à origem e emprego da palavra, veja-se: J. Eichler, Herança: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 364-371.
[34] O filósofo Bertrand Russell (1872-1970), quando alega o fato de Jesus manifestar “uma fúria vinditiva contra os que não davam ouvidos aos seus ensinamentos”, como sendo um argumento para ele não ser cristão (Cf. Bertrand Russel, Porque não sou Cristão, 2. ed. São Paulo: Livraria Exposição do Livro, 1972, p. 28), peca pelo fato de não considerar que a ira de Jesus era acompanhada de um sentimento de “aflição”, “totalmente aflito” (Mc 3.5. sullupe/omai), pela dureza de seus corações, pois, aqueles que ali estavam (havia fariseus no grupo, Cf. Mc 3.6), tinham interesse em acusá-lo (Mc 3.2) e, também, não devemos nos esquecer de que a ira de Jesus não era causada por motivos egoísticos, mas, pelo fato da Palavra de Deus por ele anunciada não ser ouvida pelo povo, que seguia a influência farisaica.
Contudo, esses argumentos não valem para Russell pois ele se declara agnóstico quanto a Deus (Cf. Bertrand Russel, Porque não sou Cristão, p. 55, 159) e, também, porque considera os cristãos não muito inteligentes (Cf. Bertrand Russel, Educação e Ordem Social, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956, p. 80-81).
A ira divina descrita nas Escrituras, entre outras, tem as seguintes motivações: a incredulidade: Mc 3.5; Jo 3.36; “impiedade e perversão” daqueles que “detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1.18); desobediência: Rm 2.8; Ef 2.3; 5.6; Cl 3.6. Notemos que todos esses textos revelam a livre escolha do homem em renunciar a Palavra de Deus, o próprio Deus.
[35]Vejam-se: David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 61; H.H. Esser, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 386; G.B. Funderburk, Mansidão: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 80; Jerry Bridges, A Vida Frutífera, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 18-20.
[36] “… aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.29). “E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo, eu que, na verdade, quando presente entre vós, sou humilde; mas, quando ausente, ousado para convosco” (2Co 10.1).