Um blog do Ministério Fiel
Contar aos nossos filhos as maravilhas do Rei e Pastor – parte II
Salmo 44 – A História como estímulo
Valendo-nos do Salmo 44 podemos aqui fazer algumas observações e aplicações.
Há momentos nos quais passamos por grande aflição, sendo levado a nos indagar o “por que” disso tudo? Isso pode ser no nível político, social, familiar, profissional e pessoal.
Queremos alguma explicação, desejamos compreender o que ocorre.
Nessas situações, é fundamental, por graça, a nossa resistência, o nosso patrimônio espiritual e moral para suportar esses problemas e não nos desesperarmos.
Observem que não estou falando de teimosia, antes, de paciência para podermos entender o que está ocorrendo e buscar, sob a instrução de Deus, a solução.
Respostas simplistas tais como: Comigo é assim. Sou assim mesmo. Bateu levou. Fui educado dessa forma, etc., estão longe de s constituírem em direcionamentos bíblicos para um caminhar seguro sob à direção de Deus.
Grande transtorno na vida de Israel
O Salmo 44 reflete um período de grande transtorno da vida de Israel. O povo fora derrotado, as suas batalhas eram frustrantes; o seu moral estava baixo. Além de derrotados sentiam-se humilhados (versos 9,10,14,15). O salmista não consegue entender o porquê de tudo isso.
Não sabemos quem escreveu este Salmo; talvez Davi, um de seus contemporâneos ou, quem sabe, alguém mais tarde já no exílio babilônico, rememorando esse período.
Nessa situação o salmista buscando os atos de Deus na história, volta à história tão viva em sua mente; às lições que aprendeu desde a infância e às suas próprias experiências. Nesse retorno, inicia dizendo: “Ouvimos, ó Deus, com os nossos próprios ouvidos: nossos pais nos têm contado (rp;s’) (saphar) o que outrora fizestes, em seus dias” (Sl 44.1).
Os feitos de Deus
Nesse contexto, o salmista evidencia a importância do que aprendeu e o quê aprendeu com seus pais a respeito de Deus:
Ouvimos, ó Deus, com os próprios ouvidos; nossos pais nos têm contado o que outrora fizeste, em seus dias. 2 Como por tuas próprias mãos desapossaste as nações e os estabeleceste; oprimiste os povos e aos pais deste largueza. 3 Pois não foi por sua espada que possuíram a terra, nem foi o seu braço que lhes deu vitória, e sim a tua destra, e o teu braço, e o fulgor do teu rosto, porque te agradaste deles. (Sl 44.1-3).
O salmista numa fase tremendamente atribulada e confusa, busca forças e compreensão na história de seus pais a respeito dos grandes feitos de Deus. O debruçar-se sobre a história passada tem como propósito entender a história presente.
Vemos aqui, o quão importante é aprendermos a contar aos nossos filhos os feitos de Deus registrados nas Escrituras; como Deus, o nosso Pastor, atuou na vida de seu povo e, ao mesmo tempo, como Deus age e tem operado em nossa vida.
Reuniões familiares
Podemos destacar a importância, nem sempre percebida, das conversas em família com nossos filhos, sobrinhos e netos com os quais compartilhamos, sem espírito de soberba ou de vaidosa miserabilidade, como Deus, ao longo dos anos, em pequenos e grandes eventos, demonstrou o seu cuidado para conosco, como nos preservou em momentos difíceis, nos guardou de tomar decisões erradas pela nossa falta de informação ou de visão correta dos fatos, pelas paixões circunstancias, rompantes, ou mesmo, pelos pecados próprios do ser humano.
Sem que percebamos, esses fatos tornam-se ilustrativos da relação de Deus tão próxima conosco. Isso dá-nos maior sensibilidade, só percebida, em geral, em momentos de crise, de expectativa e de dúvida. Em algumas dessas circunstâncias Deus “aviva em nós as forças da memória”, fazendo-nos lembrar que “no passado Ele guiou-nos assim”.
Essas recordações piedosas são grandemente estimulantes, conduzindo-nos de volta às Escrituras em oração. Os hinos cantados, alguns dos quais me lembrei enquanto redigia esses parágrafos, são altamente instrutivos e confortadores.
Pedagogia da libertação
Quando Deus efetua o processo de libertar o povo de Israel da escravidão egípcia, instrui a Moisés quanto à pedagogia dos diversos aspectos desse evento:
Disse o SENHOR a Moisés: Vai ter com Faraó, porque lhe endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes meus sinais no meio deles, 2e para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para que saibais que eu sou o SENHOR. (Ex 10.1-2/Ex 12.26-27).
Aqueles fatos deveriam ser rememorados perante seus filhos como uma demonstração do poder soberano de Deus. O rememorar traz consigo o renovar de nossa fé e o ensino dos atos poderosos de Deus, Aquele que cuida de nós.
Nas narrativas bíblicas encontramos as circunstâncias mais variadas, as quais representam situações que também vivemos: angústia, incerteza, falta de fé, perseverança, rebeldia, obediência, arrependimento, confissão, perdão.
Precisamos aprender a nutrir os nossos filhos com os grandes feitos de Deus. O ensino transmitido pelos pais deve refletir o compromisso com o Deus que nos ensina e, ao mesmo tempo, com os nossos filhos, no desejo de que eles cresçam e permaneçam fiéis ao Senhor.
No Salmo 78, como vimos, lemos:
Escutai, povo meu, a minha lei; prestai ouvidos às palavras da minha boca. 2 Abrirei os lábios em parábolas e publicarei enigmas dos tempos antigos. 3 O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, 4 não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas que fez. 5 Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos. (Sl 78.1-5).
No canto de Moisés, temos a instrução: “Lembra-te dos dias da antiguidade, atenta para os anos de gerações e gerações; pergunta a teu pai, e ele te informará, aos teus anciãos, e eles to dirão” (Dt 32.7).
Calvino comentado o Salmo 102.18[1] – escrito possivelmente por um judeu piedoso exilado, que orava e aguardava o regresso para Jerusalém e a reconstituição do seu povo -, escreve: “Pelo termo registro ele tem em mente que a história desse fato seria digna de figurar nos registros públicos, cujo memorial seria transmitido a gerações futuras”.[2]
Permanecer na Palavra
Aprendemos também que, nos momentos mais difíceis de nossa vida, quando tudo parecer não fazer sentido, podemos tornar à Palavra de Deus, buscando nos atos de Deus o nosso alívio, o estimulo à nossa fé e confiança. Devemos, portanto, permanecer na Palavra. Essa é a orientação de Paulo ao jovem Timóteo:
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. (2Tm 3.14,15).
Calvino (1509-1564) comentando o Salmo 46.8, diz:
O salmista, pois, com razão convoca a todos os homens e os exorta a que considerem as obras de Deus; como se quisesse dizer: A razão por que os homens não depositam em Deus a esperança de seu bem-estar é que são indiferentes à consideração de suas obras, ou tão ingratos que não fazem a menor conta delas como deveriam. Como ele se dirige a todos os homens em geral, descobrimos que mesmo os santos são entorpecidos e despreocupados a esse respeito até que sejam despertados.[3]
Resumindo: Devemos buscar continuamente a inspiração e o conforto nas Escrituras, que são uma fonte inesgotável de sabedoria e orientação divina. Em tempos de tribulação, é na Palavra que encontraremos a força necessária para perseverar e a clareza para compreender os propósitos de Deus em nossas vidas. A história do povo de Deus está repleta de exemplos de fé inabalável e confiança na providência divina, que devem servir-nos de modelo e incentivo.
Assim como os antigos, somos chamados a regar com fé o solo de nossas vidas, confiando que Deus, em sua infinita bondade, há de fazer florescer esperança e paz em nossos corações.
[1]“Ficará isto registrado para a geração futura, e um povo, que há de ser criado, louvará ao SENHOR” (Sl 102.18).
[2]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 102.18), p. 579.
[3] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2 (Sl 46.8-10), p. 336-337.