Um blog do Ministério Fiel
A importância de nossa identidade social e cultural
A mutabilidade de nossa identidade como seres sociais e culturais
Para o entendimento de nossa identidade em Cristo, devem ser considerados dois conceitos-chave com os quais a cosmovisão bíblica trabalha: estrutura e direção. A direção que a identidade em Cristo tomará, após o novo nascimento, é oposta à direção da identidade em Adão, da qual fazemos parte como seres humanos caídos. Portanto, o conceito e o entendimento da condição de mutabilidade de nossa identidade são importantes, pois, sem isso, não poderemos, entre outras coisas, assumir essa nova posição em Cristo. Essa mudança de direção só é possível por estarem presentes as condições de mutabilidade.
Para que em Cristo sejamos nova criação, precisamos mudar de lugar e de direção. Mudança de lugar, de em Adão para em Cristo, e de direção, porque em Adão tentamos ser deus e servimos ao nosso próprio reino, ao passo que em Cristo adoramos a Deus e a ele servimos de coração e com todo o entendimento. Em Adão, “a autoridade de Deus é contestada”[i]; em Cristo, aceitamos sua autoridade como Salvador e Rei.
A carteira de identidade, por exemplo, remete a um ser individual e social, visto que até mesmo o nome do indivíduo lhe é dado por terceiros, pelas pessoas com quem compartilhamos, inclusive, tempo e espaço. Essa identificação no âmbito social facilita nosso reconhecimento e designa nosso posicionamento na sociedade.[ii] Como exemplo disso, temos, na própria Palavra, a designação dos discípulos como cristãos (At 11.26), identificando-os no âmbito social — uma mudança de posição perante a sociedade.
Temos ainda nossa identidade cultural, que nos associa a um povo que reúne um conjunto de características “oriundas da interação dos membros [entre si e da interação destes como mundo”.[iii] Isso nos lembra os “do Caminho” (At 9.2). Essa identidade se estende ainda a uma nação, informação também descrita na carteira de identidade, documento no qual os nascidos no Brasil são considerados brasileiros. Quando nos tornamos cristãos, há uma mudança também nesse aspecto de nossa identidade. Não deixamos de ser brasileiros no aqui e agora, portanto nossa carteira de identidade não muda. Mas já fazemos parte de uma nova pátria, podendo afirmar que estamos sendo repatriados.
Como seres sociais, ainda nos encontramos inseridos na sociedade com sua cultura específica. No entanto, como seres sociais em Cristo, pessoas da Aliança, para tornar essa verdade “uma realidade viva e produtiva”[iv], recebemos a incumbência de, enquanto ainda nos encontramos no mundo, conhecer os — e obedecer aos — mandatos espiritual, social e cultural recebidos de nosso Criador, com o propósito de fazer diferença no mundo e na cultura em que vivemos. No entanto, essa mudança na forma de assumirmos os mandatos tem início na mente. Assim, Paulo nos instrui a sermos diferentes e, para isso, “ele não começa [sua abordagem no texto] com nossas ações, mas com nossa vida como pensadores. Não começa pelo exterior, mas pelo interior”.[v] Isso porque o “cristianismo é diametralmente oposto à lógica, ao pensamento do mundo”.[vi] É, portanto, impossível simplesmente acrescentar algo ao entendimento de uma pessoa. O foco do pensamento e de nossa lógica deve mudar, de forma significativa, para podermos viver da forma correta no Universo de Deus.
Quando nos identificamos como brasileiros, outros ao nosso redor sabem de onde somos e que língua falamos. Assim também, quando nos identificamos como cristãos, o normal seria que os outros também soubessem de onde somos e que língua falamos. No entanto, essa não tem sido uma verdade consistente. A identidade social e cultural do cristão se encontra como se estivesse firmada sobre areia movediça. Ao tentarmos ser “culturalmente relevantes”, temos deixado o estar em Cristo em segundo plano[vii] e, consequentemente, quando tentamos solucionar problemas e enfrentar situações adversas,[viii] temos deixado Deus de fora. Não nos reconhecemos como parte ativa da restauração, nem mesmo da criação. “Em nome de Cristo, devemos nos opor à distorção em todos os lugares [em todas as áreas da vida. A criação nos convoca para honrarmos os padrões de Deus”,[ix] não os padrões do mundo. É preciso que nos identifiquemos com a sociedade em Cristo, com a cultura cristã.
A mutabilidade social e cultural da identidade
O mundo percebe que há uma mutabilidade visível em curso na vida em sociedade, causada pela constante luta interna de seus indivíduos.[x] Essa luta interna não precisa nos levar ao desespero, pois foi o próprio Deus que a planejou com o fim de nos redirecionar e nos fazer buscá-lo, mesmo que tateando.
Ele “não está longe de cada um de nós” (At 17.26-27). É essa insatisfação interna que nos leva a um movimento constante, a uma transformação constante, na tentativa de voltar a uma identidade estável. Entre os cristãos, esse fato foi observado por Barcley ao comentar Filipenses 3.12-14 e 4.11-13. Ele afirma que nós, cristãos, como membros uns dos outros (Ef 4.25), em Cristo, temos um “descontentamento piedoso”.[xi] Somos eternamente insatisfeitos para conquistar aquilo para o que também fomos conquistados.[xii]
Ao aceitarmos essa luta interna como algo real,[xiii] nossa permanência conjunta continuará estável se nos firmarmos na paz de Cristo, aquele em quem nos encontramos, como nosso árbitro, em vez de aceitarmos que outros insatisfeitos assumam as rédeas da arbitragem (Cl 2.18-19). Isso porque não são mais eles, nem nós, que reinam, mas Cristo em nós (Gl 2.10). Nossa insatisfação será redirecionada ao lugar certo quando nos ajudarmos mutuamente a encontrar essa paz. A obediência a Cristo será nossa meta. Ajudaremos uns aos outros a nos lembrar de nossos erros, a fim de nos arrepender, encarar o perdão e a reconciliação, por meio dos quais o Espírito de Deus age[xiv] e estabelece nossa identidade social e cultural. As circunstâncias providenciadas por Deus ajudam a ampliar a insatisfação e nos aproximam ainda mais do Mestre e uns dos outros. Portanto, a mutabilidade faz parte de nossa identidade como seres humanos, como seres sociais.
O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Eu sou quem Deus diz que sou, de Minka Lopes, Editora Fiel
[i] Paul David Tripp. Guerra de palavras: o que há de errado com a nossa comunicação. Uma compreensão do plano de Deus para a nossa fala (São Paulo: Cultura Cristã, 2011), p. 27.
[iii] Ibidem.
[iv] Enciclopédia Significados. Signiflcado de identidade. Disponível em: http://www.significados.
com.br/identidade/. Acesso em: 12 abr. 2016.
[v] Ray Stedman. Our riches in Christ: discovering the believer’s inheritance in Ephesians (Grand Rapids, MI: Discovery House Publishers, 1998), p. 237. Tradução livre.
[vi] Ibidem.
[vii] Horton, op. cit., p. 9.
[viii] Paul David Tripp. Instrumentos nas mãos do Redentor: pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação (São Paulo: Nutra Publicações, 2009), p. 346.
[ix] Wolters, op. cit., p. 83.
[x] Laurenti, op. cit., p. 12-3.
[xi] William Barcley. O segredo do contentamento (São Bernardo do Campo, SP: Nutra Publicações, 2014), p.76.
[xii] Ibidem, p. 75-9.
[xiii] Como uma luta que faz parte não somente de nós como indivíduos, mas também daqueles que fazem parte do corpo de Cristo e estão imersos numa sociedade e numa cultura.
[xiv] Timothy S. Lane; Paul David Tripp. How people change (Canadá: New Growth Press, 2008), p. 200.