Um blog do Ministério Fiel
O temor ao nosso Rei e Pastor – parte II
O temor do Senhor como princípio de vida
O temor de Deus é essencial à vida cristã. A Palavra nos mostra em diversas passagens como esse temor longe de ser algo que nos afaste de Deus causando uma ruptura ou ansiedade paralisante,[1] é resultado do genuíno conhecimento de Deus, do seu amor, bondade, misericórdia, santidade, justiça e glória.[2]
O Messias teme ao Senhor
O Messias, na plenitude do Espírito, no mais completo e perfeito conhecimento do Senhor, no mais perfeito temor do Senhor, regozija-se em temê-lo:
Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo. 2 Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor (yirah) do SENHOR. 3 Deleitar-se-á (riach) (“Sentir um odor agradável”) no temor (yirah) do SENHOR; não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos. (Is 11.1-3).
O temor do Senhor é uma relação de graça por meio da qual podemos conhecer a Deus, nos relacionar com Ele tendo alegria e gratidão por temê-lo.
O “deleitar-se” do Messias, associa-se a um espírito repleto, incontido de satisfação.
O amor como compromisso nos estimula a servir a Deus em alegre obediência. “A graça e o favor de Deus não abolem a solenidade do trato”, adverte-nos Mundle.[3]
Vemos aqui a manifestação externa do temor de Deus no justo juízo do Messias: “3Deleitar-se-á (riach) (“Sentir um odor agradável”) no temor (yirah) do SENHOR; não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos. (Is 11.3).
O nosso santo temor a Deus se manifesta em amor reverente e obediente.[4]
O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. O temor a Deus é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo.
Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em reverência, admiração, obediência e culto,[5] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida.
Princípio orientador de nossas decisões
Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões. Temer a Deus é graça! Por isso, como veremos, são bem-aventurados aqueles que temem ao Senhor.
Analisemos agora alguns aspectos deste assunto tão fascinante.
A) O temor do Senhor negativamente considerado
Os homens perversos, por não terem conhecimento de Deus, em seus atos revelam não temer a Deus: “Há no coração do ímpio (rasha`) a voz da transgressão (pesha`);[6] não há temor (pahad)[7] de Deus diante de seus olhos” (Sl 36.1).
A ausência do temor de Deus contribui para a perversidade, proporcionando ao homem a falsa impressão de sua autonomia, propiciando, portanto, a manifestação de sua perversidade visto que se considera além de qualquer juízo.
Os seus olhos se constituem no critério final de percepção da realidade e, por isso mesmo, de padrão de seu comportamento.
Autonomia: Ateísmo ou deísmo
O desejo por autonomia, se traduzirá em ateísmo ou em deísmo: Ou Deus está morto ou habita em outra esfera como “totalmente outro”, nada tendo a ver conosco, com os fatos e a história. Nesse caso, o mundo seria apenas dirigido por leis, sendo nós reduzidos, no máximo, a um dente de engrenagem.[8]
Obviamente, essas posturas conduzem os seus proponentes, se forem coerentes, ao irracionalismo, já que faltará algo que faça sentido na estruturação do mundo.[9]
O pior senhor que podemos ter é justamente o que mais desejamos: nós mesmos.
Em geral não temos ideia das maldades que somos capazes de praticar para satisfazer a nossa vontade, punir nossos adversários e nos vingar daqueles que aos nossos olhos, de alguma forma nos fizeram mal.
Castigo: Deixar-nos entregues
Um dos piores castigos que Deus pode nos impor, é deixar-nos entregues a nós mesmos, com a sensação de que não há censura nem limite. O senhor “eu” é o pior ditador que o “eu” servo pode ter.
Na parábola do “Juiz Iníquo”, contada por Jesus, temos uma ilustração de tal pensamento e comportamento por parte do juiz que pouco se importava com a essência das questões a serem julgadas, antes, visava sempre ao seu interesse e comodidade. O centro do direito era a sua pessoa e as suas circunstâncias:
2Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus, nem respeitava homem algum. 3Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa contra o meu adversário. 4 Ele, por algum tempo, não a quis atender; mas, depois, disse consigo: Bem que eu não temo a Deus, nem respeito a homem algum. (Lc 18.2-4).
Ele finalmente julgou a causa da viúva, não por seu aspecto material, como se pensasse: “ela não pode ficar esperando indefinidamente por um parecer ou a causa dessa mulher desamparada parece-me justa, etc…” Ele julgou para não ser mais importunado. (Lc 18.5-6).
No entanto, quem assim age, seguindo o seu coração, sem o temor de Deus, colherá os frutos de seus atos: “O perverso não irá bem, nem prolongará os seus dias; será como a sombra, visto que não teme (yare’) diante de Deus” (Ec 8.13).
No próximo post analisaremos o temor do Senhor positivamente.
[1]Cf. Mt 28.4.
[2] “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 6.20), p. 187). “Quem quer que deseje crescer na fé deve também ser diligente em progredir no temor do Senhor” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.14), p. 557).
[3] W. Mundle, Medo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 147.
[4] “Não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente” (Ernest Kevan, A Lei Moral, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9).
[5] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).
[6]Conforme já citamos, “O sentido predominante de pesha’ é o de rebelião contra a Lei e a Aliança de Deus, e, por conseguinte, o termo é um substantivo coletivo que denota a totalidade de iniquidades e um relacionamento fraturado”. (G. Herbert Livingston, Pesha’: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1247).
[7](pahad) pode ser considerado um sinônimo poético de (yare’) (Cf. Andrew Bowling, Pahad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1209).
[8] Cf. B.B. Warfield, O Plano da Salvação, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 12-13.
[9] Veja-se: John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 94-103.