O temor ao nosso Rei e Pastor – parte IV

O temor do Senhor como integridade de vida

3) Temor e integridade

O temor de Deus é um modelador de nosso caráter. Ele nos ensina a ter uma vida íntegra diante de Deus em tudo que fazemos. O não temor de Deus por sua vez, está associado a uma vida dissoluta, sem padrões bíblicos e sem integridade de caráter.

Ilustremos isso:

No final da vida, Josué que conduzira a Israel por tantos anos, reúne o povo e toda a liderança. Relembra-lhes a história de Israel, os atos de Deus de formação e preservação.

          Josué estimula o povo a reafirmar sua fidelidade à Aliança feita com Deus. As suas palavras são de exortação a temer a Deus e a  servi-lo com integridade:

Agora, pois, temei (yare’) ao SENHOR e servi-o com integridade (tamiym) e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao SENHOR. (Js 24.14).

Tomemos outro exemplo. O livro de Jó começa com uma descrição do seu caráter: “Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro (tam) (completo, inteiro) e reto, temente (yare’) a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1.1/Jó 1.8; 2.3).

Durante todo o livro em todas as suas tribulações podemos constatar a reverência de Jó para com Deus e a piedade resultante em todos os seus relacionamentos.

No Novo Testamento Paulo estimula à igreja a se desenvolver em santidade no temor do Senhor: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor  (fo/boj) de Deus” (2Co 7.1).

4) Anda no caminho do Senhor

Ao mesmo tempo que o temor do Senhor nos afasta do mal,  nos aproxima de Deus, nos  levando a andar nos seus preceitos. Por isso, o temor do Senhor é um princípio de vida seguro e bem-aventurado. É como expressa o salmista: “Bem-aventurado aquele que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e anda (%l;h’) (halak) nos seus caminhos!” (Sl 128.1).

5) Tem prazer na Lei do Senhor

O temor do Senhor é educativo. Ele ensina a nos aproximar de Deus e a nos agradar nos seus mandamentos, descobrindo a alegria da obediência ao nosso Senhor. Os afetos piedosos são desenvolvidos por meio do correto temor do Senhor. Aprendemos a nos deleitar na instrução do nosso Pastor que nos guia.

“Aleluia! Bem-aventurado o homem que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e se compraz  (#pex’) (haphets) (tem grande prazer) nos seus mandamentos” (Sl 112.1).

6) Aptidão para governar

“Toda a sabedoria do mundo, sem o temor de Deus, é fútil ou vazia de conteúdo”, pondera Calvino.[1] A situação poder ser ainda pior se essa ‘sabedoria” for usada para planejar e executar o mal.

Quando o sogro de Moisés o aconselha a nomear auxiliares para julgar o povo, sugere o critério: “Procura dentre o povo homens capazes (lyIx;) (hayil) (pessoas hábeis, honradas e de bem), tementes (arey) (yare’) a Deus, homens de verdade (tm,a/) (‘emeth) (fiel, digno de confiança), que aborreçam a avareza” (Ex 18.21).

Estes homens, são qualificados de “homens de verdade”; ou seja: são honrados, íntegros, dignos de confiança.

De passagem, podemos dizer que aqui temos um indicativo do significado de hombridade: ser fiel, digno de confiança.

Anos após o retorno do cativeiro babilônio, quando Neemias explica a nomeação de Hananias para supervisionar a segurança da cidade de Jerusalém, apresenta o critério do qual se valeu: 

Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as portas, estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas, 2 eu nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias, maioral do castelo, sobre Jerusalém. Hananias era homem fiel (tm,a/) (‘emeth) (verdadeiro, digno de confiança) e temente (arey) (yare’) a Deus, mais do que muitos outros. (Ne 7.1-2).

7) O Temor a Deus e a nossa vida social

O temor a Deus tem implicações éticas. Daí a Escritura ao qualificar os servos de Deus como homens tementes a Deus, sempre os apresentam com virtudes relevantes dentro do ponto que se quer enfatizar.

Há uma identificação natural entre tais pessoas devido aos princípios, valores e práticas semelhantes. Temos prazer em conviver com pessoas que temem ao Senhor. Essa santa e piedosa afinidade é natural.

Devemos cultivar isso. Confessa o salmista: “Companheiro sou de todos os que te temem (arey) (yare’) e dos que guardam  (rm;v’) (shamar) os teus preceitos” (Sl 119.63).

O temor do Senhor nos aproxima por identificarmos propósitos semelhantes. Somos pecadores, contudo, buscamos em Deus o perdão e a correção.

Ainda que não possamos nem devamos transformar as nossas relações sociais em um gueto ou uma casta de homens e mulheres com espírito farisaico ‒ e isso deve ficar bem claro para nós ‒, sabemos que é altamente salutar e alegre conviver com os nossos irmãos buscando a edificação recíproca.

É o que expressa o salmista:

Alegraram-se os que te temem (yare’) quando me viram, porque na tua palavra tenho esperado. (Sl 119.74).

Voltem-se para mim os que te temem (yare’) e os que conhecem os teus testemunhos. (Sl 119.79).

Alcorn faz uma constatação pertinente: “Aqueles com quem decidimos gastar nosso tempo disponível moldarão dramaticamente nossa vida”.[2] (1Co 15.33; Pv 13.20).

A Escritura também nos adverte quanto a critérios puramente estéticos sem uma avaliação mais substancial e relevante: “Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme (arey) (yare’) ao SENHOR, essa será louvada” (Pv 31.30).

No entanto, como dissemos em outro lugar,[3] o caminho de nosso coração, com muita frequência passa pelos nossos olhos costumeiramente acríticos no que se refere ao pecado. A beleza, com todas as suas nuances,[4] pode ser uma ponte fácil que passa por cima de outros valores que deveriam ser priorizados  (Cf. Gn 3.6).

A mulher que teme ao Senhor revelará também a sua beleza em atos de sábia obediência. Importa dizer aqui que a Escritura não faz apologia à falta de beleza ou à formosura por si só. Antes, declara que esses aspectos solitários, além de ilusórios, são passageiros. O que de fato deve ter prioridade, ainda que não necessária exclusividade, é o temor do Senhor.

Portanto, vimos que o temor ao Senhor é um princípio que molda o caráter e a integridade dos fiéis, influenciando tanto a vida pessoal quanto as relações comunitárias e o exercício da liderança.   Por meio dos exemplos de Josué, Jó e das orientações de Paulo, aprendemos que o temor de Deus leva à prática da retidão. Essa atitude não é meramente um sentimento, mas uma busca por viver de forma íntegra e fiel aos preceitos divinos.

O temor do Senhor aproxima as pessoas, favorecendo a edificação mútua fortalecendo os laços comunitários com base em valores éticos sólidos. Seja na escolha de líderes ou na convivência cotidiana, a reverência a Deus conduz a uma vida de sabedoria e discernimento, onde o prazer em obedecer à sua lei se transforma em alegria e bem-aventurança, resultando em uma sociedade mais harmoniosa e justa.

Continuaremos no próximo post.

 


[1]João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2009, v. 4, (Sl 111.10), p. 86.

[2]Randy Alcorn, Decisões Diárias cumulativas, coragem em uma causa e uma vida de perseverança: In: John Piper; Justin Taylor, eds. Firmes: um chamado à perseverança dos santos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, [p. 85-114], p. 107.

[3] Hermisten M.P. Costa, O Deus de Misericórdia, Goiânia, GO.: Cruz, 2023.

[4]“A beleza nunca foi algo de absoluto e imutável, mas assumiu rostos diversos segundo o período histórico e o país: e isso não somente no que diz respeito à beleza física (do homem, da mulher, da paisagem), mas também à beleza de Deus, ou dos santos, ou das Ideias” (Umberto Eco, Nos ombros dos gigantes: escritos para La Milanesiana, 2001-2015, Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 38).

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.